carlossoares
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« em: Novembro 07, 2008, 00:43:24 » |
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Atenção! Aquele indivÃduo, que acabamos de ver a atravessar a rua com o sinal vermelho é o Acácio Fortes. Sua Excelência, com aquele sobretudo que custou a pele e a vida a, pelo menos, dez raposas prateadas da pradaria, padece de um daltonismo clamoroso, portanto não reparem, que ele também nunca se queixou disso (risos). Os problemas que pode causar aos outros não o preocupam (risos). Mas não se iludam, ele sabe que bem poderia ( não poderá ) ser um monumento à astúcia e ao egoÃsmo (não é para rir). Foram muitos anos, mais de trinta, a fechar os olhos e os ouvidos. É que, Sua Excelência é surdo, mas muito. Da última vez que teve de ir ao médico, Acácio Fortes não se deixou intimidar. O médico questionava-o sobre o interesse que haveria em conhecer qual o grau de surdez, lesional ou não, reversÃvel ou não, que o apoquentava. Sua Excelência atalhou no meio da pergunta, obtemperando de mão no alto “que tinha ouvido perfeitamente o que o médico acabara de dizerâ€. A polÃcia consideraria idiota e inútil segui-lo e nunca encetaria qualquer tentativa de capturá-lo. Quando se aproximassem para falar-lhe, para o identificarem, constatariam de imediato ( e com surpresa?! ) que se tinham enganado: não é quem pensavam que era, ou por outra, não é quem jurariam que era. Não é apenas um problema de mimetismo, ou de metamorfose. Aqui não há confusão. Há autêntico mistério. (risos amarelos) Mas há quem aposte que o Acácio Fortes não é quem parece ser. A dúvida subsiste tão fortemente que ele próprio a sente como um grito não existencial. E, debalde, procuraria dissipá-la. O acaso, se acaso fosse, quis que numa praça soalheira transeuntes se dirigissem a uma cigana velhÃssima ( já ia na segunda velhice da sua vida e não seria a última e, perdida a visão natural dos olhos, adquirira a visão na ponta dos dedos ), a quem estendiam as palmas das mãos para que ela lesse o futuro. O Fