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Autor Tópico: António e Aquilino  (Lida 2264 vezes)
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anamarques
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« em: Maio 19, 2008, 11:12:47 »

Desta vez começo pelo fim. A última coisa que li foi uma entrevista do António Lobo Antunes. Mais uma. Sim, tenho lido muitas (já os últimos dois livros aguardam serenamente na prateleira). Quase todas muito semelhantes. O José Cardoso Pires, os autores preferidos (Gogol, Tchékov, Tolstoi...), a época da guerra, as divergências com o Saramago, o mundo editorial, a doença recente, e mais umas tantas coisas. É sempre interessante ouvir falar este António. Mas o que me chamou a atenção, o que foi original nesta entrevista de nove páginas de Carlos Vaz Marques, publicada no jornal de letras, é a sua referência aos clássicos portugueses.

Diz ele: “ Olhe, tenho estado a reler os clássicos portugueses. Clássicos! Não gosto da palavra. Fernão Lopes, por exemplo. É extraordinária a Crónica de D. João I . Ele consegue mover o livro como Cecil B. De Mille movia um filme. Aquele levantamento de Lisboa é extraordinário. É escrito em cinemascope.

Não gosta da palavra “Clássicosâ€. Percebo bem porquê. As pessoas  associam a palavra a algo de ultrapassado, aborrecido, desinteressante e obsoleto. Como se as pessoas que se tivessem desencontrado connosco por décadas, séculos ou mesmo milénios fossem de uma espécie diferente, sem qualquer ponto em comum. O que é fácil de concluir que não é verdade.
A literatura é a uma das nossas reais máquinas do tempo ( arqueologia é outra). É um instrumento que nos permite viajar no espaço-tempo e contactar com quem viveu noutras épocas e noutros locais.
E ela funciona em duas direcções. Também podemos conhecer civilizações do futuro: lendo ficção científica.
Júlio Verne, por exemplo, deu a conhecer aos seus contemporâneos a civilização do século vinte.
Recusar os “clássicos†é recusar a viagem mais fantástica de todas. E cometer um erro crasso: achar que o Homem actual é mais habilitado mentalmente que o que viveu até há uns anitos atrás.
O  verdadeiro clássico mantém-se sempre actual.

