Nina Araujo
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« em: Setembro 03, 2008, 18:54:19 » |
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Viva o seu Zé Tulú!
O que eu não citei no conto da Percussionista do Agreste, é que o seu Tulú, o homem sério, que desposou minha tia, viveu no Rio de Janeiro por trinta anos, onde fez todo o percurso do nordestino forte e trabalhador de sua época, foi ajudante de pedreiro, tintureiro, encanador, e por fim se aposentou como vigia de prédio. Parece que este chamego com a tia vinha desde a mocidade, e também dos meses de férias que ele tirava para rever o seu quinhão de terra. Aquele namoro só não se concretizou antes, porque existia sempre um concorrente mais afoito, além do que seu Zé Tulú se assustava um pouco com o jeitão de minha tia sempre tirando música de prato, de balde... Era compreensível. Seu Zé Tulú deixou o prédio em que trabalhava no bairro de Copacabana, coberto pelo carinho dos moradores que reconheciam nele não apenas um grande funcionário, mas um verdadeiro herói. Conta-se que certa vez, ele defendeu uma criança no berço com a própria vida, e os pais não souberam nunca o que fazer para gratificar tamanho gesto, inclusive, ele foi o grande convidado de honra no dia da formatura da moça, uma confiança adquirida para toda vida, e saiu até notícia em jornal importante. O fato aconteceu numa manhã em que o porteiro auxiliar deixou o prédio inadvertidamente, para fazer um pagamento no banco próximo. Um sujeito armado entrou pela porta lateral arrombando as fechaduras e escolheu aleatoriamente os apartamentos que iria roubar, com toda pressa foi parar no andar em que o seu Tulú estava aguardando a gratificação do trabalho extra de encanador que havia feito ao morador, ali do escritório em que estava, ouviu os gritos abafados dos patrões sendo rendidos na sala. A criança chorava baixinho no quarto ao lado e ele não teve dúvidas, foi justamente para lá, quem sabe pudesse aparar a menina se houvesse o pior, pensou. O que consta é que a rua foi invadida por muitos policiais que já vinham no encalço do larapio, e o traste encurralado foi parar no quarto em que seu Tulú estava com a criança, arrombou a porta e fez o seu drama: -Abaixa aí véio peão, deixa essa criança de lado! Que daqui nós só saímos, estirados! -Fique calmo rapaz, que eu não vou me arriscar! A situação foi piorando, o prédio foi invadido pelos policiais que livraram o casal das cordas e deram início a uma movimentada negociação que iria noite adentro, se não fosse a cabeça fria do seu Tulú, que tentava por todas as maneiras acalmar o homem com a arma mirada para sua cabeça, sem afastar o corpo do berço onde a menininha chorava agitada. Durante hora e meia de conversa, os policias à espreita na porta, o vigia convenceu o rapaz de que o melhor era se entregar, disse que conversaria na delegacia tudo que ele lhe contara, que o assalto era pelo desespero de ver um filho doente sem recursos, disse que deporia em seu favor para amenizar a pena, e conseguiu convencê-lo de que pior seria ter duas mortes nas costas, ou se matar e deixar o filho sem pai. Confesso que depois que soubemos disso pela voz forte de minha tia, paramos de chamar o seu Tulú de “gavião chumbado”, por causa da escoliose que o fazia encurvar- se ligeiramente. Eis que eu nunca imaginei, ali no seio da família, mais um brasileiro, nordestino, anônimo e herói! Viva o seu Zé Tulú!
Nina Araújo
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