gdec2001
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« em: Janeiro 31, 2014, 19:20:33 » |
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Vejamo-las então: Temos em primeiro lugar a Maria Inês e o seu engraçado marido e o seu filho. Como nós gostarÃamos que tudo continuasse assim!... Mas não. Por mais que tente, ela já não consegue achar graça à s piadas dele, sempre repetidas, e ele não consegue deixar de usá-las pois têm sempre êxito junto dos seus clientes. O sucesso profissional dele foi retumbante . Passou a gerente do estabelecimento de venda de automóveis e foi comprando acções na empresa de modo que é hoje o sócio maioritário. Apesar disso a sua vida empobreceu por falta de riqueza espiritual. A grande alteração deu-se quando faleceu a mãe. Acontecia-lhe então, contar algumas das suas pilhérias com ar sério, e mesmo triste, como se não soubesse o que estava a dizer. Enfronhou-se então na vida profissional, com o resultado já visto. A pretexto de que não tem tempo, não lê, não vai a qualquer espécie de espectáculos e mal vê televisão pois deita-se sempre muito cedo. A Maria Inês revolta-se com isto e procura arrastá-lo para outras actividades que não seja a de ganhar dinheiro. Ultimamente parece ter obtido alguns resultados. Ele aceitou ir ao cinema. Ela levou-o a ver “A Vida É Bela†e ele ficou espantado com o filme e mesmo com o cinema pois já quase esquecera como era. Ficou em especial maravilhado com o realismo e o envolvimento produzidos pela imagem, cheia de grandes planos e efeitos especiais e ela teve de lhe explicar que era um progresso moderno, acentuado pelo som. E ele não contou nenhuma piada a propósito! Grande também foi a transformação acontecida no LuÃs. Cresceu muito, por todo. É muito alto. Tem o nariz grosso e barba muito negra que lhe cobre a cara toda até as maçãs do rosto. Já ninguém poderá dizer que é bonito, mas é extremamente simpático e alegre. Ri-se ao menor pretexto como, antigamente, acontecia com a mãe. Tem vinte e quatro anos . Acabou agora o curso de engenharia mecânica e prepara-se para fazer o mestrado e depois, o doutorado com grande desilusão do pai que o empurrou para o curso para o meter no seu negócio. Ele é amigo do José e da Elsa. Esta gosta muito dele e já fez algumas tentativas de estreitar a relação, mas ele mostra-se desentendido brincando com ela, apenas como um bom companheiro, o que ela não entende pois, na verdade não está nada habituada a ser rejeitada. O Luiz e o José são muito diferentes. O José é delicado; embora também seja alto, é magro e tem umas feições perfeitÃssimas. Usa uma barba ligeira, loura, e parece sempre abstraÃdo daquilo que se passa à sua volta, excepto quando discute. Apesar disso está sempre muito atento, aprendendo tudo o que ouve e, como já conhecemos, sabendo muito mais do que aprende. Deixemos porém o José pois ele não é, nesta estória, uma figura secundária. Vejamos um pouco mais, sobre o Luiz: Sabe, soube sempre, que não é filho verdadeiro da Maria Inês e do Fernando Teles, mas gosta tanto deles que nem se lembra deste facto. E nada sente sobre o casal que sabe que morreu quando ele era pequeno. Não lhe passa sequer pela cabeça que não tem nem pai nem mãe. Alguns dos membros mais velhos da sua famÃlia de sangue procuraram-no e tentaram estreitar as suas relações com ele. Ele tratou-os com delicadeza, mas como pessoas estranhas, que na realidade eram e eles foram-se afastando pouco a pouco. Tem uma ideia muito determinada do que vai ser a sua vida futura. Quer ser professor universitário mas só depois de praticar alguns anos. Tenta montar, com três colegas amigos, um gabinete de consultoria técnica. Como quase que já disse, ele e o José dão-se muito bem. Na verdade pensam quase da mesma maneira apenas faltando ao José um pouco de rigor e ao LuÃs um pouco de sonho. Mas entendem-se perfeitamente. Falemos agora da Alexandra -a irmã do Mário, lembram-se ?- e dos seus dois filhos que se chamam, deixem lá ver, um Mário como o tio e outro Manuel. A Alexandra continua a não saber se o marido é vivo ou morto. Subitamente, começou a interessar-se muito por isso e pergunta a todas as pessoas que estiveram em Ãfrica, não lhe importando que tenha sido em Angola ou noutra qualquer parte, se viram o marido. Mas nunca recebeu qualquer informação. Parece que o homem se desfez no ar. Os filhos acabaram por saber que a mãe não sabe do pai. E já passaram por todas as fases de interesse e desinteresse. Já culparam a mãe e já a lamentaram mas a mãe diz sempre a mesma coisa, que não faz ideia da razão porque o marido a deixou. Só à Adélia contou ela há pouco tempo toda a verdade: Que nos primeiros anos do seu casamento era doida com o ciúme. Que ao menor pretexto se zangava com o marido acusando-o de todas as infidelidades. Que ao princÃpio ele ria-se mas depois começou a zangar-se mas ela não era capaz de acabar com as cenas que por vezes se prolongavam tanto que ela esquecia a razão porque as começara. Até que num certo dia se excedeu mesmo e, fora