Mãe, vem apagar as velas comigo

[Maria Gabriela de Sá]

Hoje estou apta a fazer um poema
nem sei de quê.
Do sol que não brilha
da chuva que cai
no meio do meu nada
sem lhe modificar a substância.
Cinzento, foi como o céu se me pintou
para me acolher em sintonia de tons
onde apenas refulgem umas unhas
pintadas de vermelho sangue
nas mãos intermediárias das minhas ideias mais profundas.
Talvez faça um poema sobre o silêncio
que não ouso rasgar
para não perturbar o carrossel das vozes interiores que me preenchem.
Falam-me das revoltas do passado neste dia,
do aniversário da minha mãe
que já cá não está há muito para contar primaveras.
Parabéns, mãe, obrigada pelo meu nascimento.
E talvez consiga ainda dizer coisas banais
de mim
das palavras que escrevo em livros
que nunca estarão no escaparate de uma livraria
escritos para leitores inexistentes
na ficção dos meus sonhos mais loucos.
Sim mãe, tu sabes o meu nome, chamaste-o tantas vezes
possivelmente, dirás aos teus amigos que a tua filha é uma “Escritora” sem oportunidades
um rosto que não nasceu para capa de revista
ou ecrã de televisão
uma cara que não vende, um nome anónimo e sem peso
nem na literatura cor-de-rosa, nem na escrita a metro, nem em lado nenhum
um nome que não nasceu para ser citado nas revistas da especialidade
e sem especialidade alguma para ser, sequer, citado em alguma revista.
Sim, mãe, contenta-ta em imaginar os meus livros no escaparate de uma livraria,
comigo dentro nas palavras escritas
ao lado de quem vende e às vezes se vende
só par aparecer na televisão
na capa de uma revista ou de um jornal que
ao fim do dia
não passa de papel velho.
Obrigada mãe, estou quase a fazer anos. Vem apagar as velas comigo.

Aveiro, 31 de Janeiro de 2014

Maria Gabriela de Sá

[Conceição Constantino]

Apta a escrever um belo poema. Gostei

[Maria Gabriela de Sá]

Obrigada, já viu que eu li ao vivo e a cores um poema seu?


Abraço