Há uns tempos encontrara-me numa carrinha com uma rapariga de 18 anos que já era casada e a cada frase que falava sobre a sua vida mencionava o seu marido, como marido, um hábito que talvez se adquira só ao fim de alguns anos. Fiquei sem saber a postura que haveria de ter, sendo eu um menino, procurando livrar-me de responsabilidades, exigindo aos serradores da confraria mundial que me tornem mais leve, pedindo esmolas nada endinheiradas mas de asas nos ténis ou nas tshirts, nessa estatura assim vou pedindo já que ao menos uma tshirt ou um ténis posso tirar à minha vontade.
Durante a conversa que fui escutando permanentemente relembrava um dia que tinha vindo da escola de condução. Relembrava esse dia não derivado a uma qualquer casualidade ou para não desatinar com a rapariga, porque nada disso me ocorreu, relembrava porque nesse dia, eu como rapaz fugido de responsabilidades quis regressar para casa das aulas de código a pé, se bem que eram uns bons 8 quilómetros, e atravessara a festa da Bajouca a pé, debaixo de chuva constantemente, fumando, parando lá uns instantes a pedir uma snappy e uma cerveja, continuando a fumar debaixo de chuva forte, acima de estradas com poças de água, de tshirt, calções e chinelos billabong que agora já se estragaram, a razão pela qual me lembrei de tudo isto.
Contudo o momento em que mais me fixei enquanto ela falava e eu a ouvia e atentava ao que dizia era nos últimos 5 quilómetros em que me parecia impossÃvel continuar a caminhada de chinelos por escorregar sobre a sola. Depois desse momento despi-os dos pés alagando as possibilidades de parecer normal numa caminhada descalço até casa, sentido momentos de dureza na minha nova sola orgânica, de pele humana e outros instantes em que pisava solo sem gretas ou pedras ou alcatrão dorido numa plenitude de bem-estar proveniente da sua macieza comparada com os momentos mais duros anteriores.
Embora tivesse pensado nisso depressa pensei no que a rapariga dizia simultaneamente à menção do seu marido. Lá estava eu a ouvir o que dizia, que gostava de música Trance e Electrónica e dessas festas em que conhecia só pessoal da paz, só muito pessoal da paz e do bem. Dizia-o convicta, por estas palavras. O que me fascinou, porque embora nunca devesse tornar algo que alguém me diz público fiquei feliz por saber que ainda existe pessoas da paz, do bem.
Há uns tempos encontrara-me numa carrinha com ela a falar, nesses mesmos tempos que mencionei no inÃcio e perguntara-me o porquê de estar ali, como chegara ali, num tom de amnésia. Era de noite, estava à boleia para casa, evitava ir a pé, em meter-me em caminhadas que jamais imaginaria, ou o que poderia passar nelas. Olhava as estrelas e a menina que era casada com 18 anos. Mexia a cabeça à esquerda e à direita. A carrinha seguia numa velocidade que depressa me transpunha ao exterior, a vê-la a afastar-se, a ver-lhe os faróis traseiros, a janela traseira e as nucas da menina e de mim, comigo lá dentro. Perguntei-me o que fazia ali, no meio daquele pinhal, a ver o meu corpo a afastar-se, murmurando a pergunta, no silêncio do agitar dos ramos e da caruma que caÃa deles, das pinhas que se largavam da árvore-mãe numa piscina que era os pinhais mandados plantar por D. Dinis. Lá se foram esses tempos, no entanto o que disse aconteceu efectivamente…
Mas que tempos eram pergunto agora?