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Autor Tópico: A Sátira do Livro Roubado ( texto registado na IGAC)  (Lida 23407 vezes)
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #60 em: Outubro 14, 2022, 21:26:54 »

Verdade....


Deliciosas, é como estão estas Batatas à Henrique VIII feitas pelo Mestre Olivier, depois de ele, para desenjoar, ter convencido a mamã a substituir as milenares batatas à Maria Madalena pelas de sua autoria ainda virgens. Deve ter sido por isso que não houve nenhum acontecimento extraordinário.
Já estou arrependido de ter deixado tantos lugares vazios na mesa. A Clara não pôs cá os pés, assim como o tio dela, o César também não veio. Só cá está mesmo a gente do livro do meio. E isto depois de ter sido servido o primeiro prato e quando o apetite está mais ou menos saciado. Os presentes, com um copito de vinho do Douro, já começaram a falar, alguns até a dizer asneiras.
Mel, com Olivier encostado a um dos suportes da tenda satisfeito a olhar para os convivas, fala da Paixão de Cristo, como o ex libris da sua realização. É nessa altura que o Professor aflora a estranha visão de uma chupeta, num dia em que, sem saber como, teve o privilégio de viajar até ao passado, confrontando-se então com uma língua defunta, confirmada depois pelo Mestre de Línguas como sendo aramaico.
Mel pede ao Professor para repetir quanto vira e ouvira na tal viagem, mas este refuta, dizendo não estarem reunidas as condições ideais. O Antiquário fulmina-o com o olhar (queria, talvez, aproveitar para obter mais algumas informações sobre o elixir…) enquanto a Padeira fica de orelha aguçada, molhando no prato cheio de azeite um pedaço de broa, que sustém no ar. Deve estar a pensar na hipótese de, finalmente, se tornar numa verdadeira actriz. Além do mais, pela mão de Mel Gibson. Talvez ele não deixe de a tornar conhecida no mundo inteiro como a mulher que foi da masseira da broa diretamente para a Meca do cinema.
Os autores do livro do meio estão fascinadas com a sua criação e a mamã, ao lado deles, está de cara murcha. O César e a Clara pregaram-lhe uma enorme partida. Não está presente nenhuma criatura do primeiro livro. Nem sequer estão os dois cavalos, o Pajem e o Fagote, e o Tentilhão anda sozinho a pastar na erva verde, sem ter ninguém com quem relinchar. Degusta o prado no meio da iluminação que o Olivier fez questão de estender a toda a propriedade, quando fez da noite escura um grande e claro dia.
A paisagem é idílica. A minha quinta assemelha-se ao Jardim do Éden. A comida de Olivier é, nada mais, nada menos, do que um deliciosíssimo maná por que ninguém terá de pagar um cêntimo.
A mamã confessa já estar arrependida de se ter comprometido a não usar a Jurema. Ela não sabe é que, desta vez, o anjo do romance do meio se transformou no bandido de serviço. A autoria das alucinações hoje pertence-me e a Jurema é a minha cúmplice.
A Padeira começou por dizer a Mel que, em vez de ser a rapariga inteligente que fizeram dela e uma actriz em embrião, não passa de uma manta de retalhos, construída com várias características de algumas personagens, tanto de segunda como de primeira, do livro da mamã. A rapariga diz estar farta de não ter individualidade definida. Além de ter começado já a detestar as encrencas em que a meteram no romance do meio, quando há raptos e mortes a torto e a direito. Afirma mesmo ter há já muito tempo um fraco pelo primeiro livro, onde o sexo fala sempre mais alto, ela a quem calhou ser uma solteirona empedernida, sem vislumbrar alteração desse seu estado de abúlica sexual.
Com tais comentários, a moça parece ter, além de jeito para as artes do palco, também o dom da adivinhação, mesmo sem experimentar ervas de alucinação. Mando-a calar. A razão pela qual Mel Gibson está neste jantar é, sobretudo, por causa do aramaico e do Professor. E este, sem uma ervinha milagrosa capaz de o propulsionar para o passado, como se fosse um foguetão de costas para o futuro, não consegue viajar no tempo.
Quando levantam os pratos com os restos do Pato à Cornualha, não se sabe de onde, aparece uma megera de turbante na cabeça, carregada de sacos e saquinhos. Nota-se-lhe uma afinidade com o Professor. Este rasga-lhe um comprido sorriso de agradecimento, enquanto ela se senta precisamente no lugar que lhe foi reservado. O homem acaba de se sentir salvo, porque, de outro modo, não saberia exemplificar perante o nosso convidado como tivera conhecimento da chupeta do Menino Jesus na viagem de marcha atrás no tempo. A mulher, a Megera à nossa frente, é, não uma, não duas, mas três personagens unidas pelo mesmo fio de palavras. Se numa é professora de César, aquela que tinha uma casa com franjas à porta e, até, a profetisa Ana da Bíblia, não deixa de ser agora também uma feiticeira stripper disposta agora a ajudar o Professor em mais um regresso ao passado. Mas a criatura vem dividida entre o dever de servir quem lhe paga para executar as habilidades de adivinhação e o rancor que nutre ainda por um certo polícia… Julgou até encontrá-lo no jantar, em vez do Porta-Chaves. Pensava atirar-lhe à cara determinadas mágoas de outros Carnavais, e por isso está com cara de desiludida. Felizmente, aqui para nós, a mamã tinha colocado o ex-inspector fora do livro, substituindo-o por um outro polícia também já com grande fixação pela Lilicas. Se a mamã não fosse tão prudente e visionária, talvez tivesse havido a destilação de muito ódio por parte da feiticeira, e a nossa imagem de bons anfitriões ter-se-ia perdido para sempre.
Os autores do livro do meio e a Dona Tita Lívia começam a ficar agitados. Segredam uns com os outros, deixando a pobre da mamã completamente à parte. Vê-se que a tratam como a uma “escritora de lixo”. Mas ela não fica incomodada. A razão por que está meia macambúzia é pela falta de solidariedade de grande parte das suas personagens.
Mel diz que é melhor guardarem o ritual de regresso ao passado para depois da refeição. Todos concordam. A Lilicas começa então a contar anedotas de louras burras, para se vingar de morenas e ruivas que não lhes ficam nada atrás. Finjo que não se passa nada, quando a sobremesa está quase a ser servida. Enquanto conversa com os companheiros da mesa ao lado, Mel tem à frente um pratinho das farofas, que Olivier preparou em doses individuais, mas não lhes toca. Deixa-se levar pela imaginação quando se fala na célebre chupeta, embrenhando-se entusiasmado no diálogo com o Professor e com o Mestre de Línguas. A Megera Miscelânea também já tem a dose das farofas à frente. Está cheia de fome e a rir-se, mas, para imitar o nosso ilustre convidado, cuja presença a deixou verdadeiramente espantada, também não come ainda. Todas as personagens estão a fazer cerimónia. O famoso cozinheiro parece meio desgostoso, julgando que ninguém gosta da sobremesa. Finalmente, Mel pega na pequena colher, dá os parabéns a Jamie pelas batatas recheadas à Henrique VIII e pelo Pato à Cornualha, desejando a continuação de bom apetite a todos. Elogia o manjar das farofas, que come com prazer. A Dona Tita Lívia, até ao momento, tem-se limitado, quase exclusivamente, a olhar desconfiada para toda aquela gente, proferindo monossílabos. Miscelânea é a segunda a meter uma garfada à boca, seguida por todos, e muda imediatamente de comportamento. Um poder desconhecido envolve a maravilhosa sobremesa de Jamie.
À medida que as farofas tocam na garganta dos seleccionados para a minha experiência, coisas estranhas começam a acontecer com alguns deles. Uns ficam inertes como todos os mortos-vivos das ocorrências anteriores, e outros mudam pura e simplesmente de personalidade. Também há os que ficam mais acutilantes do que antes de ingerirem as benditas farofas armadilhadas.
A mamã pisca-me o olho. Rapidamente percebe que o seu anjo actuou em vez dela para salvar o jantar do fracasso. Eu seleccionara determinados alvos. A Jureminha provoca efeitos diversos em cada um deles conforme as conveniências e a dose. A erva é mais eficiente do que um polígrafo. Baterá, talvez, aos pontos, o soro da verdade, usado para obrigar os criminosos a confessarem os seus crimes. Ao Mel e a todos os autores preferi mantê-los tão sóbrios quanto as doses do vinho da quinta permitirem. A vingança da mamã já começou a ser servida por um famoso mestre da culinária e por um alquimista improvisado, eu próprio, um verdadeiro seguidor da mamã, a quem peço encarecidamente a minha transferência definitiva para o primeiro livro. Também gosto muito de sexo e pouco de semáforos, quando tenho de usar, quase sempre, óculos de sol para não ficar encandeado.
A Megera, habituada a ingerir infusões de ervas diversas, agora sob o efeito da Jurema, reitera o que já tinha dito com uma estranha lucidez. Diz, sem quaisquer pruridos, que o livro do meio é uma coisa mal engendrada. Acusa, sem papas na língua, a Dona Tita Lívia, a que denegara à mamã, por carta e escrito, a publicação do livro, de ter dado o pontapé de saída ao livro do meio. Aponta-lhe o dedo, acusando-a de entregar a cada um dos autores, fotocopiado, um exemplar do romance onde a Clara e o César eram personagens com outras vidas de ficção.
─ Rira-se como uma louca ─ dizia a Miscelânea, apontando Dona Tita Lívia ─ e aconselhara os parceiros a gozarem com a escrita da nossa mãe como muito bem lhes apetecesse. Desde que saísse uma obra com boas perspetivas de venda, valia tudo. A mamã nunca iria descobrir, por ser uma tonta que nem o jornal lia, quanto mais literatura erudita como era a dos sete credenciados autores e os livros de Jorge Luís Borges. A mulher parece falar com conhecimento de causa. Não é ela feiticeira? Acrescenta ainda que se sente pessimamente no papel de bruxa, mais ou menos bíblica, traçado pelos parodiantes a partir de uma respeitável senhora reformada, a professora de César noutros tempos. Sem dar mostras de querer calar-se diz, alto e em bom som, que, pelo seu papel debochado, e, ainda por cima, secundário, no livro do meio, é bem capaz de meter uma ação em tribunal por difamação e usurpação de identidade. Sozinha ou em litisconsórcio com todas personagens enxovalhadas como ela.


Continua

leiam também O Estranho Fascínio da Internet
« Última modificação: Dezembro 06, 2022, 22:19:52 por Maria Gabriela de Sá » Registado

Dizem de mim que talvez valha a pena conhecer-me.
Goreti Dias
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« Responder #61 em: Outubro 15, 2022, 19:48:22 »

Absolutamente louco! Até nos nomes das personagens. Eu a pensar que era por causa daquele da boroa d' Avintes... quando me falam em livros roubados...
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #62 em: Outubro 15, 2022, 20:28:17 »

Ainda irão descobrir-se muitos segredos....

