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Autor Tópico: António Simplesmente -10  (Lida 4481 vezes)
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Nação Valente
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outono


« Responder #15 em: Outubro 13, 2022, 18:31:26 »

Entre a sedução e o ciúme

As férias em Oliveira do Dão, as primeiras que tive na minha vida, criaram-me a ilusão que a felicidade era um dado adquirido. António, então seminarista mas mestre na área da sedução, convenceu-me que o seu caminho não era a vida sacerdotal, e que estava preparado para assumir a nossa relação amorosa como o prelúdio de uma vida a dois.
No regresso a Viseu, pude retomar os meus estudos para professora primária e o António regressou ao seminário, para continuar os estudos de Teologia. Seria na sua opinião um interregno para ganhar tempo, na concretização do nosso casamento. Mas os sinais que começaram a surgir nesse período, deixaram-me de pé atrás. Não que o António mostrasse mais entusiasmo pela vida religiosa, mas, pelo contrário, refinou a sua veia namoradeira.
Numa visita à que me fez apanhei-o a arrastar a asa a uma hóspede da nossa casa, a Anabela, que sem fazer jus ao nome, era bem feinha. Foi o que disse ao António com todas as letras numa primeira manifestação de ciúme, irmão gémeo do amor. Em certo sentido, assobiou para o lado, e tentou tranquilizar-me.
A maior desilusão estava para chegar. O seminarista por quem me apaixonara, pondo em causa a minha fidelidade a normas religiosas enquanto devota, continuava a espalhar a sua sedução, junto de outras mulheres. De tal modo o fazia e com tanto descaramento, que passou a ser conhecido como o “troca tintasâ€. O caso que mais me ofendeu e quase me tirou a alegria de viver, foi com a minha irmã Genoveva, que começou a acusar-me de desavergonhada, por desencaminhar um homem do clero, como se a iniciativa tivesse sido minha, e como se se pudesse mandar no coração Desavergonhada foi ela ao tentar afastar-nos para ocupar o meu lugar. Nessa altura, como irmã mais velha, incentivava-me para ir para a vida religiosa, conseguindo que fosse para o convento, com o intuito de aprender lavores. E aí, na minha ingenuidade comecei a perceber, que isso não passava de um estratagema para me castigar por amar o António. Foi um tempo difícil onde sofri a maldade das pessoas, incluindo a da  madre superiora, que tinha mais de satânica que de santa.
Comecei a sentir-me perdida, e quando terminei o meu curso de professora primária, foi com alívio que aceitei a nomeação para uma aldeia serrana, para onde fui acompanhada por uma tia solteira. Mentia se dissesse que consegui esquecer o António, via-o como uma alma gémea, da qual não me podia separar. Mentiria, se de igual modo, escondesse que tive outros pretendentes. Na aldeia de Cerro Mouro, homens de bons pertences rondavam-me a porta. Nunca lhes dei qualquer esperança. Nunca fui “troca-tintasâ€.
O afastamento de António não me fez esquecê-lo. A sua ausência fez crescer a saudade. Ansiava vê-lo, enquanto me refugiava no trabalho de ensinar a ler e a escrever as crianças daquela aldeia perdida, para que fossem cidadãos menos ignorantes, e pudessem ter esperança num futuro melhor. Também me refugiava na poesia, arte que sempre apreciei, escrevendo modestos poemas nas longas noites desse inverno de 1907, de entre eles este dedicado a António, e talvez premonitório.

  Sabeis quem era aquele jovem bom
Que praticou a pura luz do amor
E de quem faço verdadeira História?
Aquele mesmo que de si fez dom
Total à pátria e lhe deu pendor
Da reconquista da perdida glória?
Não é preciso adivinhar completamente
Sabeis quem foi?
Foi António Simplesmente (1)

Nas férias da Páscoa não resisti à sua ausência e regressei a Viseu. Na Sé decorria a procissão pascal, e António seguia no cortejo. Ao passar junto a mim entregou-me a palma que trazia na mão. Atrás seguia o Deão e senti-me embaraçada, mas feliz. Será que António depois das suas aventuras, regressava para mim?

1 – Publicado num antigo livro da antiga 3ª classe. (modificado)
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Maria Gabriela de Sá
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« Responder #16 em: Outubro 14, 2022, 21:28:06 »

Oxalá tenha regressado.
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Dizem de mim que talvez valha a pena conhecer-me.
Goreti Dias
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« Responder #17 em: Outubro 15, 2022, 19:43:48 »

Estou em crer que sim!
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Goretidias

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outono


« Responder #18 em: Outubro 18, 2022, 18:32:37 »