Recuando até ao princípio do ano: comecei 2008 a ler Aquilino Ribeiro. Com ele recuei ao início do século vinte. E tem sido uma viagem deliciosa.
O meu primeiro livro foi o “Quando os Lobos Uivamâ€.  Escrito no final da vida do mestre, em pleno Estado Novo, encerra uma dura crítica social e política que não escapou ao regime. O livro teve portanto a sua primeira edição no Brasil. 
Foi o mais difícil de ler porque, por ser o primeiro eu ainda estava “ virgem†em relação às “palavras do Aquilinoâ€. Tive de o esmiuçar de uma ponta à outra. Com a ajuda de vários dicionários. Mas valeu a pena. E a critica, com particular enfoco no sistema de justiça e no funcionamento dos tribunais está actualíssima!
O meu segundo foi o “Malhadinhasâ€. Outra maravilha. Embora bastante mais fácil de “traduzir†não deixei de o ler duas vezes. Ou seja, obtive o prazer a dobrar. O herói da história é o típico habitante da aldeia serrana de onde o escritor é originário: A Beira Alta. Destemido, impulsivo, sanguinário, o Malhadinhas vive com a navalha pronta para a luta mesmo temendo os caldeirões ferventes dos Infernos. Almocreve de profissão consegue quase por milagre chegar a velho. E no final lembra-se da frase que o pároco lhe havia vaticinado numa longa tarde em que perdidos pelos montes iam perecendo devido ao nevão e aos lobos : “ arrieiro no tarde chora por arrieiro, naja por cavaleiroâ€
Vejamos como o abade se explica melhor: “ acredita, quando fores velho e que os netos se engatinhem pelas pernas, hás-de ter saudades destes tempos, com invernos que arrastam as pontes, neves que cegam a gente, fome, sede, sono, pelos caminhos compridos de viandantes. Oh, se hás-de ter! E se pudesses voltar a trás não escolherias outra vida....â€
Até este ponto tinha andado a surripiar livros de Aquilino que os meus avôs tinham nas estantes, esquecidos. Eram poucos. Felizmente que na net hoje em dia se vende e compra de tudo. Consegui sete volumes em segunda mão, de uma antiga colecção  do Círculo dos Leitores.
O meu terceiro foi o “ Terras do Demoâ€. Uma verdadeira obra prima. (Pedro Sequeira Lopes, tinhas razão!)
Sobre tais terras diz o autor: “...dessas aldeias montesinhas que moram nos picotos da Beira, olham a Estrela, o Caramulo, a cernelha do Douro, e, a norte, lhes parece gamela emborcada o Monte Marão. O vale que as explora, trata-as despicientemente por Terras do Demo. Sem dúvida, nunca Cristo ali rompeu as sandálias, passou el-rei a caçar, ou os apóstolos da Igualdade em propaganda. Bárbaros e agrestes, mercê apenas do seu individualismo se têm mantido, sem perdas nem lucros, à margem da civilização.â€
O livro cola-se a nós como uma lapa e nem depois do final, inesquecível, nos liberta. Passeio com o meu na mala para todo o lado. Leio e releio passagens.
Um dia, há muitos anos atrás, no tempo dos dois canais únicos de televisão com taxa paga, assisti a um curioso filme de ficção cientifica. A actriz principal era a Julie Cristie muito loira e linda. O actor não me sendo desconhecido não era do meu conhecimento nem sequer seria muito famosos pois a minha avó Celeste, minha companheira fiel de cinema também não o soube nomear.
A história era tão interessante que nunca mais se me apagou da memória. Numa  época do futuro era proibido ler livros. O livro era o objecto proibido. Porque não era permitido pensar. Para proteger as pessoas de se emocionarem e com isso sofrerem. Todos os dias os Bombeiros faziam buscas às casas dos civis para procurar livros que apreendiam e queimavam na praça pública em monumentais fogueiras.
Era muito arriscado ter livros em casa. O herói do filme era bombeiro. Até que  por curiosidade pegou num dos livros que era suposto ajudar a queimar. Ficou transtornado com a beleza do que leu e emocionou-se tanto que até chorou. A mulher ficou horrorizada e denunciou-o às autoridades. Ele teve de fugir. Passou a ser como os outros que tinha perseguido a sua vida inteira. Por coincidência encontrou uma mulher da resistência, que era a cara chapada da sua esposa (a Julie fazia os dois papeis...)
E descobriram juntos uma coisa magnifica: uma população de pessoas-livro!
Como era demasiado perigoso ter livros, cada pessoa decorava o seu livro  preferido  ficando com a responsabilidade de o transmitir aos outros. Lembro-me de duas moças irmãs que eram o “ Orgulho e Preconceito I†e o “ Orgulho e Preconceito IIâ€.
Penso muitas vezes nesta ideia. Que livro é que eu decoraria? Durante muitos anos imaginei que seria o “ Cem anos de Solidãoâ€. Afinal já o li cinco vezes e o primeiro parágrafo já o memorizei sem querer. Mas depois do “Terras do Demo†mudei de opinião. Deve haver mais candidatos para o livro famoso do Gabriel Garcia Marquez.
O meu quarto livro foi uma obra recentemente reeditada pela Bertrand: “Um Escritor Confessa-seâ€, do Aquilino, pois claro! O segundo prefácio é de Mário Soares que chegou a conhecer o autor pessoalmente, pois republicano que era fora amigo de seu pai. O primeiro prefácio é de José Gomes Ferreira. Vale a pena ler o que diz. Deixo apenas a parte que achei mais curiosa: “No fim da vida, em pleno vigor e subtileza técnica (lembremo-nos da viagem de Telmo e Dionísia na caleça de A Casa Grande de Romarigães), desmentia os leitores opacos, com o paradoxal espírito de superioridade dos ignorantes com o confessarem-se analfabetos, espalhando a torto e a direito que só conseguiam lê-lo de dicionário em punho. Como se um escritor devesse limitar-se a aprender a arte de embalsamar as palavras de todos os dias e não ousar arrancá-las dos sepulcros e estratificações do tempo, reinventando-as completando-as até, ressuscitando enfim o que parecia morto para sempre.â€
E eu a pensar que era a única que tinha de pedir auxílio ao dicionário para compreender as palavras de Aquilino. Não tenho qualquer problema em confessar a minha ignorância. Não terá o arqueólogo de usar a pá para descobrir os tesouros enterrados na areia?
O prazer que me dá esmiuçar as  frases de Aquilino é algo de tão precioso, tão bom que este é de facto um escritor que não vou largar até ao fim dos meus dias. É magnífico!
O meu quinto foi a “ Grande Casa de Romarigãesâ€.
O livro abarca um longo período de vários séculos e conta a história das famílias que habitaram o solar dos Menezes e Montenegros. Tem portanto grande conteúdo histórico e é outra obra prima da literatura. Ah, e a viagem de caleça do parzinho referido pelo José Gomes Ferreira é das coisas mais sensuais que li até hoje...
Neste ponto fiz uma paragem na “Viagem de Aquilino†e intervalei com algo completamente diferente que ficará para uma próxima crónica.





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Marília
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« Responder #1 em: Maio 19, 2008, 12:39:05 »

esperaremos pela próxima e todas as outras!  Azn
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Marília L. Paixão
britoribeiro
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« Responder #2 em: Maio 19, 2008, 12:45:51 »

Já tinha pensado em "pegar" no Aquilino e esta crónica aumentou o meu interesse.

Abraço
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anamarques
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« Responder #3 em: Maio 19, 2008, 17:20:50 »

Obrigada, Marília. Kiss

Fico contente por ter despertado esse interesse no Aquilino. Esqueci-me de dizer que " A Grande Casa de Romarigães" também foi reeditado pela Bertrand. Tem ilustrações de Abel Manta. O livro é muito bonito. Eu comprei a nova edição e estou muito contente. Um abraço.
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Goreti Dias
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« Responder #4 em: Maio 19, 2008, 17:58:32 »

Decorar livros... Deus nos acuda!
Um belo texto, num óptimo registo!
Um abraço
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Goretidias

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Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
Abril 04, 2021, 17:43:19
Bom domingo para todos.
Março 29, 2021, 18:06:30
Boa semana para todos.
Março 27, 2021, 16:58:55
Boa tarde a todos.
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Boia noite para todos.
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Boa noite feliz para todos.
Fevereiro 28, 2021, 17:12:44
Bom domingo para todos.
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