gdec2001
|
|
« em: Fevereiro 23, 2014, 16:05:44 » |
|
Passados, porém, alguns momentos ela disse: Façamos um juramento: Jamais me interessarei por outro homem e tu jamais te interessarás por outra mulher. O que é que entendes por interessar-se(?), disse ele . Oh! Não. Voltamos a discutir? Sempre, sempre. Mas juro ... que jamais me interessarei por outra mulher. Então beija assim, os teus dedos. E com as mãos fechadas uma ao lado da outra, estendeu os indicadores, cruzou-os e beijou um e o outro . E ele repetiu-a, rindo muito. Oh! Com quem aprendeste isto? Vi na televisão. Mas apesar disso é para cumprir, ouviste. Sim, sim. Durante os próximos dias ele andou atarantado. Aquela revelação fora demasiado rápida para ele. Ela, porém andava tranquila e feliz. Há muito tempo que se capacitara de que haviam nascido um para o outro. E nem ela sabia que, enquanto o concebera, a mãe dele só pensava nela. E durante algum pouco tempo guardaram segredo. Não que tivessem qualquer receio da reacção dos pais dele e dela, mas porque entenderam que era um facto muito grande, demasiado grande para ser entendido por quem quer que fosse. Afinal era a vida deles, toda a sua vida. E da sua vida ninguém entendia nada senão eles. Era o que sentiam sem que, na realidade, pensassem nisto, nestes termos - mas não sei dizer melhor, o que se passava, efectivamente -. Porém, a determinada altura, ficaram mais atentos ao que se passava à sua volta. E repararam que havia muitos casais igualmente prendidos um ao outro. Que o seu caso não era, assim, nada original. E não ficaram tristes por isso. Antes satisfeitos, porque o fenómeno que os atravessava era, efectivamente um fenómeno humano e não especÃfico deles próprios, como o haviam sentido ao princÃpio - sem que, porém, tivessem pensado nisso, desta maneira porque, é claro que estavam fartos de saber que há uma determinada fase na vida em que geralmente, os homens e as mulheres se unem ligados, segundo geralmente julgam, por laços indissolúveis. Enfim saber sempre haviam sabido que é como é. Mas sentir...era outra coisa. Contaram então, cada um deles aos seus pais - ele primeiramente à sua mãe e ela, primeiro, ao seu pai - o que sentiam um pelo outro e todos se alegraram, principalmente a OlÃvia que viu então que a sua má acção acabara por ter um resultado bom; como muitas vezes acontece, sempre que não morre ninguém, pensou, porque a morte é o mal total... E querem ver que agora dei a pensar em verso!, continuou pensando -. E a Adélia disse para o Mário: Estava escrito... ainda que em linhas tortas. É mesmo, respondeu ele. O José e a Elsa não alteraram substancialmente o seu comportamento exterior, um em relação ao outro. Sabiam que a grande alteração se dera na maneira de se encararem mas que, cada um deles, tinha de cumprir os requisitos da sua própria existência, como seres humanos bem integrados no momento em que viviam. Tinham de se alimentar e de se vestir e de se conformar em tudo o resto, com os demais homens e mulheres que faziam a sua vida sem se distinguirem aparentemente, uns dos outros, mais do que pelas suas pequenas idiossincrasias. Que desta maneira, a grande alteração que se dera nas suas vidas era, pelos outros, encarada como um acontecimento normal, tal como eles próprios encaravam iguais transformações que aconteciam nas vidas daqueles que viviam à sua volta. Porém, quando se encontravam sozinhos tudo se modificava. Vivam com alegria, a verdadeira e falsa, mas inebriante, sensação de serem únicos. Estarem nus ou vestidos não interessava, senão pelo facto de melhor se acariciarem quando libertos dos revestimentos exteriores. E tudo lhes era permitido e de nada eram afastados pelas costumeiras razões morais porque as sabiam originárias de uma doutrina que odiava o prazer e, com isso, a vida - a única realidade, verdadeiramente sagrada, que conheciam. Nenhum deles tinha experiência do acto sexual, propriamente dito, o que ambos bem sabiam, pois muito haviam falado disso, quando se consideravam como irmãos. E continuaram assim, durante algum tempo. Verdadeiramente só se aperceberam do valor da alteração, quando ela, durante uma cópula que aconteceu, quase que por acaso, deu