Pedro Ventura
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« em: Agosto 12, 2008, 21:15:19 » |
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- Quando é que foi isso? - Ontem no meu turno da noite… Mas deixa-me contar-te a história toda… - Sim, continua. - Tinham-me pedido para levar duas latas de Coca-Cola ao quarto 505, porque tinham acabado as do mini-bar. Eram umas três da manhã, e tudo estava em silêncio. Subi no elevador e dirigi-me ao quarto tal como me tinham pedido. Ao chegar, apercebi-me que a porta estava semi-aberta, e, como ninguém me respondeu, entrei. - Não te assustaste?! - Ao princÃpio sim. O quarto tinha pouca luz e quando me deparei com aquele cenário é óbvio que me assustei. - Nem posso imaginar… - Naquele hotel já vi coisas muito bizarras, mas como esta nunca! Lembraste quando te contei aquela história de um homem que deixou a amante presa à cama?… E aquele escritor obsessivo que se fechara um mês no quarto e que gritava enfurecidamente quando lhe batiam à porta?... - Sim, esse hotel é deveras bizarro… - Coincidência, é que é sempre no mesmo quarto que acontecem estas coisas… Mas esta foi demais! Parecia que de chofre tinha caÃdo no meio de um thriller de Hollywood... Já me imaginava rodeado de polÃcias a interrogarem-me como principal testemunha…Ou quem sabe, como principal suspeito. A minha cara em todas as capas dos jornais e na televisão... - E quando ele te convidou para te sentares à mesa, que reacção tiveste? - Obedeci e sentei-me como ele me mandara. - Não te ameaçou? - Nem por palavras. Convidou-me a sentar-me com ele como se nada se tivesse passado. Na verdade, até tinha um ar bastante sereno e sóbrio. Acho que nem tinha bebido… Pelo menos no tom de voz não me pareceu que tivesse ébrio. - E a mulher?! - A mulher estava espraiada no chão, nua – diga-se que tinha um corpo escultural; que era um belo pedaço de mau caminho -, de olhos arregalados e roxos à volta, ensanguentada e amordaçada, e com uma faca enorme ao seu lado. O meu primeiro pensamento foi fazer disparar o sinal de alarme dos incêndios, e tentar pedir ajuda, mas depois… - Depois convidou-te a sentar e tu obedeceste… - Que mais poderia fazer?! - Pois!… E a conversa? Que conversaram? - Primeiro perguntou-me o nome, depois, se gostava do meu trabalho, se estava com receio dele… - E tu?! - Respondi que não. Mas no fundo as minhas pernas tremiam como canas ao vento e o meu coração pulava como se tivesse acabado de fazer uma maratona. Todavia, a conversa acabou por ser banal. Até fiquei com a impressão de não ser má pessoa… - Hum! - Depois, do nada, perguntou-me se gostava de arte. - De arte?! Estranho! - Sim, de arte. - E tu?! - Eu fiquei sem saber o que responder… De arte pouco ou nada sei… Aliás, nem sabia a que tipo de arte ele se referia... De mais a mais, a pergunta pareceu-me um pouco desproporcionada à quele contexto. - E depois?! - Depois é que me assustei a valer… - Continua. - A mulher levanta-se e dirige-se ao tabuleiro que eu deixara em cima de uma mesinha junto ao sofá, tira a mordaça, abre uma Coca-Cola e começa a beber sofregamente. Depois vira-se para ele e diz-lhe: “ Vamos lá despachar isto, que quero ir tomar banho e deitar-me, estou cansadaâ€. Só aà é que deslindei o enigma. Ela voltou para o chão, à posição em que se encontrava quando entrei no quarto, ele pediu-me educadamente para sair, agradeceu-me, e até me deu uma gorjeta generosa. A maior gorjeta desde que trabalho naquele hotel… - E tu?! - Eu saÃ, ele pegou no pincel, e continuou a pintar a mulher numa tela. - Que estranha forma de arte essa. - A quem o dizes...
2007
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