António Lóio
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Quanto menos penso mais existo
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« em: Maio 30, 2011, 10:04:57 » |
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COMO UM LADRÃO
Como um ladrão, a meio da noite, assim eu Ãa saindo de casa em bicos de pés, sapatos numa mão e na outra um saco onde em desalinho conviviam cuecas com meias e camisas, aspirinas e um velho aparelho medidor de tensão. Como é habitual nestes casos, colado no espelho da casa de banho, testemunha muda e justificativa, desta saÃda em pezinhos de lã, um papel gatafunhado, onde mais uma vez eu dizia à minha companheira, que não aguentava mais, que me sentia asfixiado. que gostava dela, mas... que a amava, mas....que nunca mais conheceria alguém assim, mas.... Contradições, balelas que ela sabia de cor, tantas as vezes que eu já a deixara e repetidamente voltara sempre. O ar frio da noite, gelou-me o corpo, mas não a minha vontade. Parte do meu cérebro irracionalmente impulsionava-me para bem longe dali e mesmo sem eu saber porquê, obedecia cegamente como das outras vezes. O autocarro ia galgando quilómetros em direcção à fronteira e à claridade do dia que despontava. Por esta altura ela devia estar a ler o papel e sem acreditar desatara a rir como das outras vezes. Olhei o relógio. Era meio-dia. Por esta altura era hábito ela ligar-me, mas desta vez o meu telefone iria tocar e tocar no meu apartamento vazio no silêncio da minha ausência. A paisagem da região de Leão e Castela desenrolava-se monótona e árida convidando-me à meditação. Vinda do meu subconsciente, uma voz muito baixinha, mas persistente censurava esta minha fuga. Sei que a vozinha, por ora um sussurro, se iria tornar dentro de semanas, insuportável ordenando-me o regresso à minha gaiola dourada. Gostava desta fase do meu comportamento, quando ainda o consciente me dominava completamente e me ordenava para seguir em frente. Afastei da mente estas fraquezas com convicção e resoluto encarei o meu futuro próximo. A noite ia chegando e eu, mesmo não querendo, imaginava-a meia adormecida murmurando o meu nome e a estender a sua mão para o meu lugar vazio. Finalmente a cidade da luz. O Sena o Quartier Latin, os amigos e o cheiro, principalmente o cheiro inebriante daquele gel de banho que só se vende nos Champs Elysées ou o do mofo dos velhos livros nas lojinhas da margem do Sena ali bem perto de Notre Dâme donde nas noites de neblina se avistam fantasmas guilhotinados ou Quasimodos saltando por entre os sinos da velha Catedral. Por momentos esqueci-a, mas aquela campainha a soar insistentemente a dois mil quilómetros, minava-me os sonhos. Em vão esticava os braços, mas o resultado era uma mão cheia de nada. Como um vÃrus entranhara-se em mim, num inevitável contágio!
Tom
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