Projecto Destruição, Filial Lisboa

[marcopintoc]

A lista de marcação rápida de um telemóvel é um bem precioso. Usa-a bem. Nós no projecto destruição , filial Lisboa, damos um excelente uso à mesma. Conheces o Tyler Durden? Eu também não, mas o homem é um profeta do fim deste modo de viver e mandou homens e mulheres tresloucadamente perdidos lutar até ao sangue escorrer. Aos que sobreviveram ao clube de combate mandou-os ir mais longe. Este é o projecto destruição, a grande sinfonia global do caos. Foi transferida em banda larga e agora, voilá , estamos aqui sentados , o grupo central , o politburgo do napalm que vai inundar a Baixa .Dizia eu que nós, os fundadores da filial, estamos aqui sentadinhos a comer um pastel em Belém. Pertinho de ti. Talvez até moremos perto, sejamos colegas , adeptos do mesmo clube , sócios do mesmo videoclube .Talvez o teu caminho esteja tracejado para terminar num infeliz cruzamento com um dos nossos eventos de violência extrema.
Falávamos da lista de marcação rápida. Tenta identificar-te com a minha, se não o conseguires quer dizer que és uma das nossas potenciais vítimas. Nunca serás um soldado do projecto. Não tens suficiente desamor à vida.
Tecla um – Um bom traficante de cocaína
Tecla dois – Um bom traficante de anfetaminas
Teclas Três a Cinco , contactos relacionados com armas. De fogo e brancas, químicos, elementos eléctricos que permitirão accionar mecanismos de detonação. Sabes mandar alguma coisa de grande pelos ares? És bem-vindo.
Seis e Sete – Os pais a que nunca ligas. Estão lá apenas para te recordar que agora só ao nosso projecto pertences
Oito – Alguém do grupo operacional.
Nove – Aquela ou aquele que o grupo designou como teu aliviador sexual. O soldado do projecto destruição deve estar bem motivado. As teclas um, dois e nove servem para isso. Aproveita-as. Não se vive muito na operacionalidade.
O zero sabes bem para que serve. Por motivos de segurança combinamos a sequência com o cardinal. Sabes o que tens a fazer se fizeres merda. Cardinal, zero e depois , rapidamente, deves colocar o telefone na boca. Em cerca de dez segundos o explosivo acondicionado junto à bateria eclodirá perfurando o céu-da-boca e a quantidade suficiente de cérebro para garantir que o teu falhanço como membro do projecto destruição não se repetirá.
Mordo o meu pastel com delícia. Frente a mim está ela, Maria .Não é bela, não é jovem, é apenas uma desiludida da vida que dentro de dois dias carregará uma carga amarrada a si mesma. A gare do oriente é o local designado para se tornar mais uma mártir de uma causa que não pretende escrever história. Apenas anarquia. Apenas o grito das massas, cada vez mais inquietas, cada vez mais tensas . Entre elas, talvez tu , haverá aqueles que entenderão a nossa mensagem. Esses largarão tudo, cagarão em toda a extensão das suas vidinhas monótonas feitas de vulgaridades a preços módicos e prestações. Esses serão mais uns passos que engrossarão as fileiras do projecto. A Maria está a comer o seu último pastel e nada em si revela temor. Está tão farta da vida, tão saturada, cansada, gasta de não ser nada , de ser apenas ela e o mundo que nada quer com ela que até parece grata de ir morrer com algum sentido. O nosso sentido. Só o entenderás quando fores um de nós.
Ponho um pouco mais de canela. Canela é a pele da mulher bela que caminha junto à porta principal das torres das amoreiras. É linda como o mundo e daqui a pouco será coberta por uma enorme sombra. Segundos depois perecerá perante os escombros. O jacto privado que embaterá nas espelhadas construções do famoso arquitecto não provocará a queda dos edifícios. Não ireis correr na grande maratona do pânico em direcção ao marquês mas morrerá gente. Calculo entre cinquenta nos escritórios e quinze a vinte transeuntes. A ideia foi de Pedro, o homem que pilotava a aeronave. Disse que queria acabar numa bonita bola de fogo. Há pilotos no nosso projecto, ensinaram-no a pilotar. Há muita gente que faz muita coisa no projecto destruição. Os homens das minas e armadilhas equiparam o Cessna. Ordenei ao comando que açambarcou a aeronave que o modelo fosse exactamente igual aquele onde morrera o primeiro-ministro pequenote. Um tiro à direita, para a esquerda reservamos uma surpresa para a sua festa da margem sul. O projecto destruição funciona assim. Todos são alvos, não há redenção, temos músculos para espancar, temos dinheiro para comprar equipamento e armamento. O sucesso para ti é luzir como um deus grego pleno de ética empresarial, consciência cívica e ecologista. Reciclas, também nós. Somos apenas mais extremos. Para nós o topo de carreira atinge-se quando chamamos por irmão o cê quatro.
Na minha lista de marcação rápida marco dois. Preciso de speeds , há muita coisa a acontecer. Hoje as amoreiras, depois de amanha o terminal ferroviário. O comité encara Maria e, na tradição que Tyler Durden nos deixou ,deixamos que a próxima morta da nossa milícia designe o alvo seguinte. O dever do comité é, a partir do momento em que o desejo seja efectivamente aquele de alguém defunto, iniciar o recrutamento que leve ao sucesso da missão. Maria reflecte. Os olhos que só conheciam até há uns meses a cor das novelas lançam o grande ódio de uma vida acumulada de vazio, não conseguiu o sucesso , redime-se no ódio pelo próximo. Diz:
- Os lagartos vão jogar à luz dentro de duas semanas.
Alguém do conselho se opõe à óbvia cor clubística de Maria:
- E vamos espezinhar os lampiões.
Uso a voz de presidente da mesa. Faço-o porque sou o fundador do clube de combate e, posteriormente, da filial lisboeta do projecto destruição . Fui eu que fundei o primeiro ringue dos insanos numa cave da Brandoa, fui eu que esmaguei sobre os meus punhos os maxilares do meu amigo, fiz nascer o sangue que baptizou a terra lusa com esta forma zangada de respirar. O meu pastel de nata estava óptimo:
- Todos morrerão.
As cabeças anuem em concordância com a minha palavra onde invoquei a tradição inicial que Tyler Durden nos deixou.
Dentadas estaladiças na massa folhada da segunda rodada de pastelinhos assinam a sentença do clássico dos clássicos.