de si, lhe deu a entender que também ela não era fiel e que tinha dúvidas sobre se os filhos seriam dele. Foi então que ele desapareceu. Um dramalhão ... Ela apurou, através do serviço dele, que fora para Angola e o mais interessante - são palavras dela - é que soube que ele, afinal, tinha, de facto, uma outra mulher. Mas hoje não se admira. Com a vida que ela lhe dava...E tudo por gostar muito dele pois é claro, não tinha, nem nunca teve, outro homem. O que a desespera é não poder dizer-lhe toda a verdade, em especial que os filhos são efectivamente dele. DifÃcil foi a educação dos garotos. Depressa ela percebeu que tinha de fazer de pai e de mãe a algumas vezes se excedeu no papel do que ela julgava que seria o de pai ou seja educou-os com mais severidade do que amor. Ela, pelo menos, assim julga. Nada disso deu resultado, pensa ela, e acha que só se apercebeu disto muito tarde. Na verdade não é assim porque tendo sido tratados mais ou menos da mesma maneira, resultaram muito diferentes. O mais velho, o Mário, defendeu-se como pôde. Foi fraco aluno na escola secundária, tendo reprovado dois anos, mas desembaraçou-se melhor, no Instituto Superior de Agronomia, tendo terminado o curso há três anos com notas excelentes e está a trabalhar numa cooperativa no Alentejo. Ele e o José nunca se entenderam no mero campo das ideias. O José não entende aquele raciocÃnio matemático que se compraz com noções como a de números impossÃveis e até irracionais. O Mário não percebe que se desperdice inteligência com a discussão sobre a maior relevância da razão ou do instinto, na persecução dos objectivos humanos . Cada um age como é, ou melhor: é da maneira como age de modo que no fim resulta a harmonia, diz o Mário. Sim, como aconteceu na Jugoslávia, no Golfo Pérsico e numa enorme quantidade de outros lugares, ironiza o José. Também aÃ. Porque a harmonia de que eu falo é dialéctica, compreendes? E entretanto que se lixem os homens, as mulheres e as crianças. Eu não disse que o mundo era bom. Apenas que dos sinais contrários que nele achamos, resulta a harmonia. E se não é bom, não fui eu que o fiz tal como ele é. Mas também não fazes nada para transformá-lo...; nem percebo o que queres dizer com a tua harmonia que, pelos vistos, não é nenhuma virtude. AÃ, discordo. Faço o meu trabalho o melhor que posso e sei. Mas isso não chega, é preciso que lutemos no campo das ideias. Duvido que isso dê qualquer resultado. Viste o Buda, o Sócrates, o Cristo, o Maomé o Agostinho o Bacon e tantos outros e... o Hitler. E agora, não sei como hei de acabar esta conversa, digo eu, o escrevinhador - O melhor é deixá-la tal como está, sem vencido. Maiores problemas têm envolvido o Manuel. É um rapaz arrebatado mas que muda demasiadas vezes o objecto dos seus arrebatamentos. Ainda tinha treze anos quando saiu de casa pela primeira vez. Foi difÃcil encontrá-lo a mais difÃcil ainda convencê-lo a voltar para casa. A sua explicação era de que gostava muito da mãe e do irmão mas não podia viver com eles porque eles tinham uma vida muito miudinha. É um rapaz apaixonado, de extremos. E já esteve apaixonado por tudo quanto existe de bom e de mau ou o que, como tal, costumamos considerar. Amou a droga e esteve quase a morrer por ela... com ela. Amou as mulheres e teve complicações insolúveis, entre elas um filho a que perdeu o rasto. Dedicou-se à ginástica, à corrida, e aos desportos violentos, o rugby e o boxe. Foi bom em tudo mas nada o satisfez. Estuda anarquicamente. Já frequentou mil escolas e embora tenha sido sempre bom aluno, abandonou-as antes de tirar qualquer curso. Mas parece saber muito de tudo ...quanto lhe interessa. Actualmente vai pouco a casa e ninguém sabe, por muito tempo, aonde vive nem em que trabalha. Já foi visto a carregar sacos para um pequeno navio. A mãe já não se preocupa com isso. Ultimamente quer ir para padre, ou melhor para pastor, de uma seita que se diz “do terceiro dia†e de que nunca, ninguém, ouviu falar. Dedicou-se afincadamente a procurar o filho mas sem qualquer resultado por enquanto. A mãe desespera-se apenas porque é impossÃvel convencê-lo a mudar qualquer ideia que tenha, por mais absurda que pareça mas, até agora, nunca persistiu muito em nenhuma das ideias que tem, seja boa ou seja má segundo a nossa opinião. Quero dizer: Muda e muda muito de ideias mas apenas quando lhe dá na real gana. De maneira que a mãe não sabe com o que preocupar-se mais: Se com as ideias dele, se como facto de se alterarem com tanta facilidade. Dá-se muito bem com o José a quem, ultimamente, chama de “anjo†- imaginem! - , e que lhe acha muita graça. Mantêm ambos discussões acaloradas sobre temas que ninguém entende. Nem eles, diz o Mário. Tratamos portanto, das principais personagens secundárias, perdoem-me o aparente paradoxo. Voltemos por isso, à s principais e à s principais das principais ou seja ao José e à Elsa.
O nascimento do amor. O verdadeiro amor nasce devagarinho
Geraldes de Carvalho
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