Goreti Dias
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« em: Setembro 25, 2007, 08:21:03 » |
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Entre o presente e o passado...
O cruzar do presente pelas alucinações que cada vez mais aproximam o próprio tempo... até se tornarem um só!
15 horas! O tempo não passa neste escritório. Olho a paisagem e sinto um arrepio . O vento sopra. O pó levanta-se das pontas esguias dos pinheiros. Como num grito de socorro o vento uiva. Já devíamos ter sol, penso. E sinto frio! As nuvens correm, correm sem parar, num céu plúmbeo .Quase sinto o seu peso na minha cabeça. Parecem novelos de algodão que alguém maldosamente tenha embebido em chumbo liquefeito, de uma cor suja, antipática, frustrante... E o tempo que não passa! Pinheiros, cedros, mais pinheiros e eucaliptos até perder de vista. No alto do monte já mal distingo as suas copas, um caminho íngreme perde-se entre as voltas da encosta. Tudo parece inanimado. Tudo não, que o vento até parece gente e ruge enfurecido. As nuvens correm empurradas umas contra as outras, sobrepõem-se tornam-se mais espessas. Já não diviso a capela branca lá do cimo, uma cortina de água parece correr de lá para cá obscurecendo tudo, tornando impossível a minha visão. Abate-se sobre a terra uma chuva torrencial, diluviana. Mais perto, uma moradia branca assiste impávida à fúria dos elementos. Nada se move nessa casa. Há muito que ela me intriga. Nunca aí vislumbrei vivalma, nunca uma janela se abriu, uma porta bateu. No entanto, a moradia encontra-se bem tratada, a pintura está como nova. Tem telha vermelha, amplas portadas, mas tudo está fechado, imóvel e indiferente por trás de um pinheiro cujos ramos esguios parecem lançar a benção (ou a maldição) sobre aquele tecto. Chove agora com menos intensidade. Uma mortalha ténue e bailarina agita-se diante dos meus olhos, enlaça casa e árvore num mesmo abraço, rodopio louco, espasmo dilacerante... Pasmo! A larga portada de madeira abre-se. Vejo distintamente(estranho! A chuva devia impedir-me esta visão tão nítida!) uma sala iluminada, um sofá, uma lareira e um grupo de pessoas. Tudo parece tão simples, mas a visão rasga-me a alma. Não ouço o que dizem, ou não quero ouvir, ou não ouvi, ou não me recordo...
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Dois olhares fixos, tão parados que parecem estar sob efeito de hipnose atraem-me, não consigo pensar nem retroceder. Eu estou neles ou sou um deles. O olhar azul, límpido, dói. Que fogo emana dele que parece queimar? É gelo e cristalizou ou está a liquefazer-se debaixo de tanto calor? Nada importa a não ser os momentos mágicos que ela dura. Não estranharia se esquecessem tudo o que os rodeia e se lançassem nos braços um do outro. Mas não o fazem, não o fariam nunca. Aquele olhar não é de um desejo, mas do Desejo, de uma ânsia de Infinito, de Absoluto, de Tudo que não há nem pode haver. Uma a uma as pessoas vão-se afastando. A lareira coloca, agora, reflexos alaranjados nos seus olhos brilhantes. Tudo parece suspenso. O silêncio só é quebrado pelo crepitar do fogo. Levantam-se e tudo parece acontecer num filme em câmara lenta. Aproximam-se de mãos estendidas, tocam-se como que a medo, dedo a dedo, palma a palma, querendo comprovar a existência física um do outro. Ele aproxima-se mais e toca-lhe os cabelos, levanta-os e deixa-os esvoaçar. - Que lindos cabelos tens!
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E a magia quebrou-se. Para que falaste se te não posso ouvir? Parou a chuva (ou não a vejo), parou o vento (ou não o ouço). Olho o caminho lá longe que se estende, se alarga, se macademiza...
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