Com o que acabara de ouvir (mal, ainda) o Professor empertigou-se na cadeira, regurgitou parte das farofas no prato, e as restantes, empolgando-se-lhe na goela, são suficientes para ele tomar a cadeira reservada ao Agricultor. O Agricultor assumiu assim, mais uma, vez tal papel, despindo entretanto a gabardina sebenta roída pelos ratos no quarto dos fundos onde a Sara espetou com ele. Vociferava revoltado pelas atrocidades cometidas sobre ele. Maldosamente - dizia - tinham-lhe retirado o prazer de uma vida pacata, para o meterem em embrulhadas tão complicadas como viajar no tempo de marcha-atrás, transformando-o ainda num alquimista falhado à procura nem ele sabia de quê. Tudo por causa de uma Ópera a que o autor, o italiano Gaitano Donizetti, chamou “O Elixir do Amor”,  e a que Clara, a sobrinha, tinha, por azar, assistido na televisão. Fora numa noite em que ela e César haviam dormido juntos, depois de se deliciarem com um coito em casa do rapaz – disse com veemência. Tal como a feiticeira Miscelânea, o homem jurou que, dentro de pouco tempo, iria contratar um advogado para pôr tudo em pratos limpos. Haviam de pagar caro, entre outras coisas, o facto de o vestirem com uma gabardina a luzir com o sebo de anos e anos de banhos turcos, ou lá o que era. O raio do trapo, além de ser asqueroso, era sobretudo anti-higiénico, completamente em desacordo com as funções a desempenhar no novo papel. No mínimo, deviam tê-lo feito envergar uma bata branca, muito mais apropriada à química e à alquimia do que aquele farrapo já do tempo de Dom Fuas Roupinho.
Mel Gibson abria os olhos de espanto e divertia-se com ar matreiro. Nunca pensou num jantar em Portugal como motivo para uma comédia como a que se desenrolava no solar dos anfitriões, com personagens a saírem de uns livros para outros, cheias de personalidade como se tivessem vontade própria e não se tivessem subjugado nunca aos caprichos dos autores. Jamais vira semelhante, nem na vida de ator, nem na de realizador, nem na vida em geral. Mas, o melhor era deixar prosseguir o espectáculo, enquanto fazia render no prato as deliciosas farofas de Olivier. Prolongando a sobremesa, teria pretexto para continuar a divertir-se com aquele escândalo português, que fora dado de presente a um australiano devoto da vidente Lúcia, e agora igualmente amigo de um anjo a quem tocou chamar-se Gabriel.
Mal o Agricultor acalmou, logo outra cadeira foi ocupada, enquanto eu, por momentos, ficava sem mulher. A minha Sara desta vez saiu Clara, e eu, para a Clara poder desopilar todas as mágoas sem me atingir com cuspe, sentei-me como se fosse César, ao lado direito de Mel, embora não tivesse mudado de personalidade. Apenas fingi ser outro. Foi para a situação parecer mais verosímil. Ela devia mesmo querer enfrentar César,  e, para parecer mais velho do que nos meus vinte e oito anos do livro do meio, franzi o sobrolho.
Enquanto isso, desbobinava a Clara sobre mim os seus quatro mil trezentos e vinte minutos de vida em comum com César, atirando-me à cara pormenores mais do que sórdidos. Lembrou-se da cena dos enchidos, quando os dois foram jantar ao restaurante chinês. Despejou ainda a comparação que tinha feito entre César e um cão em várias ocasiões. Relembrou, com nitidez de louca, quando disse a César que ele era pior de que um rafeiro permanentemente com cio e a quem, para coitar, qualquer burra de saias servia. Além do mais - dizia - longe ia o tempo em que teria amado morrer nos braços de César, banhada pelos fluidos do santo que via no meu irmão, mais tarde alcunhado, depreciativamente, como “o cara de anjo”. Depois - continuava - estava farta de ser barro para escritores sem escrúpulos moldarem personagens tão diabólicas como a Lilicas, ou tão sonsas como a Sara, desposada por um tal Gabriel depois de terem tirado ao rapaz uns bons anos. A ponto de parecer um menino de coro, como se o local onde César tinha sido planeado, na igreja da Nossa Senhora das Sete Cabecinhas, lhe tivesse influenciado a vida para o tornar num santo sim, mas de pau carunchoso. E se fosse ainda contabilizar padeiras e empregadinhas de bar que lhe tinham copiado os tiques e os dons, podia dizer que não passava de uma mulher que, no lugar onde tinha a cabeça e a cara, devia ter, no mínimo um cubo, se não tivesse de ser um hexágono ou um octógono. Da Lilicas até nem valia a pena falar, coitada! ─ dizia também.
Clara - Eu sei bem que a Lilicas de loura burra não tem nada. Ou eu não fosse ela e ela não fosse eu, enquanto não me toca de novo o papel de Santa Sara, esposa amantíssima do meu cunhado Gabriel. Em todo o caso, com um três em um tão explosivo como este, adivinha-se já a proximidade do fogo de um inferno em que muito boa gente há-de ficar tisnada. Por isso mesmo – concluiu- já que, tanto quanto lhe parecia, todos estavam ali para debater problemas e traumas deixados pelos respetivos livros nas personagens, ela, no seu papel principal e uma das mais interessadas em limpar a imagem, alinharia com quem já se mostrara disposto a levar o caso a Tribunal. Fartara-se de aparecer em todos os lados,  travestida de milhentas mulheres e pulverizada como se fosse uma erva daninha nascida em corno de cabra,  e, além de tudo, como uma verdadeira mutante. Estava farta, farta, farta!
Clara ─ Também quero meter estes sonsos em tribunal! ─ reafirmou, convicta, olhando para o resto dos autores quando fixou também  os olhos na mamã, que lhe acenou afirmativamente.

E a Lilicas, que não acorda, aqui à mesa! - digo eu. Esta é uma das tais a quem a Jurema fulmina,  e, por uma questão de igualdade, ela também tem direito a dizer de sua justiça. Assim como todos quantos estão neste enorme plenário, com Mel Gibson como orador especial.
Parece-me, contudo, não servirem de nada o dicionário de aramaico e os conhecimentos de Mel dessa língua já tão morta. A Jurema é capaz de ser bastante mais eficiente… Por isso tenho de beijar a Clara outra vez, para ver se arranco, ou deposito, já nem sei, nela a Lilicas que me cumpre despertar. Depois de Mel, completamente imparcial, o mais lúcido sou eu. Nem uma dentada espetei no raio das farofas contaminadas,  e assim vou tomar providências relativamente a esta gente toda e dar-lhes o tratamento adequado. Às outras mulheres, às que nunca provaram a Jurema e que, nessa medida, provavelmente não irão conseguir acordar por elas mesmas, vou aplicar também a receita “Branca de Neve”. E não me importo muito com isso… Já aos homens que ainda estão pendurados nas cadeiras, se não for lá com um abanão,  capaz de lhes remover as farofas do sítio onde estão entaladas, com uma almotolia de bico afiado deito-lhes um bocado de azeite pela boca abaixo,  até as farofas se afogarem. Depois, quero ver quem me aparece pela frente. Dependerá da sua utilidade,  para esta nova trama,  certas personagens serem ou não acordadas. Aqui, como no futebol, a lei da vantagem pode ser bastante importante.
Mel Gibson deve estar admirado com os meus truques e é bem capaz de os adoptar para o cinema quando realizar um filme baseado neste romance da mamã. Mal chegue à Austrália, ou a Hollywood, também poderá dizer:” há sempre um truque desconhecido que espera por nós em qualquer parte do mundo” e sempre útil no cinema.
Mal recomeço o meu trabalho de acordador, o meu ilustre convidado, se já o estava, continua ainda mais morto de riso. Ele e Olivier entreolham-se continuamente, na maior cumplicidade, e a autora também morde os lábios. Já os parodiantes, desde que se sentaram naquela mesa redonda, sente-se-lhes vontade de abalarem porta fora. Nota-se em todos a grande dificuldade de suportarem o ridículo da situação. Mas, para os obrigar a não irem embora antes de se debaterem todos os pontos da ordem de trabalhos que presidiram ao jantar, quando se sentaram e tiveram a leviandade de se descalçar debaixo da mesa, mandei o nosso cão, o Jerry, esconder um sapato de cada um. Por isso julgo improváveis que se vão embora, calçados só num pé, com as coisas por aqui ainda tão inconclusivas.
A Lilicas já foi acordada pelo meu beijo, dado, obviamente, nos lábios da Clara. A moça quer, à fina força, sentar-se na cadeira onde esteve a irmã. Eu, se não tenho nenhum ascendente sobre Clara (até porque não sou verdadeiramente o César), domino completamente a Lilicas, mais uma que diz “ morro se não me amares”. Por isso é com relativa tranquilidade que obedece, quando a mando calar e sentar-se no lugar devido. O pior de tudo, neste romance maluco, é que, quando entra uma personagem, quem lhe usurpou a vida tem de sair para lhe dar lugar. É o grande dilema da Clara, da Sara e da nossa querida Lilicas ninfomaníaca.
A Lilicas por agora fica acordada,  porque a Sara não volta tão cedo. O problema é se a Lilicas fica com ciúmes quando eu espetar dois beijos na Padeira nota 14 e na Doutorinha boazona. Talvez não tenha sido boa ideia trazer a Lilicas para o nosso convívio, quando tenho ainda de dar uns beijos mais. Se calhar, a Clara ofereceria maiores garantias de neutralidade. Mas agora também não vou meter na boca da Lilicas nenhuma colher de farofas temperadas a Jurema para a pôr KO outra vez e ouvir de novo a Clara a deitar cá para fora cobras e lagartos acerca do mano.
Pisco o olho à Lilicas, e ela começa a pensar que aqueles beijos serão meros beijos técnicos. A rapariga, enquanto Lilicas, além de ser boa noutras coisas, é boa a fazer de conta. Por outro lado, ainda está meio confusa, depois de acordar com um beijo do seu anjo Gabriel perante tanta gente. Além de tudo com Mel e Olivier presentes, com quem, quer com um quer com outro, também não se importaria nada de tirar uns trocados. O Porta-Chaves, pelos meus cálculos, já levou a conta dele. Além de que agora a Lilicas também se julga a Clara. E, por ela, pela Lilicas, até posso falar: como é doida por sexo, deve achar o livro inicial como o melhor para ela.
Contando com a Miscelânea, já temos almas femininas dispostas à guerra, e acho que estabeleci bem a ordem para o acordar: primeiro as senhoras (sou mesmo um cavalheiro). Embora não me vá importar muito com as duas ou três estrangeiras que foram enxertadas no livro do meio só para aborrecerem a mamã. Vão ficar para o fim. Mesmo assim, só serão acordadas se a opinião delas for muito relevante,  ou se isso me der algum gozo. De contrário, permanecerão mortas-vivas para sempre. Não é assim, mamy?
A mamã disse que estava bem.
É altura do empurrão.
Como uma das pessoas mais inofensivas é o Homem-Pergaminho, a esse vou apertar-lhe levemente o pescoço. Acordará com facilidade. Dorme, ou lá o que é isso que sucede com ele, profundamente. Acontece com as criaturas mais puras, sem tiques ou taras de muitas outras pessoas, reais ou de papel. Usarei a mesma tática do empurrão com o Mestre de Línguas Mortas, com praticamente o mesmo resultado, segundo julgo. Esta ave rara denota, apesar de tudo, alguma velhacaria. Pois não era o mestre de meia-tigela que queria viajar no tempo e ganhar louros pertencentes, na sua maior parte, ao Professor? Afinal,  quem tivera a visão de uma chupeta, numa viagem inusitada ao tempo de Jesus,  quando o conhecimento da infância Dele era um problema para os Recolectores Ambidestros de Infusões Venenos e Antídotos? Pelos vistos, a Jurema atua nas personagens segundo a dimensão do seu pecado…

Continua
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outono


« Responder #63 em: Outubro 21, 2022, 19:17:32 »

Numa sátira do absurdo, tudo pode acontecer.
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« Responder #64 em: Outubro 22, 2022, 15:27:35 »

