Ant贸nio L贸io
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Quanto menos penso mais existo
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« em: Fevereiro 16, 2010, 18:39:39 » |
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Chap茅u
A manh茫 estava chuvosa naquele dia de Inverno. Tentava desenvencilhar-me no meio do ca贸tico tr芒nsito, que corria em sentido contr谩rio ao ponteiro dos minutos, que paulatinamente se aproximava das onze horas. Tinha sido convidado para assistir na Lus贸fona a uma palestra sobre um tema que me suscitava curiosidade. 鈥淎s sondagens em tempo de elei莽玫es nas suas m煤ltiplas vari谩veis鈥. A chuva aumentava de intensidade. Ser谩 que trouxe o guarda-chuva? Talvez tenha um na mala do carro, pensei, enquanto procurava um lugar no parque subterr芒neo dos Poveiros. Estacionei, e vasculhei a mala em busca do guarda-chuva, mas em v茫o. Desisti e dirigi-me para a sa铆da disposto a afrontar a intemp茅rie. Sempre que me acontecia um facto semelhante confortava-me, recuando 40 anos ao tempo do servi莽o militar em Santar茅m onde os exerc铆cios f铆sicos do curso para oficiais de Cavalaria era mais apropriado a futuros marinheiros, tais eram as c铆clicas inunda莽玫es do Tejo no vale da Asseca onde apesar de molhados at茅 aos ossos sobreviv铆amos sem males maiores. Perante a tempestade, entrei apressado no primeiro caf茅 que encontrei. Amparava-me a ideia, que talvez houvesse por aquelas bandas uma loja dum chin锚s onde pudesse adquirir o almejado guarda-chuva. O patr茫o desiludiu-me, que n茫o, que por ali n茫o conhecia nenhum chin锚s. Sa铆 e estugando o passo fui-me esgueirando por debaixo das varandas de pedra que pouco me abrigavam das enxurradas que os algerozes 铆am despejando para o passeio, onde os poucos transeuntes chapinhavam como patos nas bordas dum lago. Que chatice, pensei. Afinal, se calhar teria sido melhor continuar na ignor芒ncia da org芒nica das sondagens, do que afrontar tal tempo. E se voltasse para tr谩s! Desfilei motivos,enquanto continuava, em direc莽茫o 脿 Batalha pela Rua Entreparedes, mas. qual gaul锚s das aventuras do Asterix, foi a铆 que o c茅u me ca铆u em cima! Tinha que me abrigar e rapidamente , mas aonde? Naquela rua n茫o havia lojas nem caf茅s, excepto o da esquina, mas esse ainda estava longe! Do outro lado da rua 脿 porta duma loja que juro nunca ter visto, nem adivinhado a exist锚ncia, um senhor dos seus 60 anos acenava-me convidando-me ao abrigo. Entrei e agradeci o am谩vel e oportuno convite daquele desconhecido que sorria enquanto esconjurava o mau tempo, 煤nico tema de conversa que o acaso nos proporcionara. Esgotado o tema, calei-me. O comerciante, esse falava, falava desenferrujando a l铆ngua presa de mais uma manh茫 sem fregueses. Salientava as dificuldades que atravessava, que o neg贸cio 铆a mal, que a cidade estava cheia de velhos que j谩 ningu茅m comprava nada etc etc. Eu olhava em redor tentando absorver aquela atmosfera bafienta, dum passado que eu julgava morto e que me fazia recordar os meus tempos de crian莽a. Numa prateleira de madeira cuja pintura j谩 conhecera melhores dias, alinhavam-se meia d煤zia de pastas dum modelo que o meu saudoso professor da 4陋 classe, n茫o desdenharia. O pequeno balc茫o onde o meu interlocutor se apoiava, deixava antever atrav茅s dum vidro riscado, alguns cintos de homem que mais lembravam cobras enroladas em si mesmo, num qualquer serpent谩rio, dum qualquer parque biol贸gico. A loja era muito pequena com um tecto baixo, uma min煤scula montra onde se expunham meia d煤zia de chap茅us de homem em cabe莽as de corpos decapitados sem express茫o e olhar vazio. Olhei para a rua onde a chuva arrancava do granito do pavimento um som surdo mas com a suavidade de ourop茅is, entrecotado pelo aspereza dos pneus dos autom贸veis que teimavam em afrontar a tempestade. No meu pulso, um rel贸gio revoltado interpelava o meu atrazo. Ensaiei um 鈥 muito obrigado鈥 e quando me dirigia para a porta, uma voz soou atr谩s de mim: -Olhe, porque n茫o leva um chap茅u? Sempre abriga da chuva e do frio e afinal s贸 custa 12 euros! ........Ficava-lhe bem este,.... estilo ingl锚s.
Recuei no tempo! Do meu palmo e meio olhava para cima para o meu pai, que na Avenida dos Aliados junto 脿 Menina Nua, naquele Domingo particularmente ventoso, me procurava enquadrar esticando o fole da velha Kodak. Toninho ri-te para ficares bonito na fotografia! Mas eu n茫o ria e o meu pai recome莽ava e insistia em v茫o. Subitamente uma mais forte rajada de vento levou-lhe o chap茅u! A minha gargalhada expont芒nea ficaria gravada naquele instante na emuls茫o de prata do rolo fotogr谩fico e na minha mem贸ria, enquanto o meu pai, recuperado o chap茅u procurava dar de novo forma ao feltro acastanhado do fugitivo!
Dez minutos mais tarde, na Lus贸fona, ao cumprimentar o palestrante, senti o frio que me eri莽ava os cabelos quando me descobri, fazendo descansar nos meus joelhos o meu novo chap茅u castanho, estilo ingl锚s.
Le莽a da Palmeira 4 de Fevereiro de 2010
Tom
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