Nota do Autor: Texto inspirado na obra “Clube de Combate “ de Chuck Palahniuk. São usados elementos do universo imaginário da mesma.

[jcbrito]

pois, o "Clube de Combate" _muito_ revisto e beneficiado. Com laivos de genialidade, amigo Marco. Muito bom o texto.
bora lá fundar uma delegação aqui no Porto? ainda ganhávamos umas massas...
abraço
jcBrito

[marcopintoc]

Epá não sei ..a concorrência é lixada por essas zonas , temos os seguranças das discos , os super-dragões . Até ouvi dizer que profissões tão aparantemente inócuas como padeiros e mordomos podem ser poços de ultra violência. No dia 4 discutimos à frente de um copo o projecto destruição , filial Invicta.OK ?
Abraço
Marco

[damasco]

marcopintoc em grande forma! No dia 4, eu levo o mapa. Abraço.

[Tim_booth]

Ah, podem contar comigo para a filial da Invicta! Grande Tyler, pena não o ter conhecido. Dizem que fabricava os melhores sabonetes do mundo.

Brilhante texto Marco.

Cheers

[Laura]

Bem... se precisarem de uma Maria, podem sempre enviar-me mais tarde uma mensagem privada... vou já começar a pensar no meu último desejo...

[marcopintoc]

Brito, Paulo e Tim
A reunião está marcada para o dia 4 numa cave da Rua da Alfândega


Tim..
A primeira regra  do clube de combate é que não se fala do clube de combate

Laura
Candidatura recusada. A função aglutinadora das tropas e de permanente incentivo é mais vital ao sucesso do projecto destruição

[damasco]

Qual clube de combate?

[Goreti Dias]

Atenção que a cave está ocupada, temos o primeiro andar... Até lá, tropa!

[britoribeiro]

Torre das Antas, Estação de S. Bento, Palácio de Cristal... podiam ser estes os objectivos!
Texto muito bem idealizado, gostei muito.

Abraço

[marcopintoc]

Dite - Até fico corado com tremendo elogio
Goreti - O projecto destruição decreta uma breve trégua e não invadirá os outros espaços do clube literário.
Brito Ribeiro- Nomeado Identificador  de Alvos Primários da Zona Norte.

Obrigado a todos pela leitura e comentários

Marco

[Laura]

Laura
Candidatura recusada. A função aglutinadora das tropas e de permanente incentivo é mais vital ao sucesso do projecto destruição

Pode ser... pode ser... (desde que não pensem que vou fazer isso do outro lado da tecla 9).

[marcopintoc]

Laura,
Tecla 9 ?? Nem pensar. Lugar de honra no politburgo

[Guacira]

Oi, Marco,
gosto muito de ler você (seus textos; são um pouco ou muito você...todos nós; como lemos o mundo). Fala (escreve) com uma essencial perplexidade sobre a violência, deixando um importante viés para a análise. Gostei deste também, claro!

Quanto ao filme (no Brasil ,Clube da Luta), embora violento, e não sou chegada a ela (gostaria de ter comido paltelzinho em algumas cenas - risos), me levou a muitas análises sobre nós, seres humanos, em nosso avesso.
O filme é um manancial sobre uma fundamental questão, que é a identidade, às vezes tão fragmentada, tão frágil (suas ambiguidades, medos, fragilidades) e coisas assim... Saí dali, me perguntando se os dois personagens não seriam a síntese de uma única identidade (um desdobramento de personalidade): o que sei que não sou (por qualquer dificuldade interna) e o que gostaria de ser, como gostaria de lidar com o mundo, as pessoas, e como as atitudes de violência interferem em tudo isso, fazendo crer que podemos...
Parabéns pelo texto fortemente simbólico, inclusive.
Beijo, Guacira.

[marcopintoc]

Cara Guacira,

Obrigado pelo comentário e pela análise. Em primeiro lugar você está absolutamente correcta e recomendo vivamente a leitura da obra de Chuck Palahniuk que serve da base ao argumento do filme .Embora uma excelente película perde em alguns momentos vitais  a percepção do drama psicológico e do papel do amor ( na pele da personagem Marla ) versus a violência extrema. Mais não digo; estou a anos de luz da capacidade de análise de obras do Tim e gosto do elemento surpresa.
Um grande bem-haja
Marco