Antonio
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« em: Abril 27, 2008, 13:03:24 » |
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Estávamos no final da primavera de 1980. Trabalhava há pouco mais de um ano na CIFA – Companhia Industrial de Fibras Artificiais e fui convocado para ir, juntamente com um colega um bom pedaço mais velho, o Eng.º Sarmento, e mais dois sujeitos de uma firma de montagens mecânicas que já não existe, ver o equipamento de produção de viscose (ou raione ou seda artificial) de uma empresa suÃça que Ãa acabar com o fabrico desse produto. Era a Viscose – Suisse. Eu iria na qualidade de chefe de produção da parte quÃmica do fabrico e o meu colega como chefe do sector de estudos e novos investimentos. O objectivo era o de, eventualmente, adquirir algum equipamento usado para a nossa unidade fabril de Valongo. Os outros parceiros iriam tentar avaliar os custos de desmontagem, transporte e montagem dos materiais que nos pudessem interessar. Voamos na Swissair num dia de céu limpo e sol radioso e aterramos em Zurique. Depois, alugamos uma viatura e fomos para a cidade mais próxima, muito pertinho mesmo, da fábrica: Lucerna (ou Lucerne ou Luzern). Lá estivemos durante quatro dias, muito bem instalados num hotel Carlton (mas que categoria!) em quartos com uma esplendorosa vista para o Lago dos Quatro Cantões (ou de Lucerna ou Vierwaldstättersee) e para o monte Pilatus, situado muito perto da cidade e imponente nos seus mais de dois mil metros de altitude e chapéu branco. Curiosamente, esse foi o primeiro dia de sol nessa belÃssima cidade e o degelo imediatamente começou. Ao fim do segundo ou terceiro dia, a água que saÃa da torneira era de uma frialdade entorpecedora. ImpossÃvel não recorrer à que era aquecida. Apesar de passarmos os dias em trabalho, logo que possÃvel regressávamos à cidade para dar um passeio pelo longo e largo jardim junto do lago. As águas deste eram de uma limpidez de cristal, o que só era possÃvel porque os esgotos da cidade eram muito bem depurados. Também as ruas, como é apanágio daquele paÃs, eram de um asseio exemplar. Pudemos constatar que havia muitos turistas, nomeadamente norte-americanos, e que o centro histórico, com edifÃcios antigos mas muito bem conservados e aproveitados, tinha inúmeras esplanadas cheias de gente a comer e, sobretudo, beber cerveja. A urbe situava-se num dos extremos do lago e deste saÃa um pequeno rio que tinha o leito todo betonado de forma que já não era rio mas canal trapezoidal. Perto da sua nascente, havia a mais velha ponte de madeira da Europa. Era muito estreita e toda fechada, de forma que quem a atravessava, em vez de ver o exterior podia apreciar pinturas representativas de cenas rurais, de caça e de pesca. Há uns anos li a notÃcia de que esse monumento património da humanidade tinha sido devorado pelo fogo. Mas, posteriormente, soube que havia sido reconstruÃdo. Ainda bem! Mas outras pontes havia, mais modernas, todas elas pequenas mas de bonita traça arquitectónica. Não tenho registos dessa viagem para lá de fotografias. Mas lembro-me do encantamento que a todos provocou conhecer Lucerna. É uma cidade muitÃssimo bonita e recomendo a quem tiver possibilidades de lá passar uns dias, que o faça. Fica no centro do paÃs, num cantão onde se fala alemão. Numa das noites, fomos dar um passeio turÃstico no Night Boat. A refeição principiou mal o barco largou e começou a vogar pelo lago adentro, com uma escuridão total no exterior. Consistiu só de um fondue de queijo, com pão; mas ambos os componentes eram de uma paladar estupendo. Uns grupos folclóricos dançaram e tocaram canções com a conhecida sonoridade da música tirolesa. A certa altura, os passageiros foram desafiados a tentar que um tÃpico instrumento dos pastores