Nação Valente
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outono
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« em: Setembro 02, 2012, 20:13:53 » |
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(Lembranças de um paÃs desaparecido)
Estimada mãe e pai, como é que vão. Por cá vou indo menos mal graças a Deus... Naquele tempo, naquela aldeia, a camioneta da carreira chegava todos os dias, impreterivelmente, à s dez em ponto da manhã. Impreterivelmente à s dez em ponto da manhã, o senhor António Sales, cego de um olho, recebia das mãos do motorista o saco do correio. ...por cá a vida continua dura de roer levanto-me cedo para limpar a loja e quando o patrão chega para a abrir está tudo arrumado depois é o dia todo a subir e descer escadas com o cabaz à s costas para entregar as mercearias aos fregueses é a sina do marçano... O senhor António Sales descia a rua poeirenta orientado apenas por um olho, até à sua casa/posto de correio. A sua esposa, a senhora Laura, abria o saco e despejava as cartas em cima de um balcão pintado com as tintas do tempo. ...quando fechamos a porta como depressa o jantar e só quero estender-me no divã que está na arrecadação de tão moÃdo que estou diz-me para voltar se quiser mas para aà para o pé do gado é que eu não volto nem morto... Em frente ao balcão do improvisado posto dos correios, as mulheres da aldeia, acompanhadas de alguns pirralhos pequenos, aguardavam a distribuição da correspondência. A senhora Laura punha os óculos de aros redondos na ponta do nariz, pegava numa carta com a ternura de quem afaga um filho e lia o nome do destinatário, perante o silêncio religioso das assistentes. ...e as coisas por aà como é que vão a vaca beleza já teve vitelinho e o pai anda melhor do reumático espero bem que sim... Ti M a r I a C a v A c a lia na sua voz pausada e soletrada a senhora Laura. Ti Maria, rosto magro e enrugado pelos anos de duro labor, pegava no envelope de papel branco e segurava-o junto ao peito mal disfarçando a emoção. ...e a pequena Bia está melhor do catarro e o nosso Tonico está a ir bem na escola olhe ele que se aplique para fugir a essa vida miserável... Do lado de fora, perto de uma janela sem vidraça, o ti Zé Adriano espreitava discreto. A senhora Laura levantou os olhos do envelope que ia ler e olhou-o por cima dos óculos de aros pequenos: - ó compadre Zé, espera notÃcias da comadre? Quando é que ela regressa? -Não sei comadre Laura, pois quando vai para casa da filha demora em voltar. Espero que chegue antes do Inverno para me aquecer os pés. ...a mãe se puder mande-me umas laranjas e um pão com gosto a pão para matar as saudades pois o que aqui se faz nem o nosso cão o tragava... A senhora Laura, terminada a distribuição das cartas, tirava os óculos de aros de tartaruga e arrumava o saco. À tarde havia de ser transportado, pelo senhor Manuel Sales subindo a rua enlameada, só com um olho, até à paragem da camioneta, que havia de chegar no regresso, à s seis em ponto da tarde, impreterivelmente. ...eu tenho muita vontade de vos ver mas estou tão longe que não sei quando isso será à s vezes uma lágrima quer saltar-me dos olhos mas eu não deixo como prometi tenho de ser um homem... As mulheres que assistiram à distribuição do correio, saem. Algumas satisfeitas com o tesouro que receberam, outras, nem tanto, vão de mãos a abanar. Regressam à labuta diária de arrumar a casa, dar de comer aos bácoros, ver se as galinhas têm ovo, preparar as refeição do homem que já moureja na lavoura. No dia seguinte, hão-de voltar à sala do correio, impreterivelmente à s dez em ponto, porque à s vezes chegam cartas... ...por hoje não tenho mais nada para dizer despeço-me com um grande beijo para a Bia e para o Tonico e para voçês queridos pais, um abraço sem tamanho do vosso filho Alberto ps desculpem a mancha no papel mas estive a escrever junto ao pote do azeite e não reparei que estava sujo
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