Ponha absurdo nisto, nação Valente - risos


Quanto ao Gordo, o eterno o apaixonado da Sara, aquele que morreu noutro romance, esse não se vai safar sem levar um murro nos queixos. Vai fazer-lhe bem. Mesmo que parta um ou dois dentes, é a melhor maneira de perder parte das banhas, sob as quais a Doutorinha deve ficar mais amassada do que sardinha moída. Vai deixar de poder comer torresmos durante algum tempo.
O último a acordar, por ser o mais perigoso, o que já devia ter, pelo menos, dois homicídios às costas, será o Antiquário. Não é novidade para ninguém, ele é o retrato falado, físico e psicológico, do primo do César, o que se dedicava a assaltar residências em Cascais e arredores. E como eu e o César somos uma e a mesma pessoa, embora com idades diferentes, é óbvio que tenho alguma relutância em ter na família um criminoso do calibre dele. Era preferível mandá-lo, o quanto antes, para os anjinhos… Não sei por que insistirá a mamã em não querer sangue neste seu trabalho, sabendo, como toda a gente sabe, que o sangue, a faca e o alguidar vendem sempre muitos livros…
O Pombo-Correio despertou cheio de serenidade. É pena não haver por aqui uma pomba para ele arrulhar. O homem merece. Agora fala baixinho com o Mestre de Línguas antigas, também já de olho aberto pelo mesmo processo de despertar. Este pede ao nosso Deus Mercúrio para subir ao menos uma perna da calça, a fim de ele poder ver algumas das inscrições que o colega do jantar e do livro tem gravadas nessa parte do corpo, submersas no meio dos pêlos. Mel sorri, só para não rir à gargalhada. Nunca deve ter imaginado que em Portugal houvesse tantos bobos.
Agora é a vez da Padeira. À cusca da mulher jamais deve ter passado pela cabeça a hipótese de um dia ser beijada pelo marido da colega Sara, a sua única rival nas altas notas que o Mestre de Línguas lhes dava enquanto leccionava na secundária da terra.
Bom, mas não vou perder tempo…
Penso, entretanto, se Mel Gibson ou mesmo Olivier não seriam capazes de me ajudar a levar a cabo a tarefa de despertar mais duas ninfas mortas-vivas. Já tratei daquelas com quem tinha mais intimidade. Agora é a vez das restantes, e um dos convidados podia ficar com a Padeira. Talvez Mel, por causa das ambições da rapariga ao cinema e ao teatro…Já a Doutorinha, poderia ser assunto para Olivier. Quem sabe se, finalmente, não aprenderia a cozinhar como deve ser, depois de sentir nos lábios um beijo arrebatador, como a personalidade do rapaz parece estar à altura de proporcionar? A partir daí, talvez não fosse só esporadicamente que ela perguntaria ao Gordo se gostava de batatas com recheio… Mas, não... Acho que não devo meter nisto terceiros… Afinal, fui eu quem usou a Jurema na sobremesa…
Cá vai.
A Padeira apercebe-se de imediato  de que se passou algo de anormal neste improvisado salão, onde, supostamente, se iria tratar de assuntos relacionados com o papel de cada personagem nos respetivos livros. Tinha de ser ela a mais perspicaz de todos! Afinal quem é que, neste jantar, para além do nosso convidado, um grande ator, tinha nascido com alma de atriz e inteligência para saber, de antemão,  onde se representa bom teatro?
Enquanto a moça acordava da recente letargia que lhe abrira na vida um hiato temporal, ao sentir o meu beijo, mais curioso e técnico do que arrebatado, sussurrou-me ao ouvido dois ou três huns melados, dizendo:
- Oh, Gabriel!...Beijas como um anjo!...
Baixinho, mandei-a sentar-se na cadeira, direita como todos os outros. Disse-lhe, entretanto, e mais uma vez a meia voz, que a peça onde ela irá entrar um dia não estava ainda em cena. Já não suportava ver tantas anomalias à mesa do meu jantar especial.
O despertar seguinte tem a Doutorinha como alvo. A rapariga disse tão mal da Sara que merece, depois do beijo “Branca de Neve”, uma valente mordedura no lábio inferior. Se gritar de dor, faz de conta que é o grito dela no livro do meio. quando os autores, ali na segunda mesa redonda, boquiabertos com a minha atuação, a mandaram para o céu, às mãos de um dos presentes, um grande maligno do romance número dois. Como sabem, foi o Antiquário que se encarregou de lhe tirar a tosse, antes de fazer o mesmo ao Gordo. E, por tudo isso, uma mordidela será coisa pouca perante um homicídio tão bárbaro como aquele em que, noutra obra, fora transformada em presunto.
A Doutorinha, durante a minha acção “Branca de Neve” e contra as minhas previsões, se sentiu alguma dor pela mordedura engoliu o grito estoicamente, e, mais desperta do que antes, depois de ter ingerido a Jurema noutra ocasião, parecia estar a ganhar anticorpos. Em vez de receber o beijo passivamente, como da primeira vez no meu laboratório fotográfico, correspondeu a ele, mais do que eu próprio desejaria, enquanto eu dizia com os meus botões:
- Pronto! Tenho mais uma doida a querer morrer nos meus braços e a desejar, quem sabe, experimentar o semáforo, que foi, bem vistas as contas, uma criação da mamã para a Clara, quando esta estava um dia no trânsito, e aproveitado para a Sara numa altura em que a minha mulher mandou uma camioneta de grelos por uma ribanceira abaixo. E não só…
Agora não tenho outra alternativa senão despertar os outros machos, e o meu primeiro encontrão vai para o Porta-Chaves. Não oferece grande resistência em sair do mundo dos mortos-vivos. O homem, sendo polícia, poderia ter sido mais esperto… Nunca deveria beber quando em serviço. Mas agora também não são horas de censurar quem quer que seja.
Mal o Porta-Chaves regressou do reino de um falso Morfeu, provocou alguma agitação nos autores e na Dona Tita Lívia, que, depois de ser Lívia de batismo, ficou lívida de cor. Devia ter pensado, ela e os amiguinhos, que o inspetor no ativo iria logo ali começar com os autos de inquirição, as pulseiras electrónicas, ou, no mínimo, o termo de identidade e residência. Afinal, devem ter mesmo a consciência pesada para fazerem logo suposições tão gravosas.
Não sei como tenho conseguido manter tanta gente mais ou menos calada, enquanto pespego por aí beijos neste mulherio todo e encontrões nos homens. Estou a pensar se não seria também de repenicar alguns ósculos nas autoras mulheres e, sobretudo, na Dona Tita Lívia. Afinal foi ela quem desencadeou a escrita do livro do meio. Ninguém ia adivinhar, sem a ler primeiro, a história onde a Clara e o César são duas personagens doidas por sexo. Especialmente o mano… Sempre era melhor as senhoras levarem um beijo meu na boca do que beberem um singelo copo de água, como aqueles a que recorriam para se acalmarem quando faziam a leitura do romance primogénito.
O despertar do Gordo também não ofereceu grandes problemas. Só se queixou um bocadinho da boca quando lhe dei o soco. Mas nem sequer deitou sangue. O murro não foi por aí além… Até porque eu não sou nenhum cavalo, e é bom não esquecer as minhas mazelas. Sobretudo a palidez permanente, e a omnipresente hérnia discal na minha zona lombar, que, felizmente, hoje não me incomoda.
E não vou ser muito maçudo nas narrações. Às estrangeiras aconteceu como às portuguesas. Depois de as ter beijado, fiquei com mais duas personagens femininas caidinhas por mim, uma nórdica e uma do Império do Sol Nascente, a quem não sei se terei tempo de me dedicar como elas gostariam. Já quanto ao pessoal menor, quer de um quer de outro livro, sinto um bocado de remorsos pela minha atuação. Aldrabei bastante… Mas já estava farto de ser príncipe, e o que me apetece agora, para além de qualquer outra coisa, é transformar-me num grandessíssimo sapo e descansar um bocadinho sobre uma pedra. Contudo, tenho ainda de fazer sair daquele torpor de Jurema o Antiquário. E, dada a perigosidade dele, antes, vou pedir a Olivier a faca do queijo, não vá ele encantar-se pelo meu pescoço ao acordar e dar-lhe uma mordedura ao bom estilo de Drácula.
O Chef já alinhou na brincadeira. Tal como Mel Gibson, morde os lábios para não desatar a rir, enquanto dou um murro nas costas do primo de César (sou mauzinho, ele também é meu primo…) que desperta estremunhado, perguntando:
Antiquário – Onde é que estão as relíquias? E o pó? Quem é que me limpou o pó do baú?
Toda a gente dá uma gargalhada, sobretudo o argentino, que parecia histérico.
O Antiquário acabou por se ir lembrando aos poucos de onde estava e qual era o objetivo da reunião. O português, embora falado com sotaques de várias nacionalidades, era a língua oficial do jantar, e, como num mundo de personagens tudo é permitido, nunca houve dificuldades de maior na comunicação. Por isso é que o argentino riu daquela maneira trepidosa.
Vou só evocar o monólogo que tive ainda com os meus botões:
- Olha se o Velho russo tivesse vindo! – Será que tinha de beijar aquela múmia?
Não teria de despertar a Miscelânea. Ela nunca tombara verdadeiramente. Mas se tivesse de lhe dar também um beijo, não me sentiria minimamente incomodado. Se calhar até teria gostado de mordiscar a boca a uma feiticeira como aquela, visto os autores do livro do meio não lhe terem dado a idade da minha professora no primeiro romance da mamã, quando ela vivia com as franjas à porta de casa e dava vinho às visitas. De contrário, teria mais uma múmia ambulante para oscular. No livro do meio, a Miscelânea não era propriamente um esqueleto.
Acabara o meu trabalho de despertador e agora tinha de passar a narrativa a outros. Bem vistas as coisas, depois de Clara e de César - que continuavam sem aparecer - quem ali tinha precedência era mesmo o Agricultor, tio da rapariga. Ele tinha deixado a vida de Professor a reclamar dos ulteriores romances, especialmente do romance do meio. Tinham-no criado quase como um demente, sempre vestido com uma gabardina podre de lixo. O homem estava iradíssimo e, enquanto se dirigia à sua cadeira, encheu de perdigotos o pobre do Mel. O nosso convidado só por vergonha não pediu um guarda-chuva, por causa dos pequenos voos aéreos do velhote.

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Goreti Dias
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« Responder #65 em: Outubro 30, 2022, 08:05:01 »

Um Gabriel só podia beijar como um anjo, ora essa!Já uma hérnia discal pede calma, pois claro. Murros só levezinhos.
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #66 em: Novembro 02, 2022, 20:09:00 »

Claro os Gabriéis tem a obrigação de fazer tudo bem...

