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Autor Tópico: Sortilégio 12  (Lida 1961 vezes)
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gdec2001
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« em: Novembro 27, 2013, 17:02:33 »



Entretanto terminaram as férias que a Adélia gozou por causa do parto e, por isso, teve de voltar a trabalhar.
Procurou um jardim para deixar o menino, nas horas em que permanece no emprego .
Acabou por deixá-lo na _Infância Feliz_, aquele em que encontrara a Elsa, porque adquirira conhecimento com a responsável, que entendia ser muito competente apesar do erro que fizera quando da admissão da menina.
Errar era humano, como sempre ouvira dizer e comprovara ser verdadeiro, e, tal erro, desenvolvera na referida responsável, Ana era o seu nome, um novo sentido de responsabilidade.
Além disso ficava perto de sua casa, praticamente no caminho para o trabalho e isso era também uma vantagem não desprezível.
Suportou com coragem o elevado custo do jardim que lhe arrebatava quase metade do seu vencimento.
Levava-o todas as manhãs, de segunda a sexta-feira, quando ia para o trabalho, e ia buscá-lo logo que o trabalho acabava.
E era raro o dia em que não dava lá um salto na hora do almoço.
Custava-lhe muito deixá-lo, em mãos desconhecidas, ainda que simpáticas e competentes, mas tinha de ser assim.
Um dia teve de levá-lo à fábrica porque as colegas lhe diziam, todos os dias, que queriam conhecê-lo.
O António olhou para ele longamente mas nada disse. E ela agradeceu-lhe muito, com um olhar, por isso.



Ciúmes e amizades

A amizade é quase tão consoladora como o amor e nunca tão dolorosa.

Entretanto o Mário começou a chegar a casa cada vez mais tarde.
Como era seu já antigo hábito, à saída do trabalho, entrava na Marisqueira do Tejo aonde costumava beber uma imperial mas passou a demorar-se mais tempo bebendo duas ou três.
Depois da segunda cerveja tornava-se-lhe mais fácil suportar aquela humilhação mas esforçava-se por ter cuidado em não as exceder muito, porque então se sentia mais violento.
Tinha ali muitos conhecidos mas nenhum verdadeiro amigo, com quem pudesse abrir-se e também temia beber de mais porque sabia que isso o tornava falador.
Foi, porém, ficando, cada vez mais tempo e bebendo por isso cada vez mais, porque se sentia ali, como que adormecido.
Às vezes chegava a casa ligeiramente tocado porque, como ao Nietzsche, eram as bebidas fracas que lhe produziam tal efeito, e isso entristecia muito a Adélia.
Até que um dia reparou, na Marisqueira, numa senhora que jantava sozinha.
Andando, tropeçou na cadeira dela e pediu-lhe desculpa. Ela respondeu que não tinha importância nenhuma e sorriu para ele.
No dia seguinte ela cumprimentou-o a primeira vez que ele olhou para ela e ele respondeu-lhe automaticamente . Ela sorriu-se mais e, aproximando-se do lugar em que ele estava sentado, ao balcão, tomou também lugar e começou a conversar com naturalidade.
Disse que há vários meses que o observava, sempre com o seu ar sorumbático. Que na opinião dela não havia nenhuma tragédia na vida que merecesse tanto sofrimento como o que ele parecia experimentar. Que a vida era uma coisa absurda e ridícula que só podia ser encarada com ironia e boa disposição.
E ele respondeu :
Não me parece que seja assim e julgo que a Senhora também não vê a vida da maneira que está dizendo, na verdade, com mordacidade, o que prova que a leva a sério.
Vejo que além de ser um homem triste é também um bom observador, retorquiu ela.
E ele: Não experimente em mim a sua ironia.
Façamos as pazes, porque na verdade não quero zangar-me consigo mas vejo que começamos mal a nossa relação, disse ela apaziguadoramente.
Não vejo que haja qualquer relação entre nós, rematou ele.
Ela ficou silenciosa e ele despediu-se friamente.
A caminho de casa pensou que havia sido um bruto. Afinal a mulher apenas queria uns momentos de inconsequente palração e ele rematara a conversa por causa da mania de levar tudo para o trágico. Talvez até ela tivesse um pouco de razão naquilo que dizia, ao princípio.
E quando entrou na porta de casa fez aquilo que costumava fazer quando se sentia mais apaziguado: Foi falar com o José perguntando-lhe o que entendia ele da vida, como tinha corrido o dia dele lá no jardim, o que é que ele fazia para estar tão bonito e tão alegre, se ele gostava da mamã que o tratava tão bem e era, também, tão bonita. Mas disse isto porque ela não estava presente.
No dia seguinte, quando entrou na marisqueira, ela ainda lá não estava.
Perguntou ao António Santos, um empregado de mesa, com quem se dava bem, quem era ela.
Ele disse-lhe que se chamava Lurdes; na verdade era a Dr.a Lurdes e era professora num colégio em Almada: Era uma solteirona e, por alguns, considerada como um pouco maluca porque se dava com toda a gente e tinha uma vida bastante livre. Na verdade parecia ser uma pessoa bem interessante .
Logo que ela entrou ele dirigiu-se-lhe e desculpou-se pelo seu comportamento anterior dizendo-se pouco habituado a ser interpelado, em especial por senhoras.
Sim, eu sei; em Portugal as mulheres ainda têm a ideia de serem uma espécie de seres à parte, a quem só se pode falar depois de nos serem apresentadas. E não vêm, ou não querem ver, que isso é apenas uma espécie de compensação pelo facto de continuarem a ser exploradas. Eu, não penso que sou um ser aparte e, por isso, embora talvez não só por isso, sei que me consideram um tanto doida ou talvez mesmo, maluca.
E ele achou que ela tinha toda a razão. Mas, embora tivesse reagido mal, como confessara, sempre considerara as mulheres como absolutamente iguais a si, _ainda que diferentes, não sei se me faço entender_.
E ela disse então: Para provar isso, deixe que lhe pague o que vai beber, ou comer, hoje.
Apenas costumo beber uma ou duas imperiais, disse ele, sem mentir, visto que, sendo certo que ultimamente bebia três ou quatro, ainda não considerava isso um costume.
Pois então, sente-se.
E ele assim fez.


