Pedro Ventura
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« em: Agosto 09, 2008, 13:42:17 » |
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À primeira claridade daquela manhã de Outono, que entra pelos interstÃcios da janela e que, timidamente invade o aposento bafiento da noite, o homem acorda. O seu nome é Larry. Ainda faltava algum tempo para que o seu relógio bradasse a sua irritante sonância de despertar, mas iria levantar-se, como todos os dias, antes da hora. O relógio servia apenas como salvaguarda a um sono mais profundo. Para Larry, esse iria ser um insólito acordar. De olhos remelosos e cabelo desgrenhado, senta-se no limiar da cama para se levantar. Para sua estupefacção, não chegava com os pés ao chão. Esfrega os olhos com os nós dos dedos indicadores, numa tentativa de repelir aquela miragem que, pensava ele, ser ainda da modorra matutina que se apoderava do seu corpo e da sua mente. Olha de novo para baixo. Não, não era uma alucinação. Não chegava com os pés ao chão, e, estar sentado na cama, dava-lhe a sensação de estar sentado em cima dum alto muro. Depois, reparou nos seus pés. Não eram os seus pés, tinha a certeza. Eram bem diferentes e bem mais pequenos. Nem as mãos eram as dele, nem os braços… Não acordara no seu corpo, chegou à conclusão. Num acto de coragem, salta da cama e dirige-se ao armário e, num amedrontado frente a frente, encara o espelho. Abafou o grito agudo que sentia sair dentro de si. Ficou ali alguns segundos, a contemplar-se, até decidir o que fazer. Não se conhecia no seu corpo, mas conhecia o corpo com que se deparava. Não havia dúvidas. Dirige-se ao telefone, estica-se, e digita um número. - Sim?! – responde uma voz rouca do outro lado da linha, uma voz também acabada de se divorciar dos lençóis. - John?! John?! – diz, com uma voz aflitiva. - Larry?! - Sim, sou eu. - Que se passa, para me ligares a esta hora? - Aconteceu algo que não vais acreditar… - Que se passa homem, desembucha! - Hoje acordei duende! - Acordas-te doente?! Que tens? - Não acordei doente, acordei duende. - Se acordaste doente tens bom remédio, procura um médico para te tratar. Eu encarregar-me-ei de avisar lá na fábrica. - Não estou doente John, que raio! Estou duende. - Estás fanhoso ou quê?! Acordaste duende?!.. - Sim, como aqueles seres mitológicos pequenos, de orelhas pontiagudas, olhos grandes e esbugalhados… - Não me gozes Larry… Estás a tentar pregar-me alguma partida logo pela manhã?!.. - Falo a sério John, tens de vir para cá a correr. - Sim, já passo por aÃ. Espero que não seja mesmo uma partida… - louco, pensou. Passados trinta minutos a campainha toca, e Larry abre a porta. Estava tão alta a fechadura. Estava tudo tão alto, menos o chão. John entra e vê aquela figura à sua frente. - Larry, és tu? – diz-lhe, atónito. - Claro que sou. Eu disse-te que acordei duende. - Que horror! Como poderá ter acontecido isto? - Achas que faço ideia? Precisava de ti para me ajudares e para me confirmares que não estava a ter um pesadelo. - Sim, na verdade não é o Larry que está à minha frente. É um ser pequenino e engraçado que só tinha visto nos filmes. E que… - cortou a frase a meio, pensativo. – A voz é de facto a tua… - Não me gozes John, isto não é uma brincadeira… - Desculpa!.. E agora, que pensas em fazer? - Não sei. Não posso ir trabalhar assim, nem sequer posso sair de casa. - Sim, dificilmente acreditariam que eras tu. - Que imbróglio! Vamos pensar os dois e tentar arranjar uma solução. - Isto tem de ser mostrado ao mundo Larry!.. Eu já volto com uma solução. Passado um par de horas John torna, com um esgar efusivo e olhos brilhantes. Larry passara esse tempo a cirandar pelas divisões da casa, desesperado. - Já arranjei uma solução Larry! - Que engendraste tu? - Tens uma caixa ou uma saca onde caibas? - Para quê? - Logo verás. - Sim, ali no armário está uma caixa de cartão grande cheia de tralhas. John tirou a caixa do armário e tudo o que havia no seu interior, fez uns furos para o ar entrar e disse ao, agora, pequeno Larry, para se meter lá dentro. Pegou na caixa, desceu as escadas em passos lestos, e pousou-a no banco de trás do carro. Deu à ignição e dirigiu-se para os arredores da cidade. Quando parou o carro, tinha um homem anafado, com a barriga por fora da camisa, umbigo seboso, bigode farto e pele suada, à sua espera. Tirou a caixa do carro e entregou-a ao homem. Dele, recebeu um amontoado de notas enroladas e presas com um elástico, e saiu dali a todo o gás. Larry, mal sabia o que o esperava. Dias depois, o seu corpo foi dado como desaparecido, e o circo da cidade teve um estrondoso sucesso com a sua nova atracção: Larry, o Duende. Ao princÃpio, Larry não se habituou à ideia de ser uma estrela de circo, muito menos ao seu novo corpo. Mas o tempo, fê-lo gostar da sua nova casa e da sua nova profissão. Ensinaram-lhe algumas peripécias e as suas mordomias cresciam, à medida do seu sucesso e crescentes aplausos do público. Até que um dia, servindo o mágico num dos seus números, meteu-se na caixa negra, e aquilo que deveria ser uma ilusão acabou por se tornar a mais pura das magias. Larry, o Duende, desaparecera e nunca mais voltara à tenda, ao seio da comunidade circense, onde amealhou tanto sucesso. Acordara no seu corpo, na sua cama, a suar em bica e a delirar. Lá no fundo, ouvia apenas o murmúrio das vozes que o rodeavam, a dizerem: - O Larry está mesmo doente, temos mesmo de chamar um médico.
2007
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