gdec2001
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« em: Março 21, 2014, 20:25:57 » |
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O casamento é o fim de um outro princÃpio .Ou era... Foi uma cerimónia um tanto complicada porque, na verdade, eles não foram à própria repartição do registo. Foi ela que veio a casa deles, ou melhor, a casa dos pais dela, onde a cerimónia teve lugar. A Elsa convidou toda a gente que conhece e de que gosta. Só então reparou que era tanta . Ela investigou e conseguiu encontrar até o Manuel, o indisciplinado primo do José. Ele apresentou-se muito bem vestido com um fato de corte moderno, branco, completamente branco. Disse que estava a escrever um livro defendendo uma espécie de panteÃsmo global, como regra de vida "pois que tudo é deus, até a merda" e, virando-se para o José, afirmou que sempre soubera que os anjos se casavam quando chegava a altura. Reuniu um grupo de jovens - e não só - à sua volta, a quem confessou que cometera muitas loucuras procurando a liberdade mas que agora entendia que ela sempre estivera presente, escondida dentro dele e ninguém podia tirar-lha. Coisas que todos sabemos mas que ouvidas da sua boca parecem estranhas novidades. Calou-se então, durante bastante tempo mas, como continuava a ser seguido por alguns dos circunstantes, virou-se para eles e entre alegre e zangado mandou-os à merda, "ou melhor à fava pois merda já disse uma vez e chega", esclarecendo que nem ele era nenhum Cristo nem eles seriam nenhuns discÃpulos mas pessoas equilibradas e inteligentes como se depreendia do facto de serem amigos do José ou da Elsa. E todos se riram, pois ninguém era capaz de se zangar com ele. O Moisés, um rapaz alto, esquelético e calado porque bastante tÃmido, perguntava a si próprio qual a causa da atracção que aquele homem exercia sobre ele ora supondo que o seguira porque se divertia com o que ele dizia, ora porque o olhar dele o perturbava tanto que nem queria confessar a si próprio o quanto. O Mário, irmão do Manuel acha tudo aquilo uma tontice ou, na melhor das hipóteses, um desperdÃcio de inteligência. No entanto quando o Manuel chegou, abraçou-o com ternura pois já o não via há bastante tempo. A Alexandra disse ao filho com o seu ar seco: Então, já não sabes onde fica a tua casa? Ele respondeu com um riso alegre e deu-lhe um beijo bastante repenicado o que a amoleceu. Precisava de confessar que aquele rapaz bastante maluco, se tornara muito belo, pensou ela. Era parecidÃssimo com o pai, um homem que ela desperdiçara, estupidamente...Devia gostar mais do Mário, um rapaz sensato bem casado há quase quatro anos e que já lhe dera uma netinha bem bonita, mas, ... gosta de ambos embora de uma maneira muito diferente. Na verdade não confessa, nem a si própria, a sua predilecção por "aquele maluco". O Luis apareceu trazendo o seu carão feio e sorridente, extremamente simpático e parecendo quase ingénuo. Não se diz que seja um homem com tanto sucesso como na verdade tem. Consegue rir-se mesmo com as graças do pai que na opinião da mãe se tornaram esgares como as caretas com que as acentua. A Adélia repreende mansamente a Inês por causa da incompreensão desta em relação ao marido de cujas graças tanto gostara. A Inês diz que ela tem toda a razão mas não consegue deixar de se irritar ao ouvir a mesma história pela milésima primeira vez. O Fernando que continua a gostar muito da mulher, esforça-se por não abrir a boca na presença dela mas, de vez em quando, esquece-se. A Inês anda um tanto irritadiça porque deixou de trabalhar e a criada também a não deixa fazer nada de tal maneira que já esteve quase para a despedir por causa disso. É uma maçada, ter dinheiro, conclui. Vieram ao casamento extremamente bem vestidos mas de uma maneira muito formal. Os dois homens não se preocupam muito com isso e a Maria Inês impôs o seu modelo. A OlÃvia vestiu-se sumptuosamente, ainda que com razoável bom gosto. Ora parece muito alegre ora se ausenta parecendo nem estar presente. A Adélia também lhe acudiu pois sabe bem a causa de tais ausências. O Duarte, cheio de contentamento e orgulho, bebeu um pouco de mais e brincou com os mais novos como se fosse um deles. Não parecia, naquela hora, ser o esforçado e sisudo industrial que lutara pela riqueza com tanto êxito. A Adélia e o Mário respiram, agora, uma felicidade tranquila. Ao Mário já quase não lhe passam pela cabeça os antigos tormentos. Olha o José e sente-o como verdadeiramente seu filho porque afinal foi ele quem o alimentou e o vestiu, quem lhe ensinou as primeiras letras e quem ouviu as suas primeiras confidências de homem. Quem lhe vigiou os sonos, geralmente tranquilos mas por vezes um tanto perturbados. Coisas de crianças... A Adélia mistura com a sua felicidade, uma certa nostalgia pois sabe que deixou de ser a primeira pessoa, nos pensamentos do filho. Consola-se porém porque também ama muito a sua vencedora, aquela querida Elsa que já estivera para ser, também, sua filha e agora voltava a sê-lo, segundo o entendimento comum. Não que ela a ame mais, por isso... O José e a Elsa começaram o seu casamento despreocupados, como coisa que nem era deles mas principalmente do pai da Elsa. Estão felizes como ontem e nos dias anteriores, desde que vivem juntos. Vestiram-se lindos como agora é seu hábito ; ligeiramente antiquados , assim a lembrarem, moderadamente, um par dos fins do século 18 ; românticos mas, também, um pouquinho barrocos. Mas à medida que a festa se desenvolveu foram contagiados pela alegria geral.
Geraldes de Carvalho
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