Agricultor: ─ Já toda a gente sabe, mas vou repetir mais uma vez: eu, no primeiro livro, era tio da Clara, agricultor de profissão, e depois fui desembocar no livro do meio como uma personagem com uma estranha missão: tinha de conhecer a infância de Jesus, regredindo até ao ano zero DC, e, com os ensinamentos dessa época, bem como dos ulteriores, depois de Ele já ter doutrinado os apóstolos, teria de descobrir um elixir da treta, que nunca ninguém, nem sequer o dito Professor meu clone, soube verdadeiramente de que se tratava ─ disse, enfrentando corajosamente os autores do livro entremeado.
Agricultor ─ Por isso, minhas senhoras e meus senhores, se me senti importante no primeiro livro, por nunca ter sido personagem de nada, nem nos teatricos da minha aldeia, no segundo sinto-me verdadeiramente insultado! Nunca me vi confrontado com tanto ridículo! As situações em que os autores me meteram metem-me nojo, e o meu lugar é no romance inicial, para onde quero voltar de imediato! Assim, vou apelar ao tribunal e quem quiser pode vir comigo! Que me diz, Mister Mel Gibson? – interpelou ele o nosso convidado.
Surpreso com a pergunta, Mel, na sua enorme capacidade de improviso, apontando para os livros vindos da Austrália, respondeu que a queixa-crime podia mesmo ser redigida em aramaico, provocando com isso uma retumbante gargalhada geral, e que, ─ acrescentou ─ dado o rumo dos acontecimentos, era a única utilidade para os calhamaços, pelos quais tivera de pagar excesso de bagagem no avião. Mas também não fazia mal, porque o dinheiro gasto no transporte dos livraços era pouco para pagar o grande gozo que lhe estava a proporcionar o jantar oferecido pelos seus anfitriões, num belo solar português do século XIX. Além de ter confessado que a minha mansão oitocentista não seria mais atrativa se estivesse pejada de fantasmas brincalhões, a pregarem sustos com o à vontade de que só uma alma penada é capaz. Estava soberba de motivações, com tantas personagens a entrarem e a saírem constantemente de cena. Era uma maravilha.
Tive de confessar a Mel que fora eu, mais a minha querida Jurema, o autor daquele prodigioso repasto, ao menos na vertente lúdica. Cumpria-me fazer isso, não fosse ele pensar que eu não passava de um mulherengo beijoqueiro de mortas-vivas, algumas delas com pretensões ao mundo da sétima arte sem quaisquer segredos para ele. Mel acabou por entender o melindre da minha posição, e as suas gargalhadas prolongaram-se por mais alguns instantes. Neste, como em todos os romances onde há anjos como eu, toda a gente gosta muito de rir. Aprendemos com o meu irmão César, que continua em parte incerta…
Depois, foi a Miscelânea a queixar-se de novo. No primeiro livro - disse - não passara de uma professora reformada e com fraca memória para os antigos alunos, mas, na história do meio, aparecia como um autêntico escarro. Vinha dividida entre uma prostituta contemporânea e uma profetiza bíblica a correr atrás de uma chupeta messiânica, e trazia ainda a mente envenenada relativamente a uma personagem que a autora, felizmente, tinha retirado de cena, um ex-inspector aposentado. Além do mais - dizia – ela, que nunca, jamais, tivera pretensões a receber um Nobel da Química, e muito menos da Feitiçaria, teria preferido mil vezes morar até à morte na casa de franjas do que conviver com personagens numa trama onde as mortes eram o prato do dia. Que lhe interessava a ela participar num livro feito à base de batatas recheadas e broa de milho, fossem as batatas uma receita de Maria Madalena e a da broa da autoria da Padeira de Aljubarrota? Por tudo isso amaldiçoava o facto de a terem arrancado às páginas de um romance onde não passava de um verbo-de-encher para a colocarem noutro dessa mesma maneira. E, verbo-de-encher por verbo-de-encher, teria preferido ficar na primeira história, por mais picante e até ordinária que ela parecesse a leitores delicados,  como pareciam os autores do livro do meio. Também lamentava ter - ela e mais não sei quantos - obrigado Mel Gibson, de quem era fervorosa admiradora, a deslocar-se da Austrália para aturar tanta gente, doida ainda por cima.
A lista de personagens dispostas a ir a tribunal estava a aumentar. Pelos vistos haveria causa, queixa-crime por escravatura, ou processo cível, ainda não se sabia com quantos queixosos, apesar de se vislumbrar há bastante tempo que os arguidos seriam oito.
No meio de tantos descontentes, eu estava com um enorme problema às costas e, possivelmente, até a minha hérnia discal se iria ressentir disso, embora a dificuldade fosse apenas no sentido metafórico do termo. Com tantas misturas, já não sabia quem era quem, que papéis estavam a viver aquelas personagens ali à minha frente.
Como continuava a ser necessário um moderador, prossegui entretanto com as minhas funções, tentando travar o caos que começava a instalar-se com tantas queixas, tanto de personagens do primeiro livro, aquele pelo qual  a mamã foi enxovalhada,  a  partir de um caixote de lixo, como do segundo, o livro dos pantomineiros. Nesta altura ainda me pus a refletir sobre alguns escritores e sobre a sua fama. Até agora, sempre os julguei dotados de inspiração e génio, e que nunca precisariam de enganar os pequeninos. Contudo, hoje não me parece bem assim…
A mamã manda-me prosseguir. Diz-me para me deixar de cogitações. Isso é para ela. Eu estou aqui para outra coisa: obedecer, obedecer, obedecer…
De repente, olho para o portão da quinta e fico estupefacto. Parte das personagens do primeiro romance da mamã está a chegar. Vêm todas mais ou menos esbaforidas,  com ar de lhes ter passado um caterpillar em cima. A roupa está toda amarrotada, cabelos desgrenhados, e têm todas um ar cansado. Aproximo-me delas e reconheço a Womam in red, que enverga o seu finíssimo vestido vermelho. A rapariga deve ter ficado com o fetiche da cor.
A Woman in red explica-me a razão do atraso. Como tinham todos papéis secundários no livro, acharam que ninguém, de entre eles,  devia chegar com aparato e limusina. Isso seria para os mais importantes, e estes, com toda a certeza, já teriam chegado há muito tempo. Tinham decidido alugar uma camioneta, como se fosse uma excursão. Mas na auto-estrada houvera um grande acidente. Por isso ficaram retidos mais de duas horas, passando-se entretanto algo estranhíssimo: os telemóveis de todos ficaram simultaneamente sem bateria, como se uma força misteriosa os quisesse impedir de chegar a horas. Por essa razão não puderam comunicar o percalço.
A mamã foi logo ter comigo. Olhámos um para o outro. Não o dissemos em voz alta, mas ambos pensamos que, não havendo neste novo livro cisnes,  para morrerem com a cabeça tombada,  como as flores que as ex-amantes de César lhe levaram ao cemitério, a avaria dos telemóveis seria talvez um prenúncio do Apocalipse. Era o que a organização dos Recolectores queria evitar quando o Professor era o professor, e quando eu, Gabriel e anjo, vivia com a minha amada Sara um belo casamento, logo assombrado pelo agoirento homem da gabardina ensebada. (Parece-me que há cisnes, mas já não me lembro e o parágrafo saiu bem…) Nunca esquecerei o olhar do velho quando, ao lado da sobrinha-neta e com métodos pouco ortodoxos de diagnóstico, lançou no ar a suspeita de que a minha palidez era mais um menos uma espécie de caixão e o sinal da minha partida a breve prazo para o mundo dos mortos.
Toda aquela gente acabada de chegar estava, mais do que com fome, verdadeiramente esfomeada. Isso obrigou Olivier a aquecer-lhes a as batatas à Henrique VIII e o Pato à Cornualha no micro-ondas, enquanto a Padeira e Mel Gibson levaram o Pajem e o Fagote, dois cavalos que faziam parte da comitiva dos recém-chegados, para junto do Tentilhão. E este, mal viu os colegas, lançou no ar uma enorme relinchadela de boas-vindas, que fez estremecer a tenda como quem dá um espirro. O animal estava farto de andar a pastar sem companhia. Já a Padeirinha, pelos vistos, estava desesperada por arranjar uma. A mulher aproveitou o pretexto dos cavalinhos visitantes, bem como o gosto do nosso convidado por equídeos, para, juntos, os levarem até perto do nosso puro-sangue árabe. Enquanto isso, dissimuladamente, a Padeira começa a exibir-se, artisticamente falando, antecipando mais ou menos uma futura audição em Hollywood. A terra dos sonhos poderia ficar à distância de um sim de Mel. Tinha de se apressar.
Na minha opinião, talvez não houvesse necessidade de estarem aqui tantas personagens, a comerem do bom e do melhor quando, no primeiro romance, não passavam de mero enchimento de papel. Que fazem aqui todos os amigos da Clara, incluindo o colega do Gabinete de Psicologia? É certo que ele está no livro do meio, disfarçado de ex-inspector, e até emprestou ao Gordo uma camisa preta, a única vaidade do monte de banhas depois do colar que as Placas Tectónicas do Novo Mundo lhe ofereceram. Embora o psicólogo, enquanto ombro amigo da Clara e onde ela secava as lágrimas por causa de César, sobretudo quando tomavam a bica no final do expediente, até nem ser das mais neutras. Mas como a mamã tinha decidido retirá-lo desta trama, não sei por que está ele aqui agora, juntamente com todas as ex-amantes do meu irmão. Até parece uma revisitação ao cemitério quando o “cara de anjo” morreu de Sida ou Hepatite B, já nem sei. Seria decente, julgo, poupar-se esta gente toda a uma exposição algo dolorosa. Sobretudo as mulheres. Morriam todas de amores pelo meu irmão. Tanto que, depois dos mil e um embustes dele, todas lhe levaram um ramo de flores à campa, onde se perfilaram como autênticas viúvas, sem qualquer outro rumo na vida que não fosse chorar eternamente o morto, enquanto a Clara arremessava lá para dentro um fato Príncipe de Gales, metido ainda no saco da loja onde o comprara. Depois, também seria de bom-tom evitar trazer aqui a legítima esposa, a oficial, embora também já ex à altura dos acontecimentos, e obrigá-la a enfrentar a legião de namoradas do mulherengo que tinha arranjado para marido. Muito menos os filhos. Assim, evitar-se-iam traumas às crianças, dos quais não sei se algum dia se libertarão. Talvez os milagres da psicologia dêem algum resultado. Embora a Clara não fizesse jus ao título académico que ostenta no cartão profissional… Como pôde ela ter embarcado numa paixão tão fulminante? É por ser burra, com toda a certeza!...

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« Responder #67 em: Novembro 10, 2022, 20:27:56 »

Uma delícia!!!!
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #68 em: Novembro 11, 2022, 02:26:03 »

E continua....


