Contra-indicações

[Maria Gabriela de Sá]

Quando eu lia bulas de medicamentos
Indicações e efeitos secundários
As gordas e as magras do jornal
Menos o futebol
E desporto em geral
Tudo a eito com poucos interregnos
Eu gostava de ler mas não tinha dinheiro para livros
Nem para muitas outras coisas de que precisaria.
Quando eu lia
Ainda no jornal
Os acidentes com mortos, feridos e muito sangue
Os furtos, os roubos e burlas nas suas modalidades
Mais um conto do vigário
Quando
Frente a frente
Estavam aproximadamente dois embusteiros
Eu gostava de ler e tudo era como fora até aí.
Quando eu lia os anúncios de emprego
O cartaz dos cinemas
E até
Na página de  necrologia
Passava os olhos sobre os mortos
Na sua última oportunidade de serem uma espécie de figuras públicas por um dia
Eu gostava de ler
Mas tudo era como sempre foi, não tinha dinheiro para livros.
Quando eu lia tudo o que apanhava pela frente
As novelas cor-de-rosa
Que me faziam sonhar com amores bem-parados
Mais do que perfeitos  e selados com um beijo na última página
Quando eu lia os romances de capa e espada
Com heróis, vilões e cavaleiros
Amadas donzelas e odiadas bruxas
E lia até os livros proibidos da lista do Index
Eu gostava de ler, mas o dinheiro para comprar livros nem por isso gostava de mim.
Hoje
Gostando de mim o dinheiro quanto pode
Posso eu comprar livros
Mas quase já não me apetece lê-los
Por causa de umas quantas coisas
O não haver jornais como antigamente
Por causa ainda dessa invenção da Internet e Facebook
E ler hoje aí muito do que não  deveria
Como então lia nos jornais
As gordas e as magras
Linguados, caixas altas, caixas baixas
E ser eu própria uma pseudojornalista de notícias e romances que a ninguém apetece ler.
Nem a mim.
Agora escrevo coisas assim
Quando já não me apetece ler o que deveria:
Nem sequer as bulas dos medicamentos e respetivas contra-indicações….
Gabriela Sá