Eras tu a permear a praça, num descalabro transeunte de pantufas arrumadas numa prateleira, de ‘All Stars’ truncadas, floridas, afligidas pelo preço da ribalta mercantil. Numa heterodoxia extenuante. Os teus cabelos eram leguminosos, loiros, fulgentes, a transluzirem a candeia de luz tÃpica do pôr-do-sol, nos esgotantes fins de tarde de Verão, nos momentos em que o tractor arrasta a carroça da palha e o pasto se funde com a morte do Sol, numa imagem conturbada que mistura o bulir do prado no espÃrito da ventosidade e a poeira branda que arvora e rodopia em torno da pastagem grisalha, sulcando a radiação, lubrificando os milhões de neutrinos, as partÃculas fantasma, que já deslizam no vácuo num esgar de surfista conatural. E esta imagem de rotina campestre carimbada nas barras das máquinas descartáveis dos postais vendidos aqui e acolá nunca te deste ao serviço de encalacrar.
Imagina-te, nesta exacta circunstância, a engelhar a cara num Hotel de Florença, vibrando obstinado, dignificando o teu corpo perante uma discoteca, cuja entrada é bloqueada a qualquer pessoa e que jamais alguém ouviu. Essa discoteca é o teu quarto, forrado de papel colorido, escoriado pelas janelas que soerguem estores verdes. Ninguém o compenetrou além de ti a tornar-se numa discoteca, sem ritmo. Embora esses teus gestos pareçam correspondente a break dance, eu e tu claramente somos portadores de um vÃrus que abarca remates a incêndios e jogos de futebol sem guarda-redes. O teu tormento que te desalenta presentemente deve-se à ideia obsessiva de conspiração. Temes pela tua vida. Nem tanto te importas pelos monumentos que a cidade comporta, nem o historial, nem algo mais. Longe estacionam as pinturas do passado. Os quadros dos teus cabelos loiros e as tuas jeans a condizerem plenamente quando o conceito de justiça se amarrava à s fibras das calças que se moldavam plenamente ao teu quadril e aà se fazia luz, a exacta filosofia da BÃblia, o fim da tarde que expropriava os bens aos agricultores e os desfiava das pretensões ambiciosas, rendendo-os ao derrame da intensidade solar, um esquivo petróleo que era escapulido dos solos durante a fronteira que dissociava a noite do dia, embora nem na maior das ilusões, um lavrador acreditasse que no Sol houvessem maremotos.
Obstinadamente, revolvo à tua camisa de traços vermelhos, à incandescência dos teus cabelos, à candura das tuas faces, à meiguice dos teus lábios. Grito-te, embora esse quarto em Florença esteja trancado por correntes e cadeados e gradeado, pior que uma prisão, sem torre de vigia, ou guardas, um quarto que só permite o meu ingresso inteiro se for meritório de compenetrar as barreiras da conspiração.
Contrastas e retiras a minha missiva de recomendação papal, dizes que sou o pior.
Sorrio.
A tua estadia nesse hotel em breve termina, até porque o dinheiro não é eterno e este cosmos de conjura e imundÃcie irá acabar. Como será a tua saÃda?
Irás certamente continuar a rodopiar febrilmente e a olhar de soslaio a diligenciar pelos golpistas de estado.
Desisto.
Não é que pense que não haverão muitos dias de Sol para nós. Não é que pense que este é o último dia antes do fim do mundo. Não é que espere um melhor amanhã. Nem que queira um ultimato para essa tua dança.
- Fim do Universo -
Eliodoro era um funcionário que limpava as valetas após as enchentes de Inverno. O seu espÃrito assomava alarmante na vanguarda de casa, numa felicidade extrema. Aquele dia de inÃcio de Outono - sem trabalho, evidentemente, não havia dilúvios, nem era Inverno -, repassava a sua doutrina com surpresas Italianas da época do Iluminismo, ao ter encarado uma menina esbelta, na saÃda de um Hotel toscano, que lhe evocava a sagacidade de Volterra, a sua residência. Eliodoro de 24 anos saÃra das cascas e beijara-a à paladino. No denunciante ápice um rapaz barbado de after shave rapava as lágrimas das olheiras. Acabara de perder a sua paixão para sempre, o amor da sua vida era cedido a um funcionário público, curador dos regos aquando das escórias pantanosas. Se aquele estádio decorresse no campo seria esse observador que era imobilizador pela agonia solar e Eliodoro e a sua deusa seriam a poeira que encalvecia do meio da palha, palha que estava para pêlos e poeira que estava para suor vaporizado. E a deusa que ele amava era agora um osso que fazia parte de outro, de Eliodoro, um perfume de lixeira radioactiva.
E durante a decepção do rapaz barbado, enquanto já descarrilava a fundo no seu Fiat para a ‘tratoria’ os seus olhos arraigados contemplavam a História da humanidade em segundos, segundo uma feição, mais que apaixonada, desiludida, numa serenidade que séculos eram incapazes de perfazer…