um grito de dor e de júbilo e depois - bastante depois - ambos desfaleceram de prazer. Mas por diversas razões, que nunca explicitaram, não se davam muito a esta forma de prazer. Talvez porque o achassem demasiado total e eles temessem embotá-lo, naquela idade. Talvez porque tivessem encontrado outras formas de usar o seus corpos para obter senão um prazer tão completo, pelo menos alguns, não menos refinados. Talvez, principalmente, com o medo de terem filhos e não lhes fazer nenhum jeito estarem a calcular quando podiam ou não podiam ter relações sexuais. Mas, verdadeiramente sexual, eram, agora, todas as suas relações, mesmo as discussões mais intelectualizadas. Tal como espiritual, era também tudo o que sentiam mesmo o entumecimento do membro viril e o arrebitar dos mamilos dela. Porque, na realidade tudo neles, era o mesmo, corpo e espÃrito, corpo e alma, corpo e intelecto, corpo e corpo, espÃrito e espÃrito, alma e alma, intelecto e intelecto. Como é assim com todos os jovens apaixonados. Isto digo-o eu, assim, porque sou escritor... vá lá. Mas eles nunca assim o pensaram porque não davam palavras aos seus sentimentos, parecendo-lhes que, com isso, os depreciariam. E tinham razão. Mas como é que há de um homem descrever os sentimentos, senão com palavras? Por isso eu tenho de utilizar palavras ainda que bastante ...esquerdas e, principalmente, insuficientes. Continuemos, pois : Nos primeiros dias depois daquela revelação, os nossos heróis, quando ficavam juntos e sozinhos, esqueciam-se, por vezes, de comer, de ir à s aulas ou de qualquer outra tarefa que tivessem de fazer mas, em breve, se capacitaram de que não podia ser assim. Tinham de adaptar estas novas relações com as suas antigas relações, com as suas antigas obrigações e até com os seus antigos prazeres, porque as suas novas relações não eram, evidentemente, uma forma de empobrecimentos das suas personalidades: antes, o contrário. Assim era que não gostavam menos dos seus pais e dos seus restantes parentes e amigos, nem haviam deixado de interessar-se por conhecer coisas novas, admirar as velhas e novas belezas e ocupar-se até dos entretenimentos simples que a vida lhes propiciava. Acrescia que não tinham ainda alcançado aquela relativa independência que se obtém quando se ganha o suficiente para viver. Assim ela dizia: Logo que esteja formada emprego-me e então poderemos viver sós, à nossa vontade. Sim; quando eu estiver também formado. Não sabia que agora eras machista. Sabes que não é por mim que falo mas pelos meus e pelos teus pais e pelas restantes pessoas das nossas relações, algumas das quais ficariam bastante escandalizadas se eu passasse a viver à tua custa. Tens toda a razão; não devemos escandalizar as pessoas de quem gostamos. Admiro-me como concordaste, com tanta facilidade. Eu concordo sempre que tens razão, é claro. Tu é que não. É para te fazer zangar. Bem sei, bem sei, querido tonto. Oh deuses! Lá está ela a concordar outra vez. Que fazer ? Aguentares-te, como desde que nos conhecemos. Lembras-te de me conheceres? É claro que não. Conheço-te desde sempre. Desde o inÃcio dos tempos. Tu és eu; eu sou tu. Pelo menos assim o espero. Sim, sim. Sim, sim . Não faças troça. Então, agora sou eu que não posso concordar contigo. Nunca, nunca... Deixemos, porém estas jovens personagens pois corremos o risco de nos tornarmos lamechas como elas, visto que estão apaixonadas e em tal estado todos somos lamechas ou românticos, que é apenas uma forma de dizer a mesma coisa, tendo bem em atenção que não é apenas por uma mulher que podemos estar apaixonados mas sim por qualquer objecto que se possa transformar numa ideia porque a paixão é o amor por uma ideia. Por isso é que a paixão é tão absurda - digamos assim, sem medo das ideias, que gostam é claro, de ser amadas - visto que o amor exige a posse...fÃsica e, é evidente, não se pode possuir fisicamente uma ideia. É claro que as nossas personagens não estão apenas apaixonadas, amam-se também, embora se contenham...bastante. Voltaremos pois a elas quando puderem esquecer, um pouco, a sua paixão. Mantemo-nos porém, na observação de algumas das personagens principais.
Geraldes de Carvalho
|