António Simplesmente - 10

Quem nunca pecou que atire a primeira pedra

No ano de 1908 António acabou o curso de Teologia, e voltou para Oliveira do Dão, onde já era tratado como senhor padre, e para onde me desloquei mais uma vez para passar férias. As minhas dúvidas sobre a relação amorosa com um seminarista, continuavam a atormentar-me e a entrar em choque com as convicções religiosas. Ganhei coragem e contei ao confessor a paixão que tinha por um homem em transição para o sacerdócio. Arrisquei, vir a ser excomungada, mas precisava de ultrapassar a angústia que me oprimia os dias. Estranhamente, aquele padre, recebeu a minha confissão com serenidade, não me considerou pecadora, e deu-me um conselho que registei com agrado.
“Sou um servidor da Igreja , mas um homem livre. Leio e sigo os evangelhos, com a subjectividade que nos caracteriza. Vejo Madalena da Galileia como uma pecadora perante a sociedade da época, acusada de vender o seu corpo. Perseguida ferozmente pelo clero, acabou por ser condenada a apedrejamento. Deus deixou os mandamentos, mas não intervém na sua interpretação, nem na sua aplicação. E porque a natureza humana é imperfeita e pecadora, mandou Jesus para mudar os desvios, incluindo os da classe sacerdotal. Não foi por acaso que apareceu no local de aplicação da sentença a Maria Madalena, com a mensagem “quem nunca pecou que atire a primeira pedraâ€.
Madalena, és uma simples mortal com virtudes e defeitos, e também serás pecadora, mas amar não é pecado. Se tu e o António se amam devem dar espaço a esse amor. Fala com ele e pergunta-lhe se pretende contrair matrimónio. Se assim for tens o meu apoio e a minha bênção.â€
Ao ouvir estas palavras vindas deste estranho homem da igreja, não consegui perceber as sensações que senti: alegria, esperança, admiração, receio. Passado o momento, reflecti e deixei-me levar por essa espécie de empurrão, para o local dos meus desejos. Parti para Oliveira do Dão, com certa leveza, acompanhada pela irmã Genoveva que me seguia como um cão de guarda da honra. Da minha, não da sua. Mais que irmã era um pesadelo. Fui decidida a pôr tudo em pratos limpos.
António e a sua família receberam-nos com a habitual amabilidade. Os nossos agradáveis passeios eram ensombrados por essa sombra negra, chamada Genoveva. Não tinha pudor em procurar seduzi-lo. E ele acedia à sua sedução, talvez para me causar ciúmes. Era nesse pensamento que me refugiava, como forma de confiar na sua fidelidade. Iam as férias a meio quando resolvi passar ao ataque. Se António não fosse para mim também não seria para a Genoveva. Aproveitei um momento em que consegui estar a sós com António, e sem papas na língua e devaneios amorosos, fui directa ao assunto.
- António, a nossa relação com altos e baixos, não parece tomar um rumo. A pergunta que faço é se pretende ou não contrair matrimónio. Eu estou preparada e decidida.
António ficou em silêncio durante um tempo, que me pareceu uma eternidade
- Madalena, apanhou-me desprevenido. Já lhe tinha dito que pretendo constituir família e que conto fazê-lo quando estiverem reunidas todas as condições. Posso garantir que começo a perceber que não sinto vocação para a carreira eclesiástica. Nunca disse a ninguém, mas para mostrar que as minhas intenções são sérias, digo-lhe que decidi ir para Coimbra estudar Direito, um caminho que precisa de muita concentração. Precisa de ter paciência.
Tinha feito vinte e dois anos e a paciência estava a esgotar-se. Perdida por cem ou por mil dava o mesmo, e decidi arriscar, mesmo que deitasse tudo a perder. A ida de António para Coimbra, onde as tentações eram muitas, durante anos, não me deixava descansada, tendo em conta a sua qualidade de troca-tintas. Deitei para trás das costas todos os preconceitos e decidi jogar no limite. Ainda hoje penso que não consigo perceber aquele momento, um lapso de loucura, numa vida muito equilibrada.
No dia seguinte estava preparado um passeio ao Buçaco. Ao levantar-me disse que não me sentia bem e que não poderia ir. António ficou desconfiado e ao mesmo tempo preocupado. O passeio ficou adiado, e a dona Maria colocou-me num anexo que era usado para alojar hóspedes de passagem, onde me recolhi, acolhendo-me à cama e esperando que António me visitasse.
O que aconteceu causou-me grandes complexos de culpa. Mais uma vez me senti pecadora, e uma desavergonhada nas palavras da minha irmã. A avaliação dos meus actos seria feita pelas bocas do mundo. Tive de ganhar força para fazer a minha instropecção e seguir em frente. As acções que praticamos com consciência, devem ser assumidas com todas as consequências. Posso ter tido um comportamento reprovável, mas não me arrependi.
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Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
Março 25, 2021, 20:24:17
Boia noite para todos.
Março 22, 2021, 20:50:10
Boa noite feliz para todos.
Março 17, 2021, 15:04:15
Boa tarde a todos.
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Olá para todos!
Março 13, 2021, 17:52:36
Olá para todos!
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Boa noite feliz para todos.
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Bom domingo para todos.
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