M. Nogueira Borges
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« em: Setembro 03, 2010, 13:31:40 » |
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MEMÓRIA FRANCESA
Quem, sem tempo contado, se perder pelo centro histórico de Montpellier, subindo e descendo as ruelas de pedras, como jogas gigantes, lambidas pelos séculos e pelas passadas das gentes, não fugirá à comoção histórica. A bonita cidade universitária, berço do positivismo, que Comte filosofou, tem aqui, neste dédalo de sombras e de segredos, o encanto romântico que a juventude conquistou e a memória imortaliza. Não sei se Vitorino Nemésio, na sua passagem pela Escola de Letras, alguma vez palmilhou estas Ãngremes ladeiras, e qual a razão que levou Enver Hoxha, depois da cultura da liberdade e da fraternidade apreendidas nestas paragens, a transformar-se no derradeiro déspota do estalinismo. Antigo mosteiro beneditino, escurecido pelos tempo, a Faculdade de Medicina, paredes meias com o Instituto de Biologia, em frente ao Jardim das Plantas, é dos últimos guardiões do Saber a continuar onde nasceu, recusando modernas trasladações periféricas. Entra-se, e logo nos submetemos, religiosamente, à quelas figuras de Mestres penduradas nas paredes de onde nos contemplam de olhos brilhantes de inteligência e venerandas barbas. Quem, como o autor, dedica à classe médica um respeito ilimitado porque sempre amou quem cura e conforta na irremediabilidade terminal, foi com ternura que calcorriou corredores e salas, biblioteca e claustos em que parecem ecoar todas aquelas vozes a transmitirem amor e ciência a gerações de novos médicos que, lá como cá, lutam contra todas as insuficiências e alguma ingratidão canalha de certas franjas sociais que só sabem queixar-se de quem lhes dá esperança e sentido de vida. Embebidos dessa admiração, entramos na basÃlica de S. Pedro, obra de Urbano V, em 1364, de germinação arquitectónica, nos seus torrões neogóticos, com a velha Escola Médica. A nave, onde a luz se reflecte, filtrada em vitrais, lençóis coloridos debruados por mãos imaculadas, é um espanto de olhar e uma perturbação de ouvir, pois que, o ciciar dos crentes e a leveza, em fundo, da música sacra, nos transporta ao sobrenatural, a uma paz suave e branca que nos afasta das convulsões do mundo. Várias capelas se acolhem à protecção daquela, como a de S.Roque, a Funerária dos Bispos e – entre outras mais - a da Virgem, obra linda de Santarelli, em mármore de Carrara. Ao fundo, o altar mor, em onix de Constantine, “ protege†um orgão de cinco mil tubos que surpreende no seu silêncio e estimula a regressar um dia para o ouvir em horas de solenidade.
M. Nogueira Borges
Gaia, setembto/2010
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