Maria dos Olhos de Vénus

Caiem os pés do alto onde a cegonha mantém a criação e Maria dos olhos de Vénus entre as (des) graças de um desejo crescente, enfurece-se pela recusa com que a vida lhe passa o indeferido visto de felicidade. Hoje como antes a indisposição acresce numa fornalha de receios prementes, também não fosse assim e nem um pio engasgava, tal a altivez do gesto agressivo de um olhar inteiramente pretensioso.
Quem sabe se um dia, ela não tivera a única oportunidade estabelecida pela vida para se conter no vocabulário e nas vestes adornadas de palavrões? No entanto as crias são o seu regalo misto de afecto e garras protectoras. Poderia reencarnar numa outra estância, como aquela que em certo dia disse um sim ao Prior, mas de que vale o passado se o presente se esvai, tal e qual uma leva de um corpo arrastado pela maré revolta de um Oceano transbordante de gelo?!
Fora ele, aquele que nem os nomes menos aconselhados chegariam para cilindrar a baixeza a que submetera Maria dos olhos de Vénus. Trocara-a pelo aproveitamento monetário e não pelo corpo, que na certa teria melhor em casa. Fora ele que dissera o outro sim de frente para o altar, mas sem um não, carregara Maria de rebentos e de seguida a abandonara.
Agora, Maria de olhos de Vénus, trincava as feridas dos lábios, na pachorrenta desgraça em que a mão alheia intercede perante os Deuses para que assim continue.
Naquela noite Maria adormeceu e após toda a trabalheira para colocar os pés no alto, onde, como cegonha vela pelas crias, sonhou para acordar no dia seguinte determinada a fazer um novo pedido, que desta feita teria de chegar como deferido. Pedido que seguiu numa carta amarrotada com duas únicas frases e rumo a destinatário desconhecido. -Se há alguém para lá daquele monte, que me valha?! Se os Céus estão carregados de mistérios, que me enviem uma missiva compadecente?!
O que é certo, essa carta teve resposta…também com apenas duas frases vindas sem onde e sem papel algum. Chegaram apenas no som de uma voz única, mas directa ao cérebro de Maria…
-Continua, Maria dos olhos de Vénus, levando as tuas crias ao alto de uma vida!
-Esquece a raiva com que cá para fora deitas na falta de humildade e aí, serás feliz!
No seguimento das palavras escutadas por Maria… pouco tempo depois calaram-se os agoiros vizinhos, aproximou-se um Manuel de olhos de Júpiter, ajudando Maria de Olhos de Vénus a sentir a felicidade de levar as crias ao alto onde a cegonha mantém a criação.
Para reflectir…