O último ruído vivo do relógio

[antónio paiva]

   Ouviu-se o último ruído vivo do relógio antes de virar cadáver sob a peruca irreal das horas. Ao fundo da casa o movimento dos minutos no corredor a sair pela janela. Falou-se então da viagem pela casa do corpo maltratado. O mistério acabou derramado ao canto da sala.
  O bailado dos olhos como besouros que se suicidam contra o espelho. O corpo matéria derrotada não aprendeu a vida e os seios frutos selvagens em formato cru pendiam do tronco em busca da tortura nas mãos. A crença ficou reduzida ao equilíbrio estéril dos golpes da lâmina nos pulsos sacrifícios de muitos anos de estio.
    A roupa cuidadosamente arrumada a um canto junto aos sapatos meticulosamente alinhados. O nível da água subia indiferente na banheira enquanto as raízes das lágrimas secavam. A ansiedade já era filha do animal abandonado à porta de entrada sequioso de beber na carne do ventre que a morte pariu.
   Já se suspeitava porque já se sabia e por não se saber o que dizer nada se disse. O violador era ciumento e quando trepou à janela já levava o punhal para a matar só não a matou porque ela já sabia de que morte era capaz e deixou-se flutuar na banheira. Morta.

   Antes de virar cadáver ouviu-se o último ruído vivo do relógio.

[antónio paiva]

...

novo é como quem diz; muito se ensaia no escurinho da escrivaninha

verdade; tão nuas quanto cruas.

bem que necessitava desse fermento de fazer escritor evoluir; já me informei e prontamente me disseram que para além de raro; é caríssimo.

mas há; do verbo haver; quem ache; do verbo achar; que não; do verbo que não.

grato e um abraço.

[Goreti Dias]

Um triste fim numa escrita de qualidade. Seja ele qual for o estilo!

[antónio paiva]

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Goreti,

de facto; tristes são muito fins e os meios que a eles conduzem.

grato pela tua generosa atenção srmpre.

abraço.