antónio paiva
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« em: Setembro 22, 2008, 14:28:30 » |
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O pássaro poisou no ramo do pinheiro junto à casa e cantou para dentro. Os sons têm o dom de mudar os olhos e os sentidos. Assim os dias reformulam os seus discursos. Neste espremer das dúvidas até fazer verter a indiferença das palavras. Nesta coutada de palavras, onde tenho um papel secundário, de caçador viciado, perseguindo as peças de caça, para que a magia aconteça. Uma ou outra vez lá acontece, o triunfo inesperado, a criação de um ou outro parágrafo de leitura.
A minha sorte é que posso azular os olhos o tempo todo, basta que eu queira. Com mais ou menos rigor, outra vida prossegue, outras vidas, é imprescindÃvel. Não podemos ficar reféns de memórias amedrontadas. Ou eternamente temerosos do passo seguinte. A réstia de sol afaga-me as pernas enquanto eu aqueço as ideias. Quero-me filho insofrido do pensamento, onde busco a pureza dos sonhos. O meu cérebro invoca e articula outras alegrias. Gosto de perturbar as horas enquanto crio e não obedeço. Provoco o cio dos relógios em coito permanente com os segundos. Aqueles ponteiros febris sempre a copular o tempo, mas não o reproduzem, usam-no apenas de forma egoÃsta, profanando as pausas do homem. Mantenho secretamente aceso, este desejo de contrariar os relógios. Às vezes consigo. Chego primeiro. E minto-lhes descaradamente à s gargalhadas.
São tantas as vezes, que os meus olhos se querem separar de mim para verem melhor. Sempre em busca da mesma claridade, que a minha sombra à s vezes ofusca. Os meus olhos sabem que eu gostava de estar onde as palavras buscam alimento. É lá que quero ir, consciente de que é o melhor lugar para saber de mim e dos outros. Não gosto de ficar frio como as ervas nas manhãs de Inverno. Muito menos com o corpo vazio de emoções. Mas à s vezes acontece-me. Procuro defender-me das feridas que saltam do corpo para alma, busco a cura no útero quente das palavras. Sufoco solidões e medos que vagueiam em busca de um corpo, para lhe atormentar o espÃrito.
É com este orgulho, objecto longo das minhas memórias, que busco a plenitude da beleza das coisas, para a dissolver à superfÃcie da alma. Extrair o precioso néctar que gosto de partilhar. Na ânsia de que o bebam e gostem. Não tenho a certeza se essa perfeição existe, mas busco-a, quero-a. Este jogo do peso das palavras, esta interpelação de mim e dos outros, onde nada é definitivo. Haverá sempre quem saiba recomeçar. Uma vida não se justifica pela justificação dos actos, tão pouco dos factos. Um processo de aprendizagem permanente, onde as palavras se defendem do orgulho. Nos extremos a dor coabita com elas e com a vida. Às vezes nada as distingue do silêncio, são apenas uma forma de o suavizar. Nelas respiro e me abrigo, as minhas mãos movem-se obedecendo ao meu pensamento, pela força das palavras. Convém lembrar que um coração tem duas faces, é a morada perfeita para a inspiração de um caçador de palavras.
Voa desejo! Voa querer! Voa que és livre!
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