jcbrito
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« em: Junho 20, 2008, 00:21:14 » |
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Vibra o portátil, toque real de música de tope. No mostrador, o número do irmão. Já estava à espera dela, estacionado numa carrinha renô laguna prateada, em frente à butique. Vou já para aí, nem dois minutos, até já. A vida corria-lhe, não admirava que andasse sempre de sorriso nos lábios nas páginas do jornal local. A partir do momento em que se apresentou, há cerca de um ano, seguia mais ou menos o seu percurso. Presidente de Junta, carreira meteórica no partido do poder, homem influente, até tinha sido eleito delegado ao congresso nacional e, quem sabe, antevia o quinzenário, não estará Manuel Azevedo na calha para a corrida ao hemiciclo de Belém? Quem haveria de dizer, o gajo, sempre um contrapeso, um lorpa, que levava tanga de todos, até dos mais novos, era hoje respeitado senhor fulano de tal, notícia de abertura, pasme-se, de telejornal regiões da antevéspera, não percebeu bem, não viu desde o princípio, algo relacionado com um certo repetente poliglota. Então, tudo bem? Pergunta disparatada, retórica balofa. Se estivesse tudo bem, obviamente não lhe tinha telefonado a pedir desesperadamente ajuda. E a quem se vê a braços com um assalto com um assassinato pelo meio não se pergunta então tudo bem. É como desejar boa noite à viúva na noite do velório e dizer-lhe que está com bom aspecto. Mesmo que seja verdade e que a viúva tenha efectiva necessidade de passar uma boa noite são coisas que nunca se dizem. Apesar de tudo, retribuiu vai estando e contigo? Na maior, até me teres ligado. Devia, de facto, estar tudo bem com ele. Fatinho hugobosse cinzento, gravata a condizer de coelhinhos da gante, sapato de vela também de marca e, claro, camisa Viquetor Emanuel de colarinho branco sem botões, a tal que os homens de sucesso não dispensam. Notava-se igualmente que tinha o cabelo, a pele e as unhas impecavelmente tratados, imagem cuidada, provavelmente aconselhada por um pablique rileichion de nomeada. E boa postura, cabeça levantada, controlador, timbre estereofónico de voz, gestos bem medidos e convictos. Vamos conversar, Maria de Lurdes? Para a loja? Não, para a butique não. Vamos dar uma volta no teu carro, preciso de espairecer. Não tinhas prometido um almoço? Olha que a coisa vai demorar um bocado, Manel… Tudo bem, vamos lá. Seguiram caminho até ali bem perto, ao parque urbano. Parou à sombra, certificando-se que não havia ninguém por perto que pudesse ouvir a conversa. Não era bom para ela nem para ele. Tás bem na vida. Não me posso queixar. E tu? Conta-me lá essa história desde o princípio. Lurdinhas contou. Tintim por tintim, com todos os detalhes. Desculpa estar a incomodar-te, mas não tinha mais ninguém. E esse Vítor, que é feito dele? Não sei, bazou. Estou farta de lhe tentar ligar, mas vai sempre para as mensagens. Tenta novamente, insiste. Queres ligar do meu, que é privado? Não se perde nada por tentar, deixa cá ver. O peixe mordeu o anzol, ao enésimo ensaio. O cigano acusou o gancho, mas não foi ao tapete. Lurdinhas, querida, que bom ouvir a tua voz. Se estás tão feliz, porque não me atendias? Liguei agora o telemóvel. Estou cheio de vontade de falar contigo, mas não devemos ver-nos nos tempos mais próximos. Há que deixar a poeira assentar, meu amor. Já vendi a mercadoria por bom preço. Depois, quando as coisas acalmarem, ligo-te e vamos viver à grande. Então e a merda que fizeste? Sou eu que vou ter que a limpar? Sozinha? Eu, que nem queria que isto acontecesse… Pois, mas vai ter que ser assim, que não podia ajudar, como tanto queria, porque, naquele momento, estava fora do país. Onde estás, Vítor?, Agora não podia dizer, mas jurou pelo amor que os unia que brevemente dava notícias e que, repetiu, a ia buscar. Maria de Lurdes percebeu que estava entregue à sua sorte. Vítor Gonçalves Arruda era uma carta fora do baralho. Por ora. Arriscou uma última tirada: e o gajo que está lá dentro, o que tu, sublinhou bem o tu, despachaste? Tuchê, ouviu-o inspirar fundo. Tens de o tirar de lá urgentemente. Hoje à noite, antes que os teus patrões voltem. Ninguém pode ligar os dois casos, compreendes? Leva-o para uma mata, para o fundo do rio, isso é contigo… Comigo?, essa é boa, meu merdas!, exaltou-se a modista. Que se acalmasse, nervos não levam a lado nenhum, nestas alturas, é preciso ter tomates, avisou, sabiamente. Desenrasca-te, tu hás-de conseguir… mas lembra-te: tens de tirar o mene da loja, levá-lo para outro sítio, a bófia não pode relacioná-lo com o nosso assalto. Agora, tenho de desligar, fofa. Um beijo. Conto contigo. E desligou.
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