gdec2001
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« em: Dezembro 18, 2013, 22:54:13 » |
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Ora; até me faz bem . E contou: Que o pai tinha morrido quando era ainda muito nova. Parece que era meio maluco, bebia muito e falava em verso. Era empregado na Câmara, da limpeza parece-me, mas ainda há muito pouco tempo, quando morreu de uma doença de que a minha mãe nem sabe dizer o nome, que é muito arrevesado. A minha mãe, que também já gostava da bebida, passou a beber mais depois que o meu pai morreu e trabalhava de vez em quando a dias. Às vezes não tÃnhamos de comer. A minha mãe conheceu então, um homem com quem passou a viver e que a meteu na linha. É também empregado na Câmara, encarregado de obras, ou coisa assim. Vivi, então, razoavelmente bem, durante alguns anos . Cheguei à altura da escola e andei nela, ali, na R. Maria Pia. Ainda frequentei a que, então, se chamava, 6ª classe. O pior foi quando me começaram a crescer as mamas. O meu...pai -pois era assim que eu o tratava - começou então a reparar em mim. E mexia nelas, como que por brincadeira. Aquilo chateava-me muito, não sei se por causa da idade dele, se por que lhe chamava pai, se por que dormia com a minha mãe. Na verdade eu não era, já então, muito pudica -ela, realmente, disse púdica, como toda a gente, mas descobri que era uma pronúncia “errónea" . Já brincava com os rapazes da minha idade, ou um pouquinho mais velhos e também com algumas raparigas. Mas era ingénua. E tanto que me queixei à minha mãe do que o homem dela me fazia sem ter nenhum facto, verdadeiramente grave, para contar. E, com grande admiração minha, ela, em vez de se zangar com ele, zangou-se comigo e bateu-me mesmo o que não costumava fazer; muitas vezes, pelo menos. Acusava-me de o provocar, o que não era verdade. A não ser que a provocação fosse o crescimento das mamas... Percebo agora porque o fez: Teve medo de perder a estabilidade que lhe custara tanto a conquistar. Mas, nessa altura não percebi e fiquei muito zangada. Saà de casa. Era então uma garota de treze anos, mais ou menos. Vivi então na casa de uma amiga cujos pais eram boas pessoas, suponho, mas que eu quase nunca via. Tinha dois irmãos, cada um deles mais tarado do que o outro, e foi então que dei em puta com eles e com outros . Por fim não aguentei mais porque um dos irmãos dela dizia que estava apaixonado por mim e batia-me quando sabia que eu ia com outros. Drogava-se muito e eu também... um pouco. Passei então a dormir aqui e ali e passados alguns anos, ou meses sei lá, a Dulce encontrou-me. E a sua mãe? Agora dou-me bem com ela mas, enquanto estive mal, fugi-lhe sempre, embora soubesse que me procurava. Bom, já conheces toda essa tragédia e, até, melhor do que eu, disse a Dulce. Vai-te lá embora ou anda para a cama. E ele foi, e a Dulce e a Antónia foram, e o prazer repetiu-se e só não maior, porque não parecia possÃvel. Com a sua mulher, tudo se passava e se passa, de certa maneira, ao contrário. Embora ela fosse, e seja, igualmente fogosa, eles nunca ultrapassavam os limites que lhes eram, são, impostos por um estrito mútuo desejar-se nem tácito nem, claramente, declarado. E nele, a delicadeza redobrava e redobra. O prazer fÃsico é sempre acompanhado de uma ternura de tal maneira intensa que ele não sabe, muitas vezes, se efectivamente o sente ou se não será apenas o extravasar de um seu amor puramente espiritual. Ainda que não acredite nisso, em amores puramente espirituais... E a acrescentar a tudo isto, a todas estas contradições, havia, há, sempre aquela dor que o não deixa nem deixava, muito embora ele soubesse, e saiba, que não tinha qualquer sentido, e muito menos agora, em que ele vivia duas vidas e vive. _Que raio de mania, esta de viver sempre e ao mesmo tempo, no passado e no presente _.
A transformação de uma criança num adulto é um mistério lento
Entretanto o José crescia e crescia nele a beleza e a inteligência. Aos oito meses já dizia muitas palavras e parecia entendê-las a todas . Ainda não tinha nove meses quando começou a andar. Quando tinha já quase um ano a Adélia resolveu apresentá-lo ao seu amigo, o rio Tejo. Passeava nas suas margens levando-o umas vezes pela mão, outras vezes ao colo. E falava, fala, com ele como para um adulto. Diz : Vou falar-te agora deste belo rio , o Tejo. Já reparaste como são bonitos os barcos que nele navegam? São sempre assim, vistos de longe, por causa do seu aspecto elegante e mesmo, por vezes, delicado, porque, vistos mais de perto, uns são bonitos outros são feios. Depende do que transportam e de quem neles navega. Dos que eu gosto mais, são dos barcos...trabalhadores; que transportam carga útil e marinheiros para a cuidar deles e da sua carga. Dos navios grandes, que, actualmente, apenas servem para passear, não gosto muito. É preciso confessar que são bonitos. Brancos e com muitas janelinhas e até uma, ou mesmo duas, piscinas, mas, se reparares bem, parece que tudo aquilo é artificial pois mesmo os marinheiros, que deviam trabalhar, estão vestidos como para uma festa . Mas eu digo-te que lá em baixo, nos porões, nos sÃtios em que ninguém vê, há marujos que trabalham quase nus e escorrendo suor porque está lá um calor danado. Bonitos, bonitos, são os barcos de desporto porque neles tudo se vê e, também os pequenos barcos de pesca de que há agora muito poucos, aqui . E o cheiro? Não sentes como é bom e forte este odor a mar? É o cheiro das algas, é o cheiro dos peixes, é o cheiro do sal, é o cheiro dos homens, é o cheiro do mar. Mas sabes (?), isto agora, não é nada. Antigamente, há quatro, cinco e muitos mais séculos, é que era, é que foi. Aqui, ao lugar que hoje chamamos Lisboa, chegaram, pelo Tejo, os gregos e os cartagineses e até, quem sabe?, os egÃpcios e os cretenses que vinham para vender as suas bonitas coisas a este confim do mundo mas que por vezes tinham de lutar com os selvagens que aqui viviam. Muito antes de Cristo. E vieram os romanos que nos civilizaram; pelo menos se considerarmos civilização esta maneira de viver, como hoje vivemos. E muito mais tarde, aà pelos séculos 15 e 16 vieram os genoveses, os florentinos e os venezianos vender e comprar aqui, aos homens de Bruges, de Londres e de Antuérpia. E que magnÃficos e lindos navios que tinham os italianos. E do Tejo partiram, neste e nos dois séculos seguintes, os navegadores que foram buscar os temperos à Ãndia, os problemas à China e ao Japão, o ouro e os escravos à Ãfrica e as madeiras, o açúcar e também o ouro ao Brasil. E sempre, sempre os problemas...
Geraldes de Carvalho
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