A woman in red tudo bem, é bem-vinda, uma vez que esteve quase a ser legítima, sabendo, por isso, uma data de podres sobre o meu irmão. É normal estar nesta casa para atar algumas pontas do livro que apareçam soltas. Afinal era a secretária da fundação… Além de ter feito, durante algum tempo, umas pontinhas privadas na vida do César… Agora muita da outra gente era escusado estar no meu solar, a que eu, depois, terei de mandar fazer uma enorme desinfecção. Na verdade não sei o que irá acontecer com a Sara ou comigo… Posso até morrer entretanto, como diz o Professor… Mas a mamã é quem sabe. Aqui, ela manda mais do que Deus, e se Deus quiser tudo há-de correr pelo melhor, com a minha ajuda de anjo especialmente talhado para suprir as faltas de um jantar sui géneris a decorrer neste solar, o único evento digno de registo em mais de um século de história da velha mansão.
A mamã diz-me para continuar e para não fazer comentários. Já não é a primeira vez que me repreende. Mas também não tenho sangue de barata! Eu aqui cheio de trabalho e o César sem dar à costa. Serão ilegítimos os meus queixumes? Sei, apesar de tudo e compreendendo bem a mamã, qual é a grande dificuldade deste romance. Na verdade, para o César entrar eu terei de sair e a nossa mãe deve saber bem a utilidade de cada uma das suas criações nos vários momentos desta trama maluca. Por agora deve dar-lhe jeito a minha presença enquanto lança uns sorrisos irónicos sobre os outros colegas escritores, que lhos devolvem cheios de velhacaria.
A mãezinha chama-me e segreda-me ao ouvido um assunto tão quente que deve, até, ter-me queimado o tímpano. Pelos vistos, deveria entrar aqui uma nova personagem masculina, tão bela como eu e o mano César… Trata-se de um ser diabólico e intemporal, cujo nome jamais deverá ser pronunciado neste livro, sob pena de desencadear desaparecimento de texto e avarias, tanto do hard como softwere. É um membro tenebroso das Placas Tectónicas, ainda mais sinistro do que a própria múmia russa… Assusto-me com a revelação. Certamente esta personagem, de quem nem sequer se pode dizer o nome, vem retaliar connosco, por causa de termos evitado até agora três mortes e sermos capazes de impedir muitas mais, se contarmos com o pacifismo da mamã. O tal deve ser o demónio em pessoa, e o meu estatuto de anjo, só por si, não será, talvez, suficiente para combater uma criatura tão maligna, que, pelos vistos, estará mais ou menos à porta do meu solar, disposta a ceifar as nossas vidas só com o olhar. Era, com toda a certeza, hora de evocar aqui um salmo poderoso, e pergunto à mamã se o 38 resultaria. Ela diz-me que sim. Pelo menos temporariamente, enquanto não lhe ocorre uma estratégia mais eficaz. Não tenho outro remédio senão confiar.
Todos estão a resmungar como loucos. Parece-me, também, que a velha moradora no prédio do meu irmão abriu mais o ouvido do que devia quando a mamã falou do homem mistério… A velha, com as suas características de coscuvilheira, forneceu muito material para a construção literária da Padeira, e está agora com as antenas no ar por causa da tal criatura intemporal. Talvez ela conheça algum responso capaz de afugentar esse maligno para o reino dos infernos, onde eu próprio o lancei imaginariamente mal a mamã o trouxe à colação.
Destas personagens todas, umas querem regressar ao primeiro livro e as do livro do meio estão tão revoltadas quanto envergonhadas. Sobretudo por causa das mortes ocorridas no romance do meio. quando o Apocalipse era dado como certo. O Antiquário, depois de acordar do falso sono, fartou-se até de bater no peito, tendo rezado várias vezes o ato de contrição,  como quem ora a Nossa Senhora de Fátima e pede um milagre capaz de lhe apagar todo um passado de malfeitorias.
Por entre os restos das farofas frescas, que Olivier teve de fazer para a segunda revoada de gente, devoradas num ápice, ouve-se insistentemente a palavra “justiça”, proferida tanto pelos enxovalhados do primeiro romance como pelos do livro do meio. Nesta altura o parodiante, descalço - eu ainda não tinha ordenado ao Jerry a devolução dos sapatos aos donos - esgueiram-se da tenda, aproveitando a confusão, antes que a guilhotina da cozinha, onde Olivier separou as calotes das batatas, lhes degolasse o pescoço. E, mal as oito criaturas se levantaram e começaram a correr pela quinta, de meias de lycra as mulheres e peúgas brancas os homens, não houve ninguém capaz de sustar uma gargalhada, que eclodiu como um foguete no meio da noite. Julgo mesmo que até nem os peixinhos amigos de Santo António resistiram. Os senhores nem sequer esperaram pela orquestra que, daqui a nada e para encerrar o evento, fará ecoar pelos céus o génio de Mozart, interpretando, entre outras melodias, a Marcha Turca, antes da ária “Una furtiva lágrima” da opereta de Donizetti, que um tenor da orquestra irá interpretar primorosamente. Não o devia dizer, mas foi a amiga da mamã quem nos emprestou a relíquia do piano a que fui tirar fotografias, um piano irmão de outro em que Hitler ouvia Wagner, completamente embevecido, embora nas operetas se dispense o piano e a cauda.
Os fugitivos têm azar porque, mal chegou a gente do primeiro romance, mandei trancar os portões.
A Padeira e Mel Gibson, alertados pelo alvoroço, deixam os três cavalos entregues às delícias do pasto e juntam-se ao resto dos convivas. Tentam acalmá-los, enquanto se ouve com insistência um grito de ordem, de braço no ar:
- Vamos para tribunal! Vamos para tribunal! Estes autores não sabem com quem se meteram!
A Padeira, pensando certamente no cenário a que a guilhotina dá vida, apressou-se a perguntar a Mel Gibson se não queria que ela representasse um pouquinho de Maria Antonieta, quando “la raine” estava à beira do cadafalso prestes a sucumbir degolada. Ele respondeu-lhe que não havia necessidade. Enquanto estivera com ela, junto dos cavalos, tinha mais do que visto os seus dotes de atriz e, garantidamente, um dia seria uma estrela para quem até já vislumbrava um Óscar no firmamento de Hollywood e no passeio da fama,
Penso de novo no tal ser intemporal e não sei se a mamã decidiu bem em não levantar mais uma pontinha do véu que tem como protagonista aquele de quem nem se pode dizer o nome. Não seria o caso de ele se pronunciar também e decidir se quer ou não assinar a queixa-crime contra os autores do livro do meio por falsa identidade e escravatura de todas as personagens?
Enquanto isso, eles, os autores, deambulam pela quinta, provavelmente a pensar no rio como a única via por onde escapar, depois de enganarem a espessa vegetação que a separa da margem. O “intemporal” traz-me à ideia de novo Jorge Luís Borges e os seus jogos de espelhos. Devem ter pensado que a mamã, ao escrever o livro inicial, se mirara neles projetando a própria imagem na sua criação. Tontinhos, julgavam-na uma borra-botas que nunca tinha lido o velho Borges. nem a sua História Universal da Infância, uma infância como a de César e como a do Menino Jesus, cuja história, segundo eles, era preciso reescrever.
- Como vê, Meritíssimo Juiz, estava tudo no livro roubado. Pano para mangas era o que não faltava.
- Cala-te, Gabriel! – ordena a mamã - Ainda não estás em audiência de julgamento!
- Está bem. Deixei-me levar pelo entusiasmo…
A Padeira e a vizinha cusca do César vão no encalço dos fugitivos, depois de eu lhes entregar a chave da Capela. É para Mel Gibson ir ver a imagem do Senhor dos Paços, no seu realismo atroz e com a cruz às costas simbolizando a crucificação do mesmo Jesus no Gólgota. A luz eléctrica, difusa e amarela, realça o aspecto místico da capelinha, onde eu e a Sara casámos, e o nosso convidado vai gostar de ver a imagem. O facto de o querer mandar para a capela, sendo ele um ator e um realizador com uma profunda paixão pelos temas bíblicos em geral e por Jesus em particular, é uma tentativa de evitar que perca a fé no género humano. Principalmente nos escritores e guionistas que lhe tecem a trama dos filmes sagrados, não vão eles entrar também na senda da paródia, como os fugitivos fizeram com o livro da mamã.
O “heptágono” - agora lembrei-me do nome dos polígonos com sete lados e quis usar isso como metáfora… - mais o lado que os meteu na aventura do roubo, a coordenadora do projeto, tem nas mãos uma verdadeira batata quente, não sei se cozinhada de acordo com a receita de Maria Madalena ou se, pelo contrário, é à moda de Jamie. Os sete magníficos e a acompanhante só têm um sapato e, por isso, suponho que não querem regressar à oficina dos livros fazendo figuras tristes, se optarem por fugir em meias e peúgas, ou, até, completamente descalços. Por outro lado, hão-de querer a todo o custo reaver o calçado, munindo-se, para o resgatar, com coragem idêntica à que tiveram no início, quando decidiram comparecer no jantar. Talvez os senhores tenham vindo apenas com o fito de que Mel adaptasse o livro do meio ao cinema, ocorreu-me agora…. E se fugirem assim como ladrões, não deixarão de realçar aos olhos dos outros a sua própria culpa. Nem uma desculpa, nem a promessa de não voltar a prevaricar, nem, sequer, a negação do facto, alegando, por exemplo, que a editora lhes entregara, aos sete, através da Dona Tita Lívia, o livro da mamã para eles avaliarem até que ponto o manuscrito seria publicável, malgré o seu bocado de sexo e os palavrões. Nem essa desculpa deram! Mas a mamã também não a aceitaria, nem de ânimo leve, nem de ânimo pesado. Ela candidatou-se, só e apenas, à publicação de um livro e nunca ao Prémio Nobel da Literatura. Aí sim, seriam necessários sete votos ou mais para sair um vencedor, dependendo do número de membros do órgão de decisão e do valor equitativo dos candidatos. Nesse caso a mamã não seria a “escritora” fatela, de cujo livro fizeram gato-sapato, mas uma pessoa a considerar no mundo das letras.
O nosso convidado já regressou. Vem com os olhos cheios da beleza, tanto da capela como da imagem do Senhor dos Passos e dos outros santos, que, em tamanho mais pequeno, tenho nos altares. São eles, o S. João, o S. Jorge o S. José, a Santa Alice, uma imagem trazida do Brasil no tempo em que os livros da biblioteca da terra andaram para cá e para lá no Oceano Atlântico. No Brasil há excelentes santeiros… Além destes santinhos há ainda a Santa Luísa, que o meu irmão César trouxe de Paris, juntamente com uns cristos. E os cristos, como é sabido, são as figuras pelas quais César tem verdadeira adoração. Estavam sempre em cima da cómoda, no quarto dele, onde com a Clara e as outras se deliciava em orgias de sexo ao vivo. Devia ser para ficar mais protegido das doenças más que entram mais ou menos por um sítio que todos os humanos têm. Na capela havia ainda mais um santo e uma santa, de cujos nomes não me lembro, mas o padre que realizou o meu enlace retirou-os do altar, dizendo não serem lá grandes peças de santidade. E isto para não falar na Santa Joana Princesa, filha do Rei D. Afonso V de quem Clara, apesar de a santinha ser apenas uma beata promovida unicamente pelo povo a altar mais elevado, sabia a biografia de trás para a frente e da frente para trás.
Mel diz-me que encontrou os autores na capela em atitudes, senão suspeitas, no mínimo estranhas. Não havendo muita luz para se aperceber dos pormenores, pareceu-lhe que os oito tentavam remover uma pedra em frente ao altar. Talvez a tampa de um sepulcro…
Meu Deus, não posso acreditar! Depois de ter uma casa em pantanas, com mortos-vivos à espera de reingressarem na sua verdadeira vida, tenho ainda de assistir a um bando de pés-descalços a delapidaram-me o património religioso! Além do mais escarafunchando os restos mortais de homens e mulheres santas que foram enterrados na minha capela!
Tenho de pôr a mamã ao corrente da situação. Parece-me que os autores se querem substituir às personagens na busca do Santo Graal, do Elixir não sei de quê, ou, simplesmente, dos sagrados húmus de Jesus. Para esta gente maluca das Placas Tectónicas, as relíquias do Mestre são apenas e só os fluidos corporais Dele. Já para outros, o bando contrário, são nem eles sabem o quê, mas, em todo o caso, uma forma muito eficiente de chatearem a autora do primeiro romance, e de agora de me escaqueirarem a capela. Igualmente pareceu ao meu convidado ter visto imensos polícias a espreitar por sobre os muros da quinta, de armas apontadas para dentro, a fazerem, de vez em quando, sinais ao Porta-Chaves. Nada como ser estrangeiro e cidadão da Commonwealth para ter tamanhos dotes investigatórios, ainda que Mel seja apenas ator e realizador de filmes, para lá de um fervoroso devoto da Irmã Lúcia.


