gdec2001
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« em: Março 01, 2014, 22:30:42 » |
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Mantemo-nos porém, na observação de algumas das personagens principais.
Para conhecer os filhos temos de conhecer os pais Vejamos os pais do José. A mãe do Mário, que se chamava Maria José, morreu. Vivia lá, no Alentejo, viúva há alguns anos, num enorme monte que tinha uma muito boa casa . Só depois de ficar viúva é que começou a dar-se melhor com o filho com quem ficara muito zangada quando ele abandonou os estudos e se tornou motorista. A morte da mãe chocou muito o Mário, para grande surpresa dele que se julgava ofendido por ela ter estado vários anos, sem mesmo lhe falar. Na verdade passou mesmo a ter pesadelos em que, sendo ele uma criança, ela lhe aparecia em contextos eróticos que, quase sempre, o faziam acordar com o coração palpitante de angústia. Aquilo que sonhava era tão horrÃvel que não se atreveria a contá-lo a ninguém e fazia por esquecê-lo muito rapidamente o que conseguia com facilidade. Alguns dias depois restavam-lhe apenas vagas reminiscências mas depois o pesadelo repetia-se. Pouco a pouco foi-se, porém, transformando num sonho em que a mãe o tratava com ternura, coisa de que ele mal se lembrava que tivesse acontecido na realidade . Sempre que o Mário, a Adélia e o José iam à aldeia da naturalidade dele, ainda em vida do Sr. José Bernardo, o pai do Mário, tinham de hospedar-se num hotel em Beja e, por vezes, apenas viam o velho pai, o qual aceitara com naturalidade a mudança de vida do Mário. Mas quando o pai morreu a mãe mudou de comportamento como se a culpa da sua animosidade em relação ao filho fosse do marido. O Mário, porém, ofendido como estava, não encorajou a reconciliação. Falava-lhe, é certo, mas nunca mais a visitou. Ela parecia não notar isso. Aparecia em Lisboa com frequência e criticava o facto de eles viverem numa casa pequena onde "ela mal cabia" embora tivesse ali um quarto só para si. Quando nasceu o José, rendeu-se-lhe e nunca suspeitou sequer que não era verdadeira avó dele. Cumulava-o de brinquedos e guloseimas mas para o filho e para a nora nunca trazia nada o que o Mário nem notava pois bem sabia que já passara, há muito, o tempo em que seria natural receber presentes dos seus pais. Era uma mulher enérgica e activa e, mesmo quando o marido era vivo, era ela quem dirigia a propriedade. O Mário ficou espantado com o dinheiro que ela acumulou. A Alexandra sempre manteve com os pais uma relação normal, mas em vida, pouco mais recebera deles do que o Mário. O Mário e a Alexandra dividiram entre eles o dinheiro deixado pela mãe e puseram a herdade à venda pois nenhum deles quis ficar a dirigi-la e também não quiseram vende-la a nenhum dos oportunistas que então se apresentaram para comprá-la a preço degradado. O Mário manifestou alguma relutância em receber alguma coisa dos pais ainda que, na realidade, a propriedade viera à posse deles por herança paterna, quero dizer, dos avós paternos, mas foi a própria Alexandra quem lhe disse que não fosse tolo, pois que não tivera nenhuma culpa do desaguisado que houvera entre ele e a mãe. A Alexandra deixou, imediatamente, de trabalhar ainda que tivesse ficado a receber apenas, uma pequena pensão de reforma. O Mário e a Adélia não modificaram aparentemente a sua vida por causa da herança mas por essa mesma altura, ainda que por diferentes razões, a sua vida mútua, digamos assim, enriqueceu-se extraordinariamente. Na realidade estivera um tanto limitada pelos interesses que o Mário tinha fora de casa e, também pela ocupação da Adélia com os cuidados com o José. É certo que esta ocupação já desaparecera há bastante tempo porque o José tornara-se desde cedo, um miúdo bastante capaz de ser independente ainda que gostasse de estar - mas apenas sentimentalmente, digamos assim - debaixo das saias da mãe. Na verdade fora a mãe quem, lutando contra a sua tendência de não o deixar crescer, decretara a sua independência porque o sentia capaz de enfrentar a vida. Mas persistiu ainda, durante uns anos, a ligação do Mário à Maria Dulce, ligação essa que a Elsa desconhecia porque, na verdade, não queria saber pois bem sentia que a vida que o Mário pudesse ter fora de casa não punha a do lar em risco. E, também, quem era ela para se zangar ?... Desde porém que o Mário deixou de se encontrar com a M. Dulce, pouco a pouco, passou a ficar mais tempo em casa, onde arranjou um pequeno escritório e passou ali a trabalhar. É que só precisa de estar no lugar do serviço cerca de duas horas por dia. A Adélia fica maravilhada pois muitas vezes sai de casa e deixa lá o Mário e quando volta lá o encontra. Os cabelos dele estão menos abundantes do que antigamente e quase todos brancos, o que na opinião das mulheres lhe fica muito bem. A Adélia engordou um pouco e, como não é alta, fica, agora, menos esbelta, mas ainda tão bonita como sempre. Continua a trabalhar na mesma fábrica e embora seja muito respeitada, não trepou tanto como merecia, na sua profissão, porque o lugar da chefia do escritório está ocupado por uma nora do antigo dono, agora mulher do novo. É que o Sr. Esteves morreu subitamente, ao que consta com um enfarto no coração. O novo dono, também Esteves, filho do antigo patrão, é muito diferente dele. Respeita, rigorosamente, as leis do trabalho mas trata todos os trabalhadores de uma maneira indiferente e mesmo fria, olhando-os como se eles não tivessem rosto. De maneira que o descontentamento dos trabalhadores é generalizado mas não há maneira de o manifestarem porque na realidade o patrão não lhes dá verdadeiros motivos. Nem eles sabem, verdadeiramente, porque não gostam dele. A Adélia pensa algumas vezes em reformar-se mas ainda lhe faltam quase dez anos para perfazer o tempo necessário. Às vezes censura-se por ter aquela ideia porque não ganha nada mal e também não tem demasiado trabalho e por outro lado em casa também já não tem muito que fazer agora que o José está criado. Mas gosta tanto de devanear... Ela e o Mário dão longos passeios nos Sábados e nos Domingos.
Geraldes de Carvalho
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