Uma verdade de Monsieur de La Palisse mas que precisa de ser recordada:
O amor é o amor e a amizade é a amizade.


Para meter conversa ela perguntou-lhe o que é que ele achava do congresso do PSD.
Ele disse que, na sua opinião, o congresso de um partido, era um negócio puramente interno e que a sua publicidade causava sempre má impressão. Que deviam apenas publicar-se as conclusões finais, pois isso é que interessava ao país. O resto eram apenas quezílias ou regozijos familiares que só podiam interessar a quem gosta de fofocas, como dizem os brasileiros.
E ela disse: Tem toda a razão; nunca tinha pensado nisso mas tem toda a razão, não há dúvida.
Deixemos então essa questão e todas as demais questões políticas, uma vez que ainda nos conhecemos mal. Mas sobre o que devemos falar?
Talvez sobre si. O que faz, porque o faz e como. Para nos conhecermos melhor.
Ensino matemática num colégio em Almada. Faço-o porque tirei o curso de matemática.
Ao princípio pensava dedicar-me à investigação mas logo vi que isso não dava dinheiro, pelo menos no início. E eu precisava de ganhar dinheiro porque os meus pais não são ricos .
Mais tarde, vim a concluir que tinha feito muito mal em ter estudado o que podemos chamar matemáticas puras, porque, na verdade, a investigação em tal matéria é uma tarefa de alto gabarito a que só estão habilitadas as melhores cabeças, cabeça que eu não tenho, evidentemente.
Aliás, em Portugal, há muito poucos que investigam, a sério, a matemática pura, porque é uma investigação que não é imediatamente reprodutiva e o país não pode, muito, dar-se a esse luxo.
De maneira que os meus sonhos morreram e dou aulas, o que aliás é comum nos professores.
Não entendo bem. O que é que é comum nos professores?
Darem aulas, depois da morte dos seus sonhos.
Assim, não vejo como poderá dar boas aulas.
Dou-as o melhor que sei e, comparando com os restantes professores, até que não sou má.
Mas é claro que não segui o melhor caminho e é esse, no meu entender, o grande problema do ensino em Portugal : Os professores não se formaram para ser professores e a maior parte deles não tem qualquer vocação para ensinar.
Mas isso de vocação existe mesmo?
Existem qualidades que são necessárias para exercer um determinado mister e ter vocação é ter essas qualidades, ou a maior parte delas, em grau elevado. Não existe, assim, vocação para ser pedreiro ou sapateiro mas sim pessoas que têm, em grau mais elevado do que as outras, as habilidades e as formas de inteligência necessárias para exercer tais funções.
É claro que, em parte, essas habilidades, adquirem-se com a educação necessária mas também, em Portugal,  quase não existe, essa educação especializada; para ensinar, quero dizer. E, no meu tempo, não existia mesmo...
Impressionante, disse ele.

Geraldes de Carvalho
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Goreti Dias
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« Responder #1 em: Novembro 29, 2013, 20:40:53 »

Vim à procura do 12 porque o 13 não me fazia sentido. Pudera! Não o tinha lido.
"Os professores não se formaram para ser professores e a maior parte deles não tem qualquer vocação para ensinar. "
Espero que não considere isso verdade. Para ser professor há quem faça (a maior parte) curso de "ramo educacional". Só servem mesmo para isso. Quanto à vocação, nos tempos que correm, parece-me que é precisa muita vocação mesmo para lá continuarem!
E vamos lá ao seguinte!
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Sejam bem vindos às escritas!
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Boa tarde!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
Março 16, 2021, 12:35:25
Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
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Boa feliz noite para todos.
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Bom fim de semana para todos
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Boa quinta para todos.
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Boa noite para todos.
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Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
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