Já dormes

[Pedro Ventura]

Solto o olhar da televisão e vejo que já dormes. Adoras adormecer no sofá. Nem a novela que acompanhas viste. Compreendo que andas cansada, o teu trabalho é duro e são muitas horas fora de casa, mas perdeste uma reviravolta importante do enredo. Afinal aquele personagem mostrou uma faceta bem diferente daquilo que fazia aparentar. Mas amanhã conto-te. O teu respirar é quase um ressono. Tens de ir ver essa tua sinusite. Este frio apanhou-nos desprevenidos. Vou ligar o aquecedor no quarto. Levava-te ao colo para a cama, como no dia em que saí contigo da igreja e tu, lindíssima, vestida de branco, mas os teus quilinhos a mais e a dieta mal cumprida não ajudam, e a minha hérnia discal também não. Sabes bem que o doutor Almeida me recomendou não fazer grandes esforços. Gosto de te ver assim a dormir, mas tens de largar esse vício se não também ficas com a coluna avariada como eu. Fico feliz com o teu descanso. É bem merecido. Esmeraste-te no jantar, estava muito bom, apesar de estar um nada salgado para a minha tensão. Bendita hora em que te conheci, mulher. Eu vou andando, ainda vou ler umas páginas do livro que tenho na cabeceira, estou embrenhado na história e ainda só vou no primeiro capítulo. Sei que não gostas muito de ler, gostava que me acompanhasses na cama a ler, mas isso pouco importa. Não te vou acordar, se não ficas birrenta. Tenta não chegar tarde, sabes bem que me custa adormecer se não estiveres na cama. Sinto-te sempre a entrar de mansinho para dentro dos cobertores, aninhares-te, e a me dares um beijo de boa noite. Não demores. Talvez ainda façamos amor. Se não fizermos também não interessa. Amanhã conto-te o que se passou na novela. Deixa-te ficar no sofá, gosto de te ver assim. Vou deixar o teu pijama em cima do aquecedor.

2007

[Goreti Dias]

Gostos e casnsaço diversos... Uma crónica do quotidiano.