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« Responder #69 em: Novembro 18, 2022, 19:01:39 »

Com tantos santos, talvez algum lhe valha!
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« Responder #70 em: Novembro 19, 2022, 01:10:14 »

Com certeza....Goreti


A mamã diz-me para ter paciência. Não é altura de medos. Se não houve mortes até aqui, também não hão-de ocorrer agora. Segundo ela, o objetivo da polícia, e o seu próprio objetivo, não é desencadeá-las, mas sim evitar que aconteçam. Entretanto a mãezinha pede ao Porta-Chaves para ir inteirar-se das ocorrências na capelinha, e eu aproveito para ir à casa de banho fazer chichi. E eis uma coisa de que a literatura habitualmente não vive. É demasiado humano e, dentro do humano, “fazer chichi”, além de tudo, é uma das funções do corpo pouco prestável a metáforas luminosas e grandes ideias poéticas. Sobretudo em virtude de o chichi vir de um sítio multifuncional que, na linguagem de qualquer país, se presta sobretudo a calão ordinário.
Vou andando…Vou, entretanto, deixar crescer a barba e o cabelo. Pode dar jeito…
Lilicas

São sempre os mesmos. Agora, com o Gabriel ausente, compete à doidivanas da Lilicas preencher o vazio narrativo. Que maçada!
Vou mas é à cozinha lamber,  de um prato qualquer,  um bocadito de farofas temperadas a Jurema,  para ver se desperto a Clara que existe em mim. Não é ela a personagem primitiva?
Pelos vistos não é preciso. Já está aqui gente importante do livro onde a mana velha era a estrela feminina. O César chegou finalmente. Traz com ele uns calhamaços, que carrega, com dificuldade, nas mãos junto ao peito. A minha ignorância diz-me que devem ser O Código Penal, o Código de Processo Penal, o Código Civil e o Código de Processo Civil.
Coitado do César. Bem se diz que um burro carregado de livros é um doutor e o ditado assenta-lhe lindamente. Ele não passou do segundo ano da faculdade, mas, mesmo assim, tem vantagens sobre qualquer um de nós, à exceção talvez da mamã. Ninguém aqui deve saber distinguir uma providência cautelar de um arresto. Esta gente continua a pedir justiça e chegou por fim o homem para elaborar a petição.
A mamã diz-me para lhe passar a palavra, enquanto ele se senta ao lado de Mel Gibson e coloca os livros à beira dos compêndios de aramaico, trazidos pelo nosso convidado.
A queixa-crime, no que me diz respeito, devia ser escrita mesmo em aramaico, por eu ser uma personagem próxima da Bíblia. Mas não tenho remédio senão submeter-me à vontade da maioria. E esta, provavelmente, quererá a petição em português. Os tribunais também não devem aceitar outra língua de litigância, mesmo a do tempo de Jesus, pese embora a força dela na justiça divina. 
E pronto. Cá está o “advogado” de serviço, lindo de morrer, como o meu amado Gabriel. Nestes romances os homens são todos bonitos. E, além de tudo, têm sempre qualquer coisa de anjo. Mormente a cara. Como o César, comestível até dizer chega, mesmo na versão dos quarenta e cinco anos do primeiro livro. Isto tudo é uma grande tentação, pese embora o facto de eu ainda não estar completamente bem devido à Jurema. Até sempre César, ou Gabriel ou lá quem tu és, que as personagens não passam disso mesmo, manietáveis até ao infinito.


César
Era aqui que precisavam de um advogado do diabo? Pois aqui estou e, antes de começar a redigir a queixa, convém falar na estratégia, bem como nas dificuldades da questão.
Em primeiro lugar poderá acontecer o seguinte: a entidade que regista a autoria das obras, ainda por cima, talvez não aceite o processo do livro “ A Sátira do Livro Roubado”, alegando semelhanças de conteúdo e de personagens com um outro livro de autores muito conhecidos, quando, afinal, foi exatamente o contrário.
Segundo vejo, os ditos autores continuam descalços junto à capela do meu irmão, onde, felizmente, o Porta-Chaves os demoveu de a escaqueirarem. Mel Gibson toma notas num pequeno portátil, Olivier ri-se, enquanto fiscaliza o trabalho de remoção dos pratos e dos restos de comida para a cozinha, preparando já, o melhor possível, o local para receber a orquestra que desencantei através da fundação. Sobretudo para ouvir cantar a ária Una Furtiva Lágrima”. Nunca resisto a ela.
Quanto à maneira de atacar os parodiantes, a mamã poderia, por exemplo, publicar o livro sem a formalidade do registo e esperar que os outros senhores lhe movessem uma ação criminal. Neste caso, seria de atiçar a imprensa com o assunto, revertendo depois a situação a favor da dela.
Em segundo lugar, poderia a nossa querida mãe, e nós todos, lesados moral e economicamente, avançar de imediato para o tribunal, atacando sem piedade os salteadores de capelas e de relíquias. Depois esperavam-se desculpas esfarrapadas, que nenhum atrasado mental aceitaria, e muito menos um juiz sério e competente. Finalmente também poderíamos recorrer ao meio extrajudicial, mandando uma carta à editora, mais concretamente à instigadora desta situação, a Dona Tita Lívia. Pedia-se uma boa indemnização. Não nos “roubaram” eles a todos do outro livro, pondo-nos,  depois, nomes falsos? E, no meio disto tudo, queria ver se a senhora iria sacudir a água do capote e dizer que a culpa é inteiramente dos autores... Mas, então, onde teriam eles ido buscar a fotocópia do bilhete de identidade da autora? À pasta do arquivo morto? A resposta é sempre a mesma: estão todos tramados. Assiste-nos, de qualquer maneira, o direito ao ressarcimento, independentemente de a publicação deste livro ficar devidamente acautelada. Não queremos viver em vão mais uma das nossas vidas. O assunto morreria assim por aqui, e a mamã embolsaria um bom dinheiro. O livro do meio vendeu trinta mil exemplares, antes de uma última edição em que ela descobriu a marosca. Depois, a nossa mãe, se quiser, em vez de pagar a um advogado a sério, dava-me o dinheiro a mim. Como toda a gente sabe, gosto tanto de money como o diabo gosta de almas.
O burburinho está instalado e a Padeira pede opinião a Mel Gibson sobre a via a seguir. Fico indignado. Aqui o “advogado” sou eu. Ele é apenas ator e realizador e, além da Sátira do Livro Roubado, não entrou em mais nenhuma história da nossa querida autora.
Felizmente o homem tem bom senso,  remetendo a decisão para as personagens.
Mando-os calar a todos e dou o meu próprio conselho, tentando excluir alguma ou algumas das hipóteses formuladas. Digo a esta alvoroçada gente que não será de esperar uma única reação dos prevaricadores, caso a mamã se decida pela publicação do livro primogénito. Pura e simplesmente, irão ignorá-la como a uma condenada Zé-Ningém sem voz.
Toda a gente fica espantada com a minha dissertação e o Agricultor de imediato tenta acalmar as personagens de modo a excluir, ao menos para já, a estratégia cuja falácia demonstrei. Calam-se todos, aceitando a sugestão do velho, que já foi um Professor pouco higiénico, graças a uma gabardina ensebada onde andou metido até recuperar a verdadeira personalidade.
Agora vamos decidir como avançar. Talvez pudéssemos começar com uma carta para resolver o assunto extrajudicialmente e, caso isso não resulte, irmos depois pela via judicial.

Continuará o César a falar

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Goreti Dias
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« Responder #71 em: Novembro 20, 2022, 13:17:31 »

A advogada a falar rsrsrs
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #72 em: Novembro 21, 2022, 01:02:13 »

Ah,


César


Prevendo eventual empate nas decisões de tantos personagens, sugiro a esta gente de papel que, nas duas votações sucessivas, atribuamos o voto de qualidade a Mel Gibson. Este agradece a deferência e, dirigindo-se ao suporte da tenda onde está encostado o Olivier, apresenta-o como um grande cozinheiro, elogia de novo as Batatas à Henrique VIII e o Pato à Cornualha, lamenta não poder ter provado a receita de Maria Madalena e pede que seja Olivier a decidir caso se verifique a igualdade do escrutínio.
Olivier declina a sugestão.
O Antiquário manifestou-se no sentido de se avançar de imediato com a petição para tribunal. Sendo quem tinha o cadastro mais sujo, com duas mortes nas costas, ninguém ficou admirado por ele querer limpar o nome, o mais depressa possível, antes de o registo criminal lhe manchar a vida profissional, já de si bastante suspeita, sobretudo por causa das obras de arte roubadas noutros tempos. Deve ter-se lembrado da Mona Lisa e do percurso desgarrado que o quadro fez durante décadas, antes de a retratada ir de novo esboçar aquele sorriso matreiro para o Louvre.  
Depois, uma a uma, todas as personagens acolheram a ideia do Antiquário, enquanto eu recolhia o BI e o NIF de cada uma para formular uma petição sim, mas cível.
O meu primo, erguendo-se num ímpeto da cadeira onde estivera sentado até aí, rejeitou liminarmente a modalidade, esbracejando indignado por causa da brandura com que nos propúnhamos enfrentar as feras. Manifestou-se em altos gritos sobre a detenção de que foi vítima no livro do meio. Na realidade, tinha até sido obrigado pelos autores a cometer dois homicídios, além de haver ainda projetos para ele mandar mais gente para o outro mundo, naquela espécie de comboio expresso que é a morte por encomenda. Por isso, recusa-se a abdicar da cadeia para os algozes, que o descreveram como um trampolineiro do pior calibre. Sendo embora verdade, nenhum homem, por mais ordinário que seja, gosta de ser tratado por gente ilustre como Ex proxeneta e como salteador de casas devolutas, só para denegrirem a qualidade de todos os membros da Placas Tectónicas do Novo Mundo. Esta entidade, no livro do meio, era, nada mais, nada menos do que a seita do mal, a que investia regularmente contra Os Recolectores Ambidestros de Infusões Venenos e Antídotos, o bem em figura de gente. Um “bem” algo esquisito, é certo, criado por sete pessoas mais uma, a Dona Tita Lívia, uma espécie de procuradora suprema no assunto. A mulher não deixa de ser mais uma mãe das personagens, uma misturadora de óvulos e esperma na proveta em que se tornou o laboratório literário onde trabalha.
Não sei o que fazer, mas alguma coisa tenho de engendrar. Vou esperar pelo Gabriel. Ele está mais directamente envolvido na situação. O jantar é dele. Aqui não passo de convidado, embora especial, por ser o mano velho do anfitrião.  
A Clara permanece encapuzada no corpo da Lilicas, onde, por sua vez, também jaz a Sara. A minha colega de protagonismo, a Clara, já disse que quer regressar ao primeiro romance. Talvez o tio assuma a representação da sobrinha quando votarmos. Dá nisto pertencer-se ao género de personagens três em um e sermos como um produto capilar dos mais avançados. Está-se sempre com um problema entre mãos, ou, melhor dizendo, na cabeça. Já eu, César, o “Cara de Anjo”, por ter sido tão maltratado pela mamã, não queria estar em livro nenhum. Muito menos neste, sujeitando-me de novo a levar com o despeito das minhas ex todas. Mas, a ter de migrar para algum lado, seja ao menos para uma história genuína, onde haja mulheres diversificadas e muito sexo. Por isso a minha escolha é óbvia, embora o caminho para lá chegar me seja relativamente indiferente. Eu que aportei aqui ressuscitado como Jesus, depois de ter sido entregue aos bichos por uma autora semelhante a Judas, quando me “matou” com hepatite B, ou Sida, já nem sei. Tive, apesar de tudo, uma segunda oportunidade. E cá ando outra vez na literatura, bonito como sempre.
Peço permissão a todos os presentes e vou providenciar um chá de alface para o tenor que tem estado lá em baixo, à beira-rio, a afinar a voz e a tentar, quem sabe?, enfeitiçar os peixinhos,  como lhes fez Santo António com os sermões numa outra latitude.
Não vejo hora de ouvir a minha ária predileta. No fundo, no fundo, sou mesmo um romântico, apesar da linguagem desbragada na cama. O meu maior prazer seria a descoberta do Elixir do Amor, o tal criado por Donizetti para a ópera, bem diferente do elixir do Professor, que nem um nome consistente arranjou para a falhada pesquisa. O homem nunca passou de um alquimista de meia-tigela, ainda que, nem pouco mais ou menos, comparável à mamã. Esta, juntamente com a Clara, conseguiu perfeitamente reduzir-me a merda,  logo na segunda ou terceira tentativa.





