Pedro Ventura
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« em: Agosto 25, 2008, 21:00:36 » |
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Parece que não, mas já lá vão um par de anos desde que te conheci, no casamento do Carlos e da Mariana. FelicÃssimos esperam o seu primogénito. Indumentavas um vestido cor-de-rosa e se a memória não me atraiçoa, tinhas uma flor no cabelo, junto à orelha. Entre tantos convidados ganhaste logo os meus olhares de soslaio. Não foi só do vestido, que te assentava tão bem mas sim pelo teu sorriso, pelas expressões que fazias, pelos teus olhos ligeiramente rasgados, amêndoados. Ficaste sentada na mesa paralela à minha, a distância que nos separava era mÃnima. E era para aà que se esgueirava, como uma férrea vontade própria, toda a minha atenção. No meio de tanta alegria, a minha redobrou-se quando, ainda mal tinha encetado a comer o primeiro prato, que mal lhe toquei, a Cláudia que estava na minha mesa e te conhecia desde a infância, me levou à tua beira e nos apresentou. Acho que já não consegui deglutir mais nada, acho que já não saà da tua mesa, já não sosseguei. Pouco tempo depois estavas a pedir-me para ir à cozinha surripiar uma garrafa do vinho que estávamos a tragar para irmos saboreá-lo para o exuberante jardim que rodeava tanta felicidade. A dos noivos, a dos convidados e a minha por te ter conhecido. O chilrear dos pássaros era uma presença constante. Já não me recordo bem do que é que falámos, todavia, criámos empatia. Recordo-me que me abstraà da boda, e que não parava de sorrir, por te ver sorrir. Tenho a vaga ideia de te ter lisonjeado amiúde, e de ter transmitido o meu fascÃnio por ti. Dançámos, soerguemos e tilintámos os copos diversas vezes, bebemos, tolejámos. As horas iam passando e eu sentia-me mais apegado a ti. A euforia da jornada festiva serenava à medida que a noite caÃa e os convivas começavam a despedir-se. Não vi os noivos cortarem o bolo de vários andares e com um casal de noivos em miniatura no topo, só te vi a ti. Desejava que o tempo tivesse estacado por ali. Não queria que te fosses embora, mas foste, como todos os demais. Durante os dias seguintes pensei em ti e na distância que nos separava, apesar de vivermos na mesma cidade, apesar de saber onde moravas e onde poderia encontrar-te. Mas começarias a desconfiar se eu começasse a ir todos os dias comprar o jornal à tua papelaria. Fui lá uma vez, passado mais de um ano, comprar o selo para o carro e acho que tremi um tanto, porque não te esperava encontrar. Trocámos um olá e pouco ou nada mais. Nos dias que se seguiram voltaste a imperar nos meus pensamentos. Volvidos dois anos, dou por mim entaramelado, a tentar engendrar uma conversa, com um nó na lÃngua, como se as palavras oferecessem resistência, com um aperto no peito, contigo ali sentada à porta da casa onde eu estava a passar umas mÃnguas férias. Ainda pensei como o destino é matreiro e como de quando em quando faz das suas. Nem queria acreditar que estavas ali à minha frente, com aquele teu peculiar sorriso com que outrora fui prendado. Acabámos por sair à noite - mais os nosso amigos comuns - e pediste-me uma camisola emprestada. A noite estava fria e húmida e não te tinhas precavido. A lua estava cheia de luz. E à medida que o à -vontade se ia abarcando de nós, aquele aperto que sentia no peito abonançava. As palavras soltavam-se fluidamente, como à dois anos atrás, e a conversa decidia o seu rumo. Amor e uma cabana, lembras-te? Lá nisso estávamos em plena sintonia. E a meio da noite desapareceste de novo, como uma prodigiosa e efémera aparição. De uma coisa eu estava certo, amanhã irias lembrar-te de mim porque levaste a minha camisola. E para mim aquela camisola tinha-se transformado num pretexto para nos voltarmos a ver, para trocarmos um olá que fosse, como naquela vez em que entrei na tua papelaria para comprar o selo do carro.
2003
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