britoribeiro
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« em: Dezembro 23, 2014, 11:31:33 » |
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É o dia de fazer o presépio, a mãe tivera o cuidado de retirar da arrecadação na noite anterior, uma caixa de papelão selada com cordão pardo e desfiado, onde se guardam as figuras de barro, pintadas de cores garridas, que irão representar o nascimento de Jesus, lá estava o Menino, o S. José, o burrinho e os outros, que fazem parte de tal grupo, aconchegados em folhas de jornal para não se quebrarem. Desta vez nem foi preciso chamar o Pedro e a Joana, que apesar de estarem de férias acordaram cedo, sonharam durante a noite com os Reis Magos, perdidos à procura da estrela brilhante que os havia de guiar na demanda do recém-nascido, Mãe, vamos começar, perguntam impacientes, Calma, calma, ainda tenho coisas para fazer e depois temos de ir colher musgo, Ohhh… nós vamos apanhar o musgo, oferece-se o Pedro, sei onde há tapetes fofos de musgo, muito verde. Isso mesmo, por trás da nascente da Torre, nós vamos lá num instante, enquanto tu arrumas a casa, clama a Joana correndo à procura de uma cesta para transporte do musgo. O tempo está frio, o sol escondido atrás do espesso manto de nuvens cinzentas, que cobrem a aldeia encavalitada na Serra d’Arga. Vivem numa casa pintada de branco, na frente o poço, o espigueiro e a eira, nada de jardim que o terreno é curto, nas traseiras um grande telheiro, onde se abrigam os animais e se guardam as alfaias agrÃcolas, Sobem o monte pelo carreiro Ãngreme, ladeado de pinheiros e giestas despidas, sem flor, Conhecem bem aquele lugar, palco de brincadeiras dos garotos, Cada vez são menos, até os da casa do Regueiro foram para França com os pais, agora só regressariam nas férias do verão. Os dois irmãos atalham pelo meio dos pinheiros, ouve-se o murmúrio da água a cair, quando contornam o rochedo de forma caprichosa, escondendo a pequena bica que brota por entre as rochas salpicadas de lÃquenes, Vamos, é ali em cima, arqueja a Joana, encarnada pelo esforço da subida. O manto de musgo esconde os pés a quem o pisa, fresco, verde, muito macio, como as nuvens que atravessam os céus, até apetece rebolar sobre ele, No entanto, eles sabem que ficariam encharcados se fizessem tal disparate, as crianças das aldeias sabem sempre mais dessas coisas. Depois de retirarem as agulhas caÃdas dos pinheiros, desprendem o musgo em placas que depositam suavemente na cesta, Com cuidado, diz o Pedro que não quer ver o musgo a desfazer-se em mil fios soltos, Tão entretidos estão que só reparam nele quando está a meia dúzia de passos, é um rapaz magro, cabelo negro assim como os olhos, veste umas calças de ganga coçadas e uma camisola grossa de lã, sorri timidamente para eles e o seu aspecto não tinha nada de ameaçador, Olá, porque estão a arrancar as ervas, pergunta o desconhecido, Não são ervas, informa o Pedro erguendo-se, É musgo e serve para enfeitar o presépio, e tu quem és, Não sou daqui, vou a caminho de casa para celebrar o Natal, Então vais fazer um presépio como o nosso, Humm… acho que não, de onde venho não há esse costume, sabeis que o Natal festeja o nascimento do filho de Deus e representa, acima de tudo, o espÃrito de dádiva e partilha entre os homens, é assim que nós o festejamos, Não percebo, diz a Joana olhando para o irmão que abana a cabeça numa negativa. Eu explico-vos, o Natal não serve apenas para gozarem férias, receberam prendas, fazerem presépios maravilhosos ou comerem muitos bolos e rabanadas, o verdadeiro espÃrito de Natal é a entreajuda, a compaixão, a vontade de ajudar o próximo. Mas nós ajudamos os pais, reclamam os irmãos, É um bom princÃpio, mas tem de ajudar outras pessoas, todos aqueles que precisam, na escola, os vizinhos, as pessoas de idade… Ahh, Já tenho feito recados para o senhor Tobias e para o senhor Casimiro, Eu também, eu também, exclama a Joana, ainda na semana passada apanhei amoras para a Teresa e fui à mercearia buscar as compras da D. Matilde, coitadinha mal pode andar. É isso mesmo, deixem-me ajudar-vos a apanhar o musgo e depois vou embora, ainda tenho muito caminho pela frente, Quando chegarmos a casa almoças connosco, convidam as crianças, Ainda é muito cedo para almoçar, mas acompanho-vos a casa com todo o gosto. O Pedro e o rapaz desconhecido pegam na cesta, um de cada lado, a Joana corta um pequeno galho de sobreiro para cobrir a manjedoura onde o Menino estará deitado, Tagarelam enquanto descem e escorregam pelas lajes húmidas do caminho, até avistar a casa branca com a chaminé a lançar no ar pequenas nuvens de fumo que rapidamente se desvanecem, das traseiras escuta-se o cacarejar monótono das galinhas e o grasnar dos patos, O novo amigo do Pedro e da Joana aceita um copo de leite e um pão de trigo caseiro, despede-se afastando-se caminho abaixo de mãos nos bolsos assobiando alegremente. Afinal quem é esse rapaz, pergunta a mãe, Isso não sabemos, mas acho que nos explicou o Natal de outra forma… falou-nos que era preciso ajudar quem precisa, sermos solidários, Muito sensato, aprova a mãe, Há uma coisa que não percebi, mãe; quando nos despedimos, disse que iria velar por nós e recomendar-nos ao Pai…
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