Lilicas

Estou outra vez a braços com a narração da história. Como agora não conduzo viaturas,  por causa desta enorme confusão, resta-me guiar durante algum tempo a comédia. É uma outra forma de ser motorista, ainda com mais responsabilidade por o carro sermos todos nós, pelo que me sinto verdadeiramente chauffer de excursão.
Gabriel já regressou sorrateiramente da casa de banho sem que ninguém o visse. Da entrada da tenda faz-me sinal para ir até lá. De repente, a barba e o cabelo dele parecem ter meses. Vem estranho e percebo nele uma atitude suspeita. Desconfio que se vai livrar de mim, porque, tendo eu pedido um copo de água a um dos empregados, é o Gabriel quem o trás. Ah!, meu amor, não acordes a Sara, a velha que arranjaste para esposa, e muito menos a Clara, as duas adormecidas no meu inconsciente! Fica comigo para sempre, com os meus cabedais e cintos,  ou tão simplesmente nua como vim ao mundo!
Já juntos, de novo disfarçados pela aura de uma invisibilidade semelhante àquela de que usufruímos quando ele chegou de Coimbra com a foto do piano, onde, daqui a pouco vai ser tocada a Marcha Turca, Gabriel, o meu anjo, enquanto me beija, sussurra-me que é necessário decidir a questão da paródia. Entrega-me o copo e eu bebo obedientemente. Tenho a certeza de que vou apagar-me dizendo: “ morro se não me amares….””, morrrrr………..”



Sara

Eu devia ser uma espécie de mosca-morta, uma mulher bíblica a cem por cento obediente ao marido e a toda a gente. Mas que gente e que marido? Casei, já entrada na idade, com um homem muito mais novo, e agora vem um tal Professor, a mando dos escritores do livro do meio, dizer que Gabriel, o meu querido anjo, se vai finar por causa da uma palidez crónica, ou até de uma hérnia, se não for de um estúpido linfoma como inventou o Gordo? É mesmo andar a brincar comigo, e, se não fosse por outras razões, esta era suficiente para me associar a quem quer tramar aqueles que me transformaram numa séria candidata a viúva! – Não é assim, Gabriel, meu amor?! Estás com uma barba e com um cabelo enorme, tens de ir ao barbeiro, meu querido…

±
Gabriel

- É claro que é assim, minha querida mulherzinha. Mas não me apetece cortar o cabelo nem tratar da barba... E era pura perversidade desse velho tonto, do Professor, retirar-te as delícias do semáforo e dos meus braços para sempre. O meu Deus (e os cristos do César, que são a mesma entidade noutra versão) não haveria de querer meter-me numa cova, sujeitando-me ao apetite das minhocas como a mamã fez ao mano, ressuscitado agora como o próprio Jesus, para gozo supremo da autora.
Quanto ao processo, também concordo com o Antiquário. O lugar dos satirizadores e dos utilizadores de falsas identidades é na cadeia. Enquanto anjo e com conhecimentos abrangentes de tudo, tenho cem por cento de razões para acreditar que o livro do meio, onde os autores nos ridicularizaram tanto, não seria escrito daquela maneira se não tivesse por trás o livro da mamã. Está perfeitamente estabelecido o nexo de causalidade, uma causalidade adequada, sem mais. Como tal, sendo todos nós personagens falsas, respigadas aqui e ali de um outro romance, o meu voto vai no sentido de que se enverede pela via da queixa-crime. Sempre se gasta menos dinheiro. Cruzei-me há pouco com o César e ele pôs-me ao corrente das vossas indecisões, meus queridos candidatos a litigantes.
E, depois desta minha explicação, todos fizeram questão de votar a favor da atuação mais gravosa. Por isso não foi necessário o voto de desempate de Olivier. A unanimidade estava garantida. Toda a gente já conhecia a opinião de Gabriel, da Sara, da Lilicas, da Clara, do Agricultor, do Professor, do Mestre de Línguas-Mortas, da Padeirinha, da Doutorinha, do Gordo, do Antiquário, da Miscelânea, do argentino, bem como de personagens como a womam in red, da velha cusca vizinha de César, da professora dele, entre outros. Pelos comentários, em surdina, e pelos olhares depreciativos dirigidos aos autores do livro do meio durante o jantar, especialmente à Dona Tita Lívia, nota-se a léguas que todos já encontraram culpados. É opinião unânime de que foi ela a má da fita, uma mulher gananciosa e mesquinha, capaz de vender a alma ao diabo só para ter no mercado um livro que competisse com os sucessos de venda da altura. É muito bem feito! Aos autores agora fugitivos, além da co-autoria do romance do meio, tem de lhes ser atribuída ainda a co-autoria do crime de falsa identidade com que nos mascararam, como se a nossa vida fosse um Carnaval permanente.
 Mas, caros leitores, como não se esqueceram, por certo, de que quem andou a estudar direito foi o César, o mano cujo hobby era a fotografia, é melhor esperar por ele. Até porque, para mim, a atividade fotográfica era a tempo inteiro, e sempre foi uma grande aliada dos poetas e das suas poesias. Portanto, queridos colegas, esperem um bocadinho pelo meu irmão, enquanto eu, com Mel Gibson, vou dar uma volta pela quinta. Estou com saudade do meu puro-sangue árabe, o Tentilhão, e quero conhecer mais de perto o Pajem e o Fagote. E como já está tudo determinado, vou mandar a velhota, a velha empregada de César, a que lhe pedia amaciador para as camisas, aquela da chupeta do bisneto esquecida no bolso, devolver os sapatos aos parodiantes, e ver até que ponto eles esgaravataram a minha capela. A mulher ficou de guarda ao calçado retido e é tempo de comer qualquer coisa... Tudo menos as farofas alucinogénias... Como já está bastante senil, a mulherzinha deve achar tudo quanto se passou neste solar oitocentista perfeitamente normal. Assim, não terei de lhe dar grandes explicações… Se, enquanto tomo as providências necessárias aos sapatos, o Porta-Chaves quiser deixar ir os autores embora é lá com ele... César não necessita da identificação de nenhum. Todos são mais conhecidos do que o arroz-carolino. Vou também perguntar ao polícia se quer participar criminalmente contra a gente de quem se fala.
Finalmente, tenho um aviso a fazer: já não há mais farofas, nem com, nem sem Jurema...

Continua

« Última modificação: Novembro 24, 2022, 15:22:30 por Maria Gabriela de Sá » Registado
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« Responder #73 em: Dezembro 02, 2022, 23:41:56 »

Porta aberta, que os personagens têm-se de se abrigar, com tanto frio.
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« Responder #74 em: Dezembro 04, 2022, 22:12:13 »

Estão a chegar as personagens, fresquinhas como o pão pela manhã.





César
A orquestra está a postos para encerrar, com pompa e circunstância, este jantar maluco. Mas, antes, tenho ainda de elaborar a bendita petição.
Não sei por que artes mágicas, mas, ao lado dos meus códigos e dos livros de aramaico de Mel Gibson, apareceu um computador portátil. Caiu como sopa no mel, passe a doçura do nome do grande ator aqui presente, para nossa sorte. Já estou farto de conhecer as queixas de uns e de outros, mas convém alinhá-las para não cometer argoladas.
A Clara quer repor a verdade quanto à identidade dela, usurpada pela Lilicas e pela Sara; o Agricultor tio dela quer regressar à vida simples de outrora, quando a sobrinha, de vez em quando, o levava a passear juntamente com a mulher; a Padeirinha cusca, vaidosa e inteligente, sente-se lesada, dado não passar de uma personagem construída para o livro do meio com pedaços de umas e outras mulheres da antiga trama. O mesmo se passa com a Doutorinha, e até o Gordo foi construído como uma criatura ridícula, com fetiche por pedras preciosas e camisas pretas, por uma, em especial. Já para não falar do Professor, uma falácia completa. Este foi rabiscado, inclusivamente, de uma criatura feminina, a minha professora da instrução primária, que, no livro do meio, surge como meia bruxa, meio “stripper”. Até parece um ser da mitologia helénica, quando os deuses e outros entes tinham cabeça de gente e corpo de cavalo, só para dar um pequeno exemplo. Os membros menos importantes das Placas Tectónicas, a loura e a japonesa, entre outros, também não acharam graça nenhuma ao facto de as terem metido a catorze mãos e à força num livro cuja chave mestra é o romance da mamã.
Já agora, por uma questão de facilidade na exposição, ao livro ridicularizado irei atribuir-lhe um código: a partir deste momento, chamar-se à, “ O sexo forte – Memórias de um Ressuscitado” e o do meio já tem nome, é “O Livro do Meio”, ponto final.
Mas, continuando, o Professor, depois de ter deixado de beber mistelas, que o deixavam completamente desnorteado, quando passou a alucinar com a Jurema, muito mais eficiente, até a velha gabardina lhe começou a meter nojo. A ponto de querer sair também do romance, igualmente por causa de uma identidade falsa em que o meteram e para lá de muito pouco ortodoxa. E até o Velho Russo, a múmia que se fez representar no jantar pelo meu primo, lá da infinita morada dele, deve ter mandado esta gente toda bugiar. Ninguém o deixa em paz, no sítio onde está. Possivelmente no Inferno, onde um dia, se Deus não resgatar estas oito almas pecadoras e transviadas por causa de um pecado de gula literária, todos irão encontrar-se. Então, nessa altura, o maligno que faça deles o que quiser. Como são oito, podem fazer duas mesas de sueca, e o Velho, a Múmia, que é, segundo dizem, o secretário-mor do Demo, que veja se algum é inocente e que o mande para a porta ao lado. Ou, se for caso disso, que o envie para uma desinfecção espiritual prévia, a fim de a criatura entrar no céu sem qualquer salpico de uma tramóia tão sórdida como foi o Livro do Meio.
A mamã manda-me avançar sem perda de tempo com a petição. Mas eu tenho de fazer o levantamento do número de personagens queixosas e suas razões. Além do mais, ainda faltam aqui as minhas próprias razões. Aliás, são semelhantes às da maioria. A começar por usurpação de identidade, introdução em casa alheia, entre outras coisas, mas, sobretudo, porque me retiraram de um livro onde o sexo era a rodos, para me enfiarem, com outro nome e anjo de corpo inteiro, nos braços de uma mulher bíblica e amante de coitos em ambiente tipo semáforo. Estão a ver a grosseira falsificação que fizeram de mim quando engendraram um anjo como Gabriel, com sexo e tudo?
Depois, ainda tenho de perguntar à mamã se vamos deixar de fora “aquele” de quem nem o nome se pode dizer, vindo diretamente, embora camuflado, de Jorge Luís Borges, para a cabeça dos parodiantes numa espécie de osmose colectiva. Ela acaba de me responder. Diz-me que sim, porque sendo “Ele” uma entidade para lá de ruim e a viver no tempo e no espaço sem fim e a fazer sabe Deus que maldades, é melhor não a invocar nesta trama… sob pena de “A Sátira do Livro Roubado “se tornar num livro maldito, quando o que a mamã quer é torná-lo numa obra do agrado de quase toda a gente. E ela diz quase por razões óbvias. No mínimo, excluem-se oito pessoas. Quando elas lerem esta nossa autodefesa, hão-de por certo excomungar-nos, deixando-nos sem hipótese de reabilitação por mais bondoso que um papa de Roma seja.
Bem, mas adiante, uma vez que não podemos contar com a presença da maquiavélica criatura de quem nem o nome se pode pronunciar, o melhor é dar início ao trabalho, pelo que aqui fica o rascunho:

Ao Digníssimo Magistrado do Ministério Público da Comarca competente:

Vêm todas as personagens, identificadas ao longo do romance “ A Sátira do Livro Roubado”, apresentar queixa-crime contra a oficina dos livros, com sede no local supra indicado e representada pela Dona Tita Lívia (também interventora na ação criminosa) e contra os autores do romance “ O Livro do Meio”, em virtude de o mesmo ser uma sátira grosseira do romance da autora igualmente supra identificada, intitulado “ O Sexo Forte – Memórias de um Ressuscitado”.