alpinos conseguisse emitir som ao ser soprado por algum dos forasteiros. Tinha a forma tubular, com três ou quatro metros de comprimento e depois revirava para cima e abria na extremidade. A zona da curva apoiava-se no solo. A maior parte dos que fizeram a tentativa, apesar de ficarem com a cara vermelha de com tanta força bufarem, não lograram ter sucesso, por oposição aos tocadores que, sem esforço, antes com jeito, dele tiravam um estridente e prolongado ronco. Mas não querem saber que o Sarmento conseguiu que o instrumento tocasse? Foi logo motivo para realçarmos a nossa portugalidade. Parece uma coisa um pouco prosaica mas, no estrangeiro, sentimos muito mais o nacionalismo do que cá por casa. Ao fim dos quatro dias decidiu-se não adquirir nenhum do equipamento que vÃramos, mas conseguiu-se que eu lá ficasse mais cinco dias a fazer uma espécie de estágio. E assim vi-me sozinho em Lucerna. Como não tinha quarto no hotel, fui procurar outro e alojei-me num que ficava mesmo no centro da zona antiga. Durante o dia tinha trabalho, mas à noite e no fim-de-semana que lá passei tive de arranjar como despender o tempo. No domingo resolvi ir ao cimo do monte Pilatus. Encetei a viagem num de muitos teleféricos pequenos, de quatro lugares, que iam subindo com uma inclinação suave ao longo do sopé da montanha e se cruzavam constantemente com os que desciam. Andava muitas vezes a três ou quatro metros do solo. Viam-se as vacas a pastar e ouviam-se os seus chocalhos. E, sendo fim-de-semana, eram inúmeras as pessoas que, com botas adequadas, bem agasalhadas e munidas de um cajado ou coisa parecida, Ãam praticando montanhismo. Até que chegamos a uma plataforma onde mudamos para um teleférico bem maior. E numa segunda para o gigante que nos haveria de levar até muito perto do cume. A altura era descomunal e assustadora. Em certo momento, ao passar por um poste de sustentação das catenárias que suportavam a enorme caixa, tivemos a sensação que tudo iria cair. Foi tão só o solavanco na passagem da coluna, mas suficiente para o estômago dar voltas dentro de nós e se ouvirem gritos de pânico. Mas em segundos tudo foi substituÃdo por comentários de alÃvio e risadas nervosas. Nesse dia já havia pouco gelo no cimo. A fusão fora rápida, mas o frio era muito. Desci logo que pude. Havia um outro meio de fazer a subida, por funicular (acho que é assim que se chamam aqueles comboios-elevadores com cremalheira para suportar grandes inclinações). Mas não fiz essa experiência. Chegado de novo ao ponto de partida, cá em baixo na cidade, caiu uma bátega de água monumental. Quando cheguei ao hotel tive de mudar a roupa toda. E quanto à s noites? Eram bem animadas as noites de Lucerna. Depois de ficar sozinho, andei a ver uns espectáculos engraçados. Lembro-me de uma pequena sala, com mesas e cadeiras dispostas em anfiteatro, onde actuou durante duas ou três horas uma banda musical que só tocava e cantava canções dos Beatles. Foi divertido! Também vi uns strip-tease (tinha de ser) e fui a uma casa de alterne. E não me lembro de mais.
Pensando melhor! Recordo-me que apresentei os bilhetes ou recibos de todos esses espectáculos na empresa, para eles me pagarem. Passados uns dias, recebi um telefonema do chefe da Contabilidade a dizer: - Sabe, Sr. Fulano, não é habitual este tipo de despesas serem pagas pela empresa, mas desta vez vamos abrir uma excepção – disse ele. - Peço desculpa, Sr. Pinto, mas não fazia ideia – respondi, fazendo-me de parvo. E continuei: - Agradeço a vossa compreensão e garanto que tal não se irá repetir. Passados dois anos e meio a empresa faliu. Ainda hoje me pergunto se terá sido por causa dessas despesas extra que ela foi à bancarrota...
(escrito em 7 de Março de 2006)
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