britoribeiro
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« em: Abril 13, 2008, 21:40:20 » |
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Bebeu o vinho que restava na tigela, resmungou uma despedida para o Félix, o dono da taberna e encaminhou-se para a saÃda. Parou junto à mesa onde se jogava à sueca, enrolou um cigarro, apreciou algumas vazas, trocou um olhar com o Carlos, um olhar que pretendia ser casual. O estabelecimento era grande, de um lado a taberna, os pipos alinhados na parede do fundo, o balcão forrado a zinco onde os clientes se encostavam Destacava-se o pequeno armário envidraçado onde habitualmente tomavam lugar os pratos com as iscas, as pataniscas ou postas de peixe frito. Do outro lado ficava a mercearia, com as tulhas em madeira, os fardos e as seiras, o medidor do azeite, a balança, os livros do fiado por baixo da gaveta do dinheiro. Do lado da taberna duas grandes mesas com bancos corridos, pouso dos jogadores de cartas e dominó. Eram quase sempre os mesmos, a aldeia era pequena e os afazeres do campo não deixavam muito tempo livre. Nas épocas de maior labor como nas lavradas, na poda da vinha ou nas colheitas, só mesmo ao domingo é que se juntava mais gente, vindo até das aldeias em redor provar a pinga e os petiscos do Félix.
Saiu para o caminho, piscou os olhos por causa do sol, puxou o boné para baixo, encaminhou-se para casa, já fora da aldeia. Na última volta do caminho, onde o velho castanheiro do Tio Rapão espalhava sombra, sentou-se sobre o estrado de um carro de bois ali desatrelado. Com a navalha entreteve-se a aparar um pauzinho, fazendo tempo para o encontro que se adivinhava. O Carlos chegou afogueado, tirou o velho chapéu de feltro, limpou o suor da testa à manga da camisa. - Vamos ali para trás – diz-lhe o AlÃpio – Espero que não tenhas dado nas vistas… - Pensas que nasci ontem? Passaram a cancela de madeira tosca e foram-se abrigar debaixo da vinha frondosa, onde já despontavam pequenos cachos de uvas. - Então? – Questiona o Carlos. - Então, esse filho da puta do tenente não ia adivinhar sozinho por que banda Ãamos passar. Se soubesse quem foi o malandro que o avisou, já lhe tinha dado um tiro. - Ó homem, assim ainda te desgraças… - Pelo menos ficavam todos a saber que não admito traidores. Sim, traidores, porque isto foi obra de um dos nossos. - Podia não ser, podiam ser os de Cochos que falaram. Sabes que eu não me fio desses galegos! Até podiam ter sido os de Fiães. Sei lá! - Não acredito, isto é obra de alguém cá da terra. Se Deus quiser hei-de encontrar o bandido e logo ficará sem vontade de ir bufar à Guarda. Malditos! – Vocifera o AlÃpio – Fizeram-nos perder toda a carga e ainda perdemos a mula do Zé Albino que caiu à mina. Vais a Fiães e deixa-te ficar por lá até ao fim da tarde. Conversa como se nada tivesse acontecido. Encontramo-nos aqui, à noite, quando se puser a lua, mais o Tone das Ãguas e o Barbeitas. Já sabes, nem uma palavra a ninguém sobre a desgraça da noite passada.
Como em muitas aldeias da raia galega, o contrabando era a forma de aliviar a miséria da vida dependente da agricultura. As terras eram pobres, o clima agreste, de verão uma torreira de sol, no inverno tudo branco de neve ou queimado pela geada traiçoeira. Os mais novos tinham abalado para Lisboa e alguns até para o Brasil, mas aqueles que tinham mulher e filhos, por aqui se aguentavam, tirando a custo o pouco sustento que a terra consentia dar. Montes de agrestes pendentes, salpicadas de áspero granito, onde as cabras se empoleiram, onde os lobos espreitam, os garranos pastam em manadas ariscas, onde o milhafre e a águia vigiam das alturas, assim era aquela terra. Pequenos pastos de erva amarelada mostravam que a seca ia prolongada, bom para o vinho, mal para o milho que tardava a engrossar a espiga.
Foi direito à loja onde guardavam as ferramentas, pegou na enxada, pô-la ao ombro e juntou-se à OlÃmpia e à Maria Rita, respectivamente sua mulher e sua irmã, que com eles vivia. Ambas manejavam a enxada entre as fileiras de milho, desalojando com golpes certeiros o gramão, a junça, os saramagos e outras ervas bravas.
Em casa os candeeiros já tinham sido apagados há muito, todos descansavam menos o AlÃpio, que fumava um cigarro sob a luz baça da lua, filtrada pela latada de vinha que cobria as escadas de pedra. Pacientemente esperava; esperava que a lua desaparecesse, esperava por novidades que os seus homens lhe haviam de trazer, esperava por saber quem era o malandro que os tramara. Podia desconfiar de todos, mas daà a ter certezas Ãa um passo muito grande. Não lhe saÃa da cabeça que quem os atraiçoara uma vez, podia muito bem voltar a atraiçoá-los outra e outra vez. O sino da igreja badalou duas vezes, eram dez e meia, a lua já se aninhava por detrás dos montes do Soajo. No ponto de encontro aguardava o Barbeitas, um homenzarrão com fÃsico de gladiador romano, que adornava a feia carantonha com uma barba espessa. - Ainda não chegaram os outros? – Pergunta o AlÃpio, só para fazer conversa. - Devem estar a chegar… Parece que oiço barulho… - Também eu, devem ser eles. Chegaram, sentaram-se no chão e o Carlos começou a contar as novidades. - Não se falava noutra coisa em Fiães. Todos comentavam a apreensão que o novo tenente da Guarda de Melgaço fizera a noite passada. Mas eles pensam que a carga vinha por conta dos Cunhas, a mim até me perguntaram se tinha visto algum deles por aqui. - Por aqui? - Sim, parece que andam fugidos. Logo de manhã foram à s casas deles, revistaram tudo e não os encontraram. Segundo dizem, foi esse tenente que comandou a rusga e chegou a dar umas chicotadas ao filho de um deles, um miúdo, para ver se o rapaz falava. Ainda troquei umas palavras à s escondidas com o Mendes, disse-me que este tipo veio da Régua e é dos que não come, nem deixa comer. Um animal da pior espécie! - Mas afinal soubeste como eles deram connosco? Quem é que bufou? - Não pude falar à vontade, mas o Mendes garantiu-me que ficaram surpreendidos ao darem connosco. O tenente tinha-lhes dito que iam apanhar uma carga de café que ia para lá. Ah… ele disse-me para te avisar, que temos de estar quietos umas semanas até isto sossegar e que não tardarão a fazer uma ronda por aqui. - Então é melhor tirarmos do teu palheiro o que sobrou e mudar para outro lado, fora da aldeia, senão ainda nos encontram a mercadoria.
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