António Casado
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« em: Novembro 23, 2013, 15:54:35 » |
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António Casado__________ 28 Dezembro 2010
CORREDORES PALACIANOS -
O eco das solas dos novos sapatos de peles proibidas Ainda range no soalho empedrado dos longos corredores Onde se rabiscam leis e discutem politicas à margem Das dores que dormem sobre caixas de cartão pelas ruas húmidas Ou das crianças que no intervalo das aulas ainda não comeram… Dói-me os ouvidos desses passos moribundos e inúteis Culminados num cansaço tÃpico de quem odeia o seu povo e sorri Enquanto bebe licor de hipocrisia numa mistura de tédio e mentira. Dói-me a alma! Dói-me a lama! Doem-me as veias rasgadas De não ter mais sangue com que possa saciar o rio de miséria Que tresanda de espasmo mesmo debaixo do meu nariz espantado!
Aperta-me a dor o pescoço quando o pé direito da graxa do sapato Marca no chão uma linha oval com cheiro a cabedal novo e caro Como o limite de uma fronteira guardada por espingardas e pistolas Onde não posso passar porque os meus pés descalços Atropelam de cheiros os vossos narizes empinados de comando. Adianta doer-me a consciência diante dos vossos dedos esguios Habituados a procurar o poder junto dos estômagos famintos? Adianta sentir o ultraje da vossa voz num embrulho de promessas Consciente de que deliberadamente mentem e sorriem e mentem Mesmo quando não sorriem e exibem nos lábios estendidos O cinismo cigano de quem estende a sinceridade à oligarquia Que faz de cada lei uma perpétua noite de natal E vos favorecem com meias cheias de coisas especiais…?! Esse lábios femininos e dormentes que me mordem o pescoço Libertam das cordas vocais a vontade de gritar Que nada do que representais satisfaz nem é digno de quem trabalha Quando sob a pele um secreto desejo com asas de raiva e revolta Me reveste a derme e lança na viscosidade do nojo O ácido corrosivo e obsceno de um tremendo NÃO!
Tantas e tantas vezes direi NÃO que a voz - porque ainda tenho voz Porque ainda consigo romper as malhas das mordaças invisÃveis Porque ainda consigo ultrapassar a venda de novelas e futebóis Porque ainda consigo superar a novena eterna de concursos e promessas Porque ainda consigo na minha senilidade acreditar que o futuro Está para além da mediocridade da falsa cultura que me servem na televisão E que é possÃvel construir-se um inferno melhor que este perro céu - Ecoará no alto como uma nuvem, uma tempestade, um dilúvio, Qualquer coisa de anormal que agite as consciências e as almas Qualquer coisa que projecte nos ouvidos do mundo a esperança num sol Que desejo seja de todos, como de todos é a liberdade.
Cerro os olhos e sinto as vossas garras na garganta Ufanas de si próprias, convictas no meu anonimato, na pouca importância Que as minhas palavras representam numa sociedade já cega, já mofa, Já surda, já muda, já atada com cordas de linha e laços de lã, Feliz no ópio do futebol, no haxixe dos televisivos entretenimentos, Porque nada mais represento que um sonhador sem sonho Um desconhecido num deserto sem plateia, ao qual as portas Aromatizam de silêncios e estrábicos desejos, sem voz que o represente Dinheiro que permita vincular uma ideia ou um mÃsero ideal, Nada que possa ser útil no hermetismo social criado por conveniência!
Cerro os olhos e para além do meu sonho que nunca morre O soluço de uma lágrima ou rio de pranto solto nos meus olhos aflitos Apela aos nervos desterrados num palco de sombras e suplÃcios À revolta anémica dos que se escondem por detrás das cortinas Para que as folhas das árvores não contabilizem a fome nem o frio… Porque o sonho representa o mundo sem roupas, sem sapatos, sem gravatas Onde todos podem ser a verdade reflectida no espelho de si próprios! Só desejo ser esse mÃsero espelho, quebrado ou não, embaciado ou não, Apenas e só o espelho onde possam ver o mundo completamente nu…
Por dentro de cada sorriso a hipocrisia de um pensamento pirata Decepa a vontade de acreditar no que prometem entre risos e figas! Por dentro de cada aperto de mão a ironia de um gesto de repulsa Que vos levas a limpá-la com panos brancos e água quente Temerosos das epidemias que povoam a alma dos que labutam, Dos que passam dias a fio nas fábricas, dias a fio em casa, Sem conhecerem a totalidade da rua onde moram, nem a árvore mais próxima, Onde o conceito de viagem não ultrapassa o bar do bairro ou a taberna, Para quem todo o futuro é o dia de ontem e anteontem E qualquer mudança se assemelha à roleta russa nas cabeças vazias, Qualquer esperança um olhar perdido no copo vazio Quando ainda acreditavam que um dia seria diferente e se esforçaram por isso. Chegaram ao entardecer da vida e encontraram a esperança Sepultada na mesma laje que o passado Fartos de ressacar neste marasmo insolúvel de governantes criminosos!
Sim, cansa-me a alma de vos ver deambular pelos corredores dos palácios, De vos ver exibir a grandeza de um status criado por vós à vossa imagem De demarcardes fronteiras invisÃveis entre mim e tudo aquilo que sois Farto do cheiro a pó dos fatos das ideias de antanho e de ideologias Que apenas vos servem, porque se tratam dos vossos exclusivos interesses.
Pois eu não tenho interesses! Eu não quero o que quereis! Não quero nada! Nem vós que me causais náuseas vampÃricas e nojo!
O meu povo – porque entre os adormecidos há Povo! - Não partilha das vossas conveniências nem se deixa corromper! O meu Povo acredita no sangue que lhes corre nas veias O mesmo que os faz erguer todos os dias de manhã e produzir Que os faz acreditar na dimensão de um mundo de maior partilha Onde a esperança não é mera palavra nem sinónimo de conservadorismo! O meu Povo não é conservador! O meu Povo tem sangue na guelra Tem acção nos músculos, tem garra nas unhas, tem fé nas ideias! O meu Povo é feito de força, de energia, de alegria, de luz! O meu Povo não existe nos vossos colarinhos engomados Nem nos actos eleitorais reprimidos, tendenciosos, hipócritas! O meu Povo é marinheiro das ondas e das estrelas Navega nas naus do futuro com uma criança entre os braços! Esse é o meu Povo!
Eu não tenho interesses! Não tenho voz, mas tenho vontade! Não tenho voz, mas tenho sonhos! Não tenho voz, mas grito!
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