gdec2001
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« em: Setembro 25, 2018, 18:52:21 » |
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Do meu amigo Edlison Pantoja grande escritor brasileiro -no meu entender- um bocadinho do seu romance "A PEDRA DE BABEL "
"A IMAGEM DE ADELEINE
A imagem do santo, mesmo após o vento lhe apagar as pegadas, permanece em minhas retinas. Abertos ou fechados, meus olhos o vêem chegar, permanecer e, afinal, partir. Vêem-lhe os passos frágeis, a capa a esvoaçar sob o vento. É como torna a mim para, outra vez e sempre, tocar na saudade de Adeleine. A ignorada Adeleine. Fantasma a assustar-me dentro de minha solidão. Que natureza lhe atribuir senão a de espectro tremulante, como são todos os espectros do deserto? Quando, em meus tempos de mar, conheci Adeleine, eu, que jamais pisara a terra antes deste deserto imensurável tragar meu oceano e, por fim, devorar-me o altaneiro barco? No entanto, Adeleine, a aparição súbita, é agora o que mais se demora em meu espÃrito. A ele cravou-se como as centopéias do deserto ao crânio adormecido. Sonho com ela e, quando acordado, os cotovelos apoiados em minha vigia, perscruto a distância em busca de seu vulto. A aparição mais Ãnfima me aliviaria. E no entanto... Mas o deserto é assim mesmo, cheio de ausências. E a maior delas, que o cobre por inteiro, é a de Adeleine... E isso me traz outra vez o peregrino. Pobre santo... encontrará algum dia o que saiu a procurar? Busca um sinal nos céus para santificar-se e não se percebe já santificado na procura. Uma santidade teimosa a brotar-lhe de si mesmo. De sua procura e da ausência absoluta do sinal além. Houve um tempo em que o além habitava o deserto e o santificava. Mas o mar secou e, com ele, toda a possibilidade do além. Pobre santo! Não o quis – nem poderia – dizer-lhe. Mas o além, tal como Adeleine, é uma ausência a doer dentro do vazio. Ora, mas por que Adeleine chega a mim como uma dor? Sim, é na forma de uma dor que aprendeu a vir. Uma dor jamais sentida... Ou simplesmente apagada, um efeito do vento, como se deu com as pegadas do peregrino? Uma dor que cresce em mim enquanto também crescem as corcovas... E agora penso se minhas corcovas não são, cada uma por sua vez, a dor de duas ausências: a dor de Adeleine e a dor do mar. Deste último não esqueço. Como poderia? Mas, e Adeleine? Adeleine é puro esquecimento. Camadas sobre camadas do mais cristalino vazio. Um esquecimento para nunca mais? E, contudo, a vejo! Sim, todos os dias eu a vejo e a ouço em representações. É quando o vento, de quem aprendi a decifrar as vozes - na verdade, mais que isso: com quem aprendi a falar, a pinta nos céus para mim. Adeleine me surge como um sinal nos céus. Como o além que jamais procurei, mas que, com todas as forças, desejo. Durante as tempestades de areia, corro para o mais alto do farol e, ali, aonde a tempestade não chega, ponho-me a contemplar Adeleine. E a vejo, a mais bela odalisca, a dançar. Apenas para mim é que dança. E sorri. E balança os quadris. E faz mimos. Então sinto meu coração arder, um fogo de labaredas poderosas, como o fogo da grande noite. E ponho-me a dançar com Adeleine a música mais suave... E lhe sussurro ao ouvido o meu mais Ãntimo segredo. Ébrio de amor, vejo em lindo palácio uma alcova a nos aguardar... Oh! Por que dar ouvidos a uma raposa do deserto? E a um santo sumamente confiável? E agora, os olhos a perscrutarem distâncias imensuráveis, suspeito se ambos, a raposa e o santo, não eram, na verdade, simples poeira que o vento, nalgum momento de ira ou suprema alegria, ergue ante meus olhos sedentos. Meras tempestades de areia: simples imagens, como a da bela e ignorada Adeleine, dor jamais sentida e, nem por isso, isenta de doer."
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