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Autor Tópico: Canto do Âmago  (Lida 1351 vezes)
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Jorge Vieira Cardoso
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Sobscrevo frases e dou-lhe a nossa morada....


« em: Setembro 06, 2008, 14:00:43 »

 Aqui estou eu, de frente para esta janela meditando. Como pano de fundo o relógio da igreja insiste nas badaladas que clareiam o dia. São sete horas rasgadas pelos segundos que a noite de mim contabilizou numa insónia pesada e desligada do ferrolho do sono que não acredita em mim.
A rua está para mim como eu para ela, solta na ferrugem ainda brilha a luz dos solitários postes que ostentam a vaidade de clarear o Adro. A silhueta negra de uma beata de sacristia arrasta basílica dentro o peso da perda enquanto comunga a mesma solidão que eu, só que esta sombra é diferente da minha, tem a coragem de penitenciar-se perante a cruz.
Uma carrinha pára e absorve outras sombras que aguardavam a boleia, arranca disparada num rosnar de “sai da frente†e desaparece na curva. Pouco a pouco o sol dispara um raio e o fervilho recomeça. É como se o corneteiro tocasse o reunir das tropas. Já nada é como era há minutos atrás. Apenas é como todos os dias em que a noite foi rendida na parada pelo sucedâneo dia.
Viro as costas àquele corrupio e volto os olhos para a cama. Ali está ele, perdido no sono enquanto ribomba a justeza dos seus actos. Os largos ombros de fora dos lençóis continuam atraentes às donzelas que no abstraccionismo da tela outrora minha, tentam comprar, ou roubar, esta preciosidade aqui prostrada no bafejado sono dos falsos fiéis.
Confesso que isso a mim já não me seduz, nem todo esse charme, nem o abstracto, que foi e apenas é, o corpo lavado de uma mente ignóbil. Apenas lamento a demora a passar do amargo da boca, que contínua fel. Mas esse paladar há-de adocicar, nem que para isso seja preciso morrer e nascer de novo!
Intercedo junto do sindicato dos Deuses
Que me libertem desta agonia
Sou os cacos de imagem em azulejo partido
Sou as cinzas de mim que pairam nessa cama
 Só elas conseguem saber se é noite ou dia
Dizem que ainda sou bela, mas que me falta a chama

Ontem à noite preparei a mala, nego o confronto porque repetir o pedido tornou-se escusado. Sei que voltariam todas as promessas de novo para cima da mesa, brindadas em lençóis mentirosos, que acolheriam a vontade e o prazer apenas por breves dias, até a suplente aparecer e enfiar no cérebro do homem másculo todo o dicionário das mentiras.
Mais uma vez olho para as paredes: suor, sim! Lágrimas, também! Cada pedaço de tinta, cada ferrolho das portas, cada móvel, cada lembrança, mesmo aquele pesado piano de cauda, parece que todo ele cai em cima de mim num estridente buzinar, que ultrapassa os meus passos trava a minha marcha, como uma serenata à chuva de um compositor excêntrico, que me chama louca!
Só falta ultrapassar a soleira da porta
Fechei os olhos e já não vejo a última noite
Foi sexo fingido numa carícia eloquente
Foi a despedida do insosso do açoite
Em chama morta para sempre inconsequente
Dou uma mordida no canto do lábio e um fio de lágrima rola sob os óculos escuros que me ocultam as olheiras. Amorteço o baque da fechadura num encosto de pé que “estrebanga†o efeito de álcool não ingerido. Penso – cabeça fria fazia-me bem neste momento de falsos passos. Endireito a perna que, algo trémula, tenta recuar a passada inconstante e acerco-me da faixa que separa os caminhantes dos automóveis.
Será que sou eu mesma? Questiono a minha coragem ou fraqueza com a dúvida e a certeza de quem gostaria de ocupar o meu lugar.
Chamo um táxi num aceno de mão estendida na procura “leviana†de algo que me leve sem destino para longe do amealhado de bens, que fizeram de mim, mobília de guarda `as jóias do revés onde só me faltou a farda.
Sei que levo pouco ou talvez nada
Sei que as palavras confundem as Estrelas
Sei que cabisbaixo consigo vê-las
Só não sei se o espaço que separa a razão
É o mesmo que me leva
Para longe da tua mão

Entro calada como um zumbi envergonhado da sua nova condição. A carteira vai mais vazia do que a minha dose de soníferos, que mergulham no fundo da bolsa coloridos pelas farmacêuticas numa atracão fatal, que nos deixa a dormir dias a fio, só que em mim à muito que perderam a validade e já não actuam, já não são efeito KO.
Estendo a nota e pago a deslocação ao taxista falante que me levou até ao aeroporto. Faço o chekim e aguardo empalhada por uma revista da qual nem o nome fico a saber.


