gdec2001
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« em: Novembro 08, 2013, 23:23:16 » |
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Até que um dia ela voltou a ver um rapazinho muito bonito, filho da Maria Inês, uma colega que era a sua maior amiga. Brincou dizendo que o menino era tão bonito que não parecia filho dela e ficou muito surpreendida quando ela respondeu, muito séria, que tinha toda a razão porque na verdade o menino não era seu filho natural; tinha-o adoptado. E ela pensou: Como é possÃvel que eu considere a Inês como a minha maior amiga e não saiba isto? E disse-lhe com acentuado tom de censura: Nunca me tinhas dito. Tens toda a razão mas o Fernando faz disto um grande segredo e por isso tive uma certa dificuldade em contar-te. Mas agora considerando que vocês têm um problema semelhante ao nosso... Ela pensou então: Sou mesmo estúpida, é claro que podemos adoptar um filho. Perguntou logo o que teria de fazer e obteve a informação de que teria de encontrar uma criança, abandonada ou quase, numa creche ou orfanato ou qualquer outro local onde tratassem de crianças e depois ir ao tribunal de preferência com um advogado. Advogado?! Disse ela; julguei que isso era apenas para os criminosos. Falou com o Mário e ele concordou imediatamente.
A adopção...
- Seria bom que pudéssemos ter filhos sem sujeitar a mulher às inconveniências do parto -
Começou então a correr jardins infantis, creches, infantários e orfanatos e, por fim, até asilos para encontrar uma criança que pudessem adoptar. Mostraram-lhe crianças feÃssimas, benzesse-as deus! e até, algumas , aleijadas, — que o mesmo ou outro deus as amparasse — , mas a sua intenção não era fazer caridade mas ter um filho bonito e escorreito como julgava que merecia ter. E queria uma criança muito pequena, em tenra idade como se costuma dizer, porque pensava que só criando-a desde o inÃcio se poderia tornar realmente seu filho... ou filha, tanto lhe fazia. Encontrou finalmente uma num jardim infantil que ali fora deixada por uma senhora que parecia â€francamente bem†— como lhe disseram— e depois desaparecera sem deixar qualquer rasto. Ainda não a tinham entregado a um asilo porque “era tão bonita...†e estavam sempre com fé de encontrar a mãe ou aquela que como tal se apresentara. Mas havia mais de seis meses que a procuravam inutilmente e já não tinham verdadeira esperança de conseguir encontrá-la porque haviam descobrido que eram falsas todas as informações que ela dera acerca da sua identidade e morada. – Este estúpido computador parece que não sabe que o verbo descobrir tem duas formas para o particÃpio passado –. Apenas sabiam que a menina – pois tratava-se de uma menina – se chamava Elsa uma vez que fora tal nome que a presumida mãe lhe dera e, na verdade, a criança atendia por ele. A Elsa deveria agora ter um pouco menos que um ano, oito , nove ou dez meses e já palrava bastante. Era uma criança lindÃssima e muito delicada. Daquelas em que se tem medo de tocar porque como que ameaçam desmanchar-se. Tinha portanto que arranjar um advogado. E foi ainda a Maria Inês quem a ajudou indicando-lhe o que tratara da adopção para ela e que era o melhor, na sua opinião. Tinha o escritório muito perto da baixa, na R. de S. Mamede, ali também perto do Castelo. E lá foi num fim de manhã em que pediu para sair mais cedo do trabalho porque tinha combinado pelo telefone estar lá à s onze horas. Subiu umas escadas que se torciam duas vezes, uma para a direita e outra para a esquerda, e eram tão empinadas e estreitas que só cabia em cada escada pouco mais de metade do seu pé. Esperou um bom bocado para ser recebida. A empregada era muito velha, ou melhor talvez, antiga e muito curiosa: Queria saber qual o assunto que ali a trazia e, para perguntar, enredou-se numa conversa que dificilmente se entendia. E a Adélia, fingindo não compreender, enredou-se também em explicações que nada significavam e assim nada lhe disse. Não que fizesse qualquer diferença pois ela bem sabia que, sabendo o advogado, saberia a empregada, mas a ela parecia que ao advogado pertenceria escolher o que a empregada deveria saber ou não saber, se é que podia guardar alguma coisa. Quando finalmente a mandou entrar, viu-se num gabinete que ao princÃpio lhe pareceu acanhado porque estava cheio de livros e papéis que transbordavam das prateleiras e quase afogavam aquele homem pequenino, com pouco cabelo muito penteado e sem idade definida. O gabinete estava quase à s escuras e teve dificuldade em chegar junto da cadeira que se ocultava atrás da secretária esta sim, fartamente iluminada por um candeeiro de mesa representando, esculpidas, umas ramagens estranhamente torcidas. É uma maravilha, Arte Nova, pensou. O Sr. Advogado levantou-se para a cumprimentar e ela respondeu com uma ligeira inclinação do joelho direito que ainda hoje não sabe explicar a si própria mas que ele recebeu com a maior naturalidade. Explicou-lhe em seguida, com grandes pormenores, o seu problema olhando como que hipnotizada para o candeeiro. Ele ouviu-a calado. Depois disse que a adopção de uma criança naquelas circunstâncias devia ser muito difÃcil uma vez que nem se sabia se estava ou não registada. Que o melhor seria ela procurar outra criança cujos pais, mortos ou vivos, fossem conhecidos. Mas ela, que já se tinha afeiçoado à menina, teimou brandamente com o Sr. Dr. para resolver a questão olhando-o, agora, de frente. Ele disse-lhe que voltasse daà a três dias porque tinha de estudar o caso. E ela desceu a escadaria ...
Geraldes de Carvalho
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