PRIVATIZEM; EDITAL DO REI CAPITAL

[Figas de Saint Pierre de]

PRIVATIZEM
O Mundo está mal, em muito mau estado, e é natural que, para o melhorar,
 (dizem) queiram que tudo passe a privado, por isso, eis aqui o:  

EDITAL DO REI CAPITAL
Privatizem governos, igrejas, esmolas, as orações, e, nas calmas, almas, homilias, e, por que não, chás de tílias?                Privatizem caca forte e caca fraca.

Privatizem tudo quanto se veja; a mosca e a vareja!
Privatizem pães, moletes, vidas, mortes, transportes aos cemitérios,
de fracos e de fortes ao som dos trompetes!
Privatizem praias, calções, saias, rios, ares, ventos, velas, pavios, navios, alegrias e lamentos!

Privatizem galinhas, francesinhas, sol, sombra, quem de pé e quem tomba.
Privatizem a mulher do próximo,  a do longe e ado muito longe!  
Privatizem crianças, suas caganças, as finanças, as heranças, a segurança  nacional, a social, a internacional, pais, filhos, sarilhos, jornais, liberdade do ar  e tudo que respirar.

Privatizem burros, camelos, cavalos e todo o gado do Estado.
Privatizem o urinar, o obrar, os milhões, as prisões, o burlar e os burlões.
Privatizem a coragem, o medo, os deputados e do putedo!
Não deem baldas.
Privatizem florestas. Não dêem baldas.
Privatizem os caralhos das Caldas.

Privatizem quem vestido,
quem nu,
quem bonito e quem com cara de cu!

Privatizem leis contra o privado.
Privatizem presidentes,
imperadores, decretos-leis, institutos, prostitutos, homens sãos e loucos.

Privatizem manicómios,
currais, clínicas, hospitais. Tudo o que geme e até o INEM.  
Privatizem tudo.    
Privatizem a alegria,
a tristeza, a lástima e,
para não ficar de fora,
privatizem Fátima.

Privatizem o sorriso, a chuva miudinha, granizo e juízo.
Privatizem a hipocrisia e a poesia. Tudo é dinheiro!
Privatizem o país. Privatizem o mundo inteiro e quem é feliz.
Privatizem impostos, impostores, engenheiros e doutores.
Tudo é economia!  Tudo são números!  

O dinheiro!
O dinheiro, sempre, em  primeiro!

Privatizem tudo,
porque, depois de tudo privatizado
nenhum país nem ninguém governado será.    Cada um se governará!  
É pró qu’está!    

Privatizem cada país.  O mundo ficará feliz….. em paz!!!!!
Um regalo! Mas, depois, pás,  pás, pás!  
Todo o mundo ao estalo,
mas em privado!

PRIVATIZEM-SE
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Figas de Saint Pierre de Lá-Buraque
Silvino Taveira Machado Figueiredo (de Vilhena)
Gondomar

Nota: Tenho bem a consciência de que este texto (dentro dos cânones (o que são cânones? Nascem ou são feitos?) clássicos pode não ser considerada poesia. Para mim, que se lixem as formas. Privilegio o conteúdo. Para mim é mais importante a comida, seu paladar do que a beleza dum prato vazio! Este texto, e outros, originaram que eu fosse escolhido para representar Braga, na final do Poetry Slam, a realizar, em Setembro, em Lisboa, com mais dez cidades. Não gosto muito de palmas, mas sim de reflexões, neste caso literárias, do que se passa na sociedade! Sociedade ou singularidade?