Os motores já aquecem
Faz-se à pista a ave ruidosa
Mais uma lágrima diverte-se nas minhas pálpebras
Ao meu lado um senhor de idade acumula prosa
No desconforto respondo
Chamo-me Maria e não rosa
Do outro lado do Mundo o corrupio é menor, tirei as pesadas roupas e contabilizo as notas que me darão até ao próximo e primeiro ordenado. Pedi sigilo absoluto da minha verdade escondida.
 Fui mulher
Fui esposa
Fui trocada
E retocada
Fui estampa do que não fiz
 Fui tudo, menos feliz
Do lado de cá está a Austrália, bem longe das minhas fugas, digo minhas porque não fugi de mais ninguém apenas exigi de mim um libertador adeus, adeus aos meus conflitos, que surpreenderam a minha passividade e me deixaram de quatro, adeus e não fuga, àqueles braços que asfixiavam os meus pensamentos num ameigar de rosto sorridente, que numa lábia sem igual derretiam a minha decência. E adeus ao império imperfeito, que ajudei a criar, como um polvo.
 Tiro os óculos e fecho os olhos, desenho com o pensamento a minha silhueta na parte detrás de mim, de seguida, apago o que ficou com uma safa multicolor o passado que deixei de lembrar a partir deste momento.
Apetece-me comprar flores, flores para oferecer a mim própria como se de uns parabéns se tratasse. E será que não? Naturalmente que sim, é hoje o primeiro dia do resto da minha vida.
Subtraio os anos, numa diminuição de peso, equilibro a soma, com um noves fora e o resultado é este: liberdade, liberdade, liberdade…
Passados dez anos e trinta e seis dias
O Aeroporto Francisco Sá Carneiro, deixou pousar o grande pássaro, a tarefa estava consumada, fiz jus à minha condição de retornada e de passos firmes rolo a minha mala com a taça ganha. Se foi uma prova dura? É claro que sim.


Fui empregada de mesa
Fui gerente de Restaurante
Troquei os almoços por opção
Juntei alguns patacos
E criei uma associação

Dei-lhe o nome que eu quis
Cresceu comigo como uma filha
Deu os primeiros passos como bebé
Chama-se (Maria Infeliz)
Criarei uma filial no meu País

É para isso que eu cá venho hoje, satisfazer o meu desejo de abrir uma porta de esperança a todas as mulheres que possam aprender comigo o caminho da fuga de ser ninguém.
Coincidência ou não parece-me ser o mesmo taxista, que dez anos e alguns dias atrás me levou a dar os primeiros passos para a liberdade. Hoje converso com ele com um à vontade normal de Cidadã e apesar deste tempo todo, dos meus trinta e oito anos marcarem algumas imperfeições no rosto, creio que ele me reconheceu.
Encontrarei com certeza o meu Ex
Direi! Não sou só verdade
Nem absoluta castidade
 Isso já não me preocupa
Sou imperfeita confesso
Já paguei caro pela minha culpa
Hoje canto a doçura de cada momento em que a minha viagem começa, fui anedota e sou história, abro cada caminho de sorriso no rosto,
 Não escondo a face nem poupo no esforço
Se és Maria Infeliz vem também
Se estás asfixiada, numa mão o esboço
Estica os dedos e agarra o trem

Esta foi uma pequena parte de uma história de vida de uma, amiga minha, que me contou de uma, amiga sua, da qual não me quis revelar mais dados.
Coincidência ou não ambas se chamam Marias, mas será que não poderiam ser, Joanas, ou Rosas, ou outro nome qualquer?Huh?Huh?Huh?Huh?Huh?Huh?


Jorge Vieira Cardoso
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Bom dia. Para todos um FigasAbraço
Agosto 14, 2023, 16:53:06
Sejam bem vindos às escritas!
Agosto 14, 2023, 16:52:48
Boa tarde!
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Bom Ano! Obrigada pela companhia!
Dezembro 30, 2022, 19:42:00
Entrei para desejar um novo ano carregado de inflação de coisas boas para todos
Novembro 10, 2022, 20:31:07
Partilhar é bom! Partilhem leituras, comentários e amizades. Faz bem à alma.
Novembro 10, 2022, 20:30:23
E, se não for pedir muito, deixem um incentivo aos autores!
Novembro 10, 2022, 20:29:22
Boas leituras!
Novembro 10, 2022, 20:29:08
Boa noite!
Setembro 05, 2022, 13:39:27
Brevemente, novidades por aqui!
Setembro 05, 2022, 13:38:48
Boa tarde
Outubro 14, 2021, 00:43:39
Obrigado, Administração, por avisar!
Setembro 14, 2021, 10:50:24
Bom dia. O site vai migrar para outra plataforma no dia 23 deste mês de setembro. Aconselha-se as pessoas a fazerem cópias de algum material que não tenham guardado em meios pessoais. Não está previsto perder-se nada, mas poderá acontecer. Obrigada.

Maio 10, 2021, 20:44:46
Boa noite feliz para todos
Maio 07, 2021, 15:30:47
Olá! Boas leituras e boas escritas!
Abril 12, 2021, 19:05:45
Boa noite a todos.
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Bom domingo para todos.
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Boa semana para todos.
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Boa noite feliz para todos.
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Bom domingo para todos.
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