Com efeito o “manuscrito”, elaborado em computador e com formato de livro, foi apresentado à editora, por carta registada, para eventual publicação, em tempo oportuno, acompanhado de fotocópia do bilhete de identidade da autora, depois de registado na entidade competente;

Em doze de Julho de dois mil e quatro, a oficina dos livros, na pessoa da Dona Tita Lívia, respondeu à autora, dizendo que não iriam publicar a obra, agradeceu o contacto e referiu que não se responsabilizaria pela manutenção do “manuscrito” escrito á máquina mais propriamente dito;

Uma vez que a autora tinha os direitos de autor acautelados, não se preocupou com o destino do “manuscrito”, que imaginou logo a ser guilhotinado, como se a lombada dele fosse o pescoço de Maria Antonieta. A autora tem em casa vário CDS com o texto a que, entretanto, fez ligeiras alterações; Além de que, a inação da autora nunca poderá ser entendida com autorização tácita para, fosse quem fosse, esfrangalhar a sua obra, e o silêncio também não pode ser entendido com a mesma validade de tácita autorização.

Em doze de Maio de dois mil e oito, qual não foi o espanto da autora quando, depois de uma amiga lhe ter emprestado o Livro do Meio, ao ler as cinco primeiras páginas da 7ª edição, reconheceu de imediato a sua ideia, algo modificada, as suas personagens também alteradas, e muitas das suas palavras, de que, só para ilustrar esta petição, se menciona aqui a célebre “hérnia discal”, comum às personagens masculinas César, o “Cara de Anjo”, do Livro “ O Sexo Forte” e de Gabriel, o “anjo”, de “O Livro do Meio”.

Com efeito, a editora e os autores do Livro do Meio não só privaram autora de ser reconhecida como escritora, como ainda se aproveitaram da sua obra para, uma e outros, tirarem proveitos patrimoniais quando publicaram o Livro do Meio por alturas de Junho de dois mil e seis.

Tanto assim é que, até à sétima edição do Livro do Meio, nas seis anteriores, tinham sido vendidos trinta mil exemplares, tal como vem mencionado na capa da referida sétima edição;

Mais requerem, a autora e as personagens, que à primeira seja atribuída a indemnização cível de duzentos e cinquenta mil euros, a título de danos patrimoniais e morais, cento e vinte e cinco mil por cada uma das espécies de danos sofridos.
Todos os queixosos se reservam o direito de se constituírem assistentes nos autos.

São elementos de prova:
Documental:  “O sexo Forte” – Memórias de um Ressuscitado, “O Livro do Meio” e a “Sátira  do Livro Roubado”.

Pronto. Deve estar bem…
Só não sei quantas folhas havemos colocar na queixa para as subsequentes assinaturas. Só cavalos são três, cisnes quatro ou cinco, patos há uma série deles e galinhas também. Temos ainda o Jerry, o cão, que hoje teve uma atuação soberba na questão dos sapatos. Felizmente não há gatos. A Clara não tem grande afinidade com esses bichos, e o René ficou muito atrás no tempo, quando urinou nas obras completas de Jorge Luís Borges, lá na outra oficina dos livros francesa. Contudo, podemos contar também com as pombas, que, não sendo de ninguém senão da sua própria liberdade, vêm comer milho à quinta tranquilamente, sozinhas ou com as gaivotas, se o leitor quiser a história deste romance à beira-mar. A vontade é sua. Escolha o cenário preferido e coloque dentro todas as personagens, a loucura delas e a de quem lhes deu vida. Já agora, acrescente-lhe também a sua própria loucura.
Talvez não seja boa ideia dar a petição a ler a Mel Gibson. Afinal, não tem o português como língua mãe, e muito bem já a arranha ele para quem só se dedicou a ela por causa do contacto com a falecida Irmã Lúcia e a propósito do filme “A Paixão de Cristo”.
Quanto a Jamie, ainda deve ser pior. O rapaz pouco mais deve saber dizer do que “saudade”, porquanto, parece-me, é a sua primeira vez nesta terra de doidos que nos legou D. Afonso Henriques, povoada, quem sabe?, com subespécies humanas resultantes da Arca de Noé e outras atentas personalidades,  tão arrevesadas como esta gente toda.
Jamie está na cozinha com a velhota que se esqueceu da chupeta do bisneto no bolso do avental. Não sei o que estarão eles a tramar. As gargalhadas de ambos chegam até à tenda. Talvez ele esteja a experimentar a eficiência das frigideiras da Sara, virando e revirando panquecas naquele seu engraçado malabarismo. Já os autores da prevaricação literária, apesar de terem de novo os dois sapatos calçados, ainda permanecem na quinta à beira do lago dos cisnes. O Porta-Chaves lá saberá porquê... Ou será que não os quer privar dos excertos da ópera, “O Elixir do Amor”? Queira Deus que não se suicidem com vergonha. Só nos faltava agora atirarem-se à água e morrerem afogados, sujeitando-nos a ficar com o solar assombrado por oito almas penadas ruídas de remorsos pelo seu feito. Mal feito, aliás... Mas não. São cascas duras, julgam que têm quem os proteja, e, porque já venderam uns livritos, mostram-se perante nós como se tivessem o rei na barriga. Um rei finalmente nu. E não há-de ser hoje que sairão daqui oito funerais, acompanhados, sem merecimento, diga-se de passagem, por uma orquestra famosa e já com muitos réquiens às costas.
Dou a petição a ler à mamã e pergunto-lhe se está tudo. Questiono-a se ainda dúvida da minha inteligência, depois de ter ouvido dizer tantas vezes à Clara que eu não passava de um bacoco ignorante.
Ela elogia-me sem ponta de ironia. Diz-me, entretanto, que talvez não esteja tudo. Se reler o Livro do Meio mil vezes, mil vezes encontrará coisas rebuscados de “ O Sexo Forte – Memórias de um Ressuscitado.
A mamã, parece-me, tem, finalmente, orgulho em mim. Tendo-a, eu e a Clara, exposto tanto, vamos ser nós a ripostar aos ataques de oito lobos selvagens em busca de carne para canhão no universo português da escrita quando se mancomunaram, para, a partir de obra alheia e de um “Era uma vez atrativo, criarem mais umas quantas vidas de faz de conta.
Ah, a propósito, agora que eu, César Augusto, estou reconciliado com a minha criadora, em abono da verdade tenho de voltar com a palavra atrás e confessar que a Clara, na cama, era boa como o milho. “A César o que é de César “ou, simplesmente, “suum cuique”. Ou, ainda, “a Deus o que é de Deus”. É preciso que fique tudo no sítio, embora nunca vá abdicar dos meus conceitos eróticos e da Escola Linguística César/Gabriel iniciada neste romance.
Quanto a Clara, também lhe ficava bem desdizer tudo quanto propalou a meu respeito no “Sexo Forte”. Hoje sei muito bem que não me chamo César Augusto coisa nenhuma. Também não sou um autor latino de nome Montanus que tivesse produzido quaisquer escritos como a charada da “Montanha Russa” levou os parodiantes a afirmar. A verdade é como o azeite, vem sempre à tona da água.
A mamã, depois de ver os meus dotes de jurista, prevendo a eventualidade de os parodiantes quererem chegar a acordo, manda-me fazer um esboço do mesmo. Afinal, a última palavra é dela. Enquanto andei lá pela universidade sempre ouvi esta máxima: “vale mais um mau acordo do que uma boa demanda”, só para continuarmos na área dos provérbios, mas agora jurídicos. Ela tem razão. Na minha modesta opinião, a editora e os autores de “O Livro do Meio” só têm a ganhar. Não ficam mal vistos, nem em tribunal, nem perante os seus leitores, caso o assunto extrapole as fronteiras da privacidade e se vá estatelar nas ruas perversas da publicidade, de que a televisão, os jornais e a rádio tanto gostam. Já para não acrescentar a popularidade que o YouTube tem, hoje em dia. Além do mais,  aqueles senhores, ali com o Porta-Chaves, poderão continuar a escrever livros e usar a sua capa de pessoas honestas. Tenho de vestir bem a pele de advogado do diabo e tentar antever os argumentos da contraparte. É claro que, se eles vierem com a história de sete opiniões necessárias para que uma editora decida se deve ou não publicar um livro, atiro-lhe com aquela do Prémio Nobel à cara,  e lembro-lhes um dos ditados quanto ao número sete: sete é a conta dos mentirosos...
Convenço a mamã a não se preocupar agora com o acordo. Estando a queixa-crime concebida e assinada por todos, incluindo aves e animais, elaborar o acordo é como beber um copo de água. Mas, desta vez, sem excitação semelhante àquela que desencadeou na Dona Tita Lívia e nos autores do Livro do Meio a vontade de produzirem um livro a partir do erotismo de “O Sexo Forte” – “Memórias de um Ressuscitado”,  em que sou como um Adónis,  ou outro qualquer ser belo da Grécia Mitológica. Ou mesmo da Mitologia Romana…
Depois de ter assinado também a petição, é altura de ver se Gabriel já providenciou o champanhe para os músicos.
Enquanto toda a gente está reunida na grande tenda, não deixo de me interrogar sobre as lesões psicológicas que todas estas intrigas, mentiras e livros terão deixado na nossa cabeça. Sobretudo nas mais frágeis como a de Sara… Os danos físicos, esses estão bem evidentes em alguns de nós: nomeadamente no corpo do Homem-Pergaminho,  cujas tatuagens de um código maluco tendente à descoberta do elixir da treta lá permanecerão perpetuamente. Isto se ele não quiser removê-las com dor idêntica à que sofreu quando teve a brilhante ideia de se transformar no Deus Mercúrio, o mensageiro de boas e más novas, conforme o humor do Olimpo e dos seus gestores.
Espero ordens da mamã. Ela diz-me que é talvez tempo de ouvir a música e acabar com esta comédia.
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Maio 25, 2024, 13:29:23
Hoje, o Figas veio aqui, desejar a todos um bem-estar na vida, da melhor maneira vivida.FigasAbraço
Novembro 30, 2023, 09:31:54
Bom dia. Para todos um FigasAbraço
Agosto 14, 2023, 16:53:06
Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
Janeiro 01, 2023, 20:15:54
Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
Março 16, 2021, 12:35:25
Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
Março 10, 2021, 20:33:13
Boa feliz noite para todos.
Março 05, 2021, 20:17:07
Bom fim de semana para todos
Março 04, 2021, 20:58:41
Boa quinta para todos.
Março 03, 2021, 19:28:19
Boa noite para todos.
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