Antonio
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« em: Abril 26, 2008, 13:47:00 » |
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A viagem do casal, desde uma zona comercial no centro da cidade onde se situava a agência de viagens até à sua vivenda na periferia, demorou cerca de quinze minutos. Nas cidades pequenas os pormenores do quotidiano são menos desgastantes do que nas grandes urbes. O Jaime Campelo era um self made man. Com quarenta e cinco anos, baixo, feio, coxo e antipático, mas rico porque sempre lutou muito na vida e também muito aldrabou para bem por ela trepar. Saiu-lhe há poucos anos a lotaria o que veio dar mais uma ajuda no seu gosto por se gabar e menorizar os outros. Está casado há dez anos com a Zulmira Moreira, agora Campelo, mais nova três anos, e também ela baixa, gorda e feia. Como a empregada interna, a Eulália. E nem o puto Tiago, com seis anos, escapava: também tinha uma carranca pouco agradável de ver, o pobre rapaz. Chegado a casa buzinou e, quando a criada apareceu a uma janela, fez-lhe sinal para ir ter à garagem. Mal tinha estacionado disparou na direcção da atarantada funcionária doméstica: - Então o meu filho ainda não apareceu? - Não, senhor Campelo! – e choramingava, mostrando a sua dor. - Eu vou à escola! – decidiu o chefe. Mas lembrando-se que acabara de estacionar o automóvel, vociferou: - Porra! Arrumei o carro. Agora vou a pé! A mulher disse: - Olha! É melhor levar o carro porque se o miúdo não estiver lá depois podemos ir perguntar à vizinhança se alguém o viu. Ele estacou e respondeu: - Boa ideia! E depois vamos à polÃcia. E voltou a entrar no BMW topo de gama prateado no que foi imitado pela esposa. E a Eulália ficou a vê-los sair e os portões automáticos a fecharem-se, com uma cara de pasmada. Na escola só estavam duas professoras retardatárias que nada sabiam do Tiago nem do seu eclipse. - Não se preocupem que ele aparece! – quis consolar uma delas. - Isso diz a senhora porque não é seu filho! – ripostou o Campelo. E noutro tom: - Eu acho tudo muito estranho. Se estivesse bom tempo...mas a chover assim... - Então sugiro o seguinte! – disse a outra professora que tinha um ar mais simpático – Se amanhã o Tiago ainda não tiver aparecido peço-lhes para nos avisarem a fim de nós interrogarmos as crianças. - Está bem! Agora vou procurar para outros lados. E saiu. - Boa noite e muito obrigado! – disse a Zulmira que tinha modos menos grosseiros. E seguiu o marido. Começaram pelas casas mais ao fundo da rua onde habitavam. Bateram à porta de três que sabiam estar já ocupadas e perguntaram se tinham visto o filho, exibindo ao mesmo tempo uma fotografia que o pai do rapazito tinha na carteira. Depois bateram na do vizinho António Morais que vivia na casa mesmo ao lado da deles. Era um bancário reformado e amante de literatura e filmes policiais, com cinquenta e cinco anos, estatura mediana e cabelo grisalho sempre bem penteado com risca ao lado, usava óculos e era divorciado mas sem filhos. Vivia com a Anabela Leitão, mais nova três anos, cabeleireira, agora também proprietária do salão, morena e muito exuberante na maquilhagem e modo de vestir e com o filho do primeiro casamento desta, o Rui Manuel Peres, um rapaz com vinte e um anos, bonitão, preguiçoso, narcisista, bon vivant e irresponsável. Atendeu-os o Morais que, posto ao corrente do assunto, se prontificou logo a ajudar na procura do Tiago que disse não ter visto. O Jaime agradeceu: - Obrigado Morais! Eu sei que posso contar consigo. De momento pedia-lhe que fosse olhando para a minha casa e para a rua a fim de detectar alguma movimentação estranha. - Estarei atento, descanse! Depois foram para a rua da escola. Quando eram oito e meia da noite: - Ó homem! É melhor irmos a casa, telefonarmos para os hospitais, comermos qualquer coisa e depois vamos à polÃcia. Mas eis que tocou o telemóvel do muito preocupado homem. - Estou!...És tu, Eurico?...Diz!...Uma carta no chão junto à porta? Já vou para aÃ! Desligou e voou até casa. Estacionou atrás do carro do meio-irmão e correu para a porta que já estava aberta, seguido pela mulher. - Ora mostra lá a carta! - Usa luvas por causa das impressões digitais – aconselhou o também empregado. - E tu usaste? - Eu não, porque não sabia o que era. Mas não convém deixar nela as impressões de muita gente. - Ó mulher! Traz-me umas luvas! Pouco depois o Jaime abriu o envelope que só tinha as palavras “Quer o Tiago?†escritas com letras recortadas de jornais e nele coladas, e leu o texto fabricado do mesmo modo que estava na folha de papel retirada do seu interior: “Prepare uma mala com 250.000 euros em notas de 100, 200 e 500 euros até 5ª feira e aguarde instruções nesse diaâ€. Ficou petrificado. Só passados uns instantes conseguiu ler o papel em voz alta, mas embargada. - Hoje é segunda, não é? Três dias! – falou o irmão, quebrando um silêncio que só era perturbado pelo choro das mulheres. - Dois dias e meio! Acho que vou pagar. Mas antes vamos à GNR – decidiu o Jaime. - Anda comigo! – ordenou ao irmão E abalaram, deixando as mulheres lavadas em lágrimas. - E achas que pagar é a melhor solução? – perguntou o Eurico Pereira já com a viatura a circular. - Acho que sim! Primeiro que tudo quero recuperar o meu filho. Depois a polÃcia tratará de apanhar o sacana. Ou sacanas – explicou o pai do puto desaparecido. - Não está mal pensado, não senhor! – comentou o outro. Chegados ao posto da GNR participaram a ocorrência mas logo perceberam que dali não surgiria grande empenhamento. - Vocês vão comunicar à Judiciária, não vão? - Sim! Daqui a quarenta e oito horas para dar tempo a que o miúdo apareça, pois pode ter-se escondido na brincadeira com outros ou estar em casa de amigos. É muito vulgar – explicou o chefe do posto, o Carneiro, um homenzarrão. - Na brincadeira parecem estar vocês! – disse baixo o Jaime enquanto o irmão lhe dava uma cotovelada. - Ah! E fiquem a saber que eu vou pagar o resgate para reaver o meu filho e depois quero que, ou vocês ou a PJ ou seja lá quem for, apanhem os meliantes e o dinheiro. E saiu.
(escrito em 13 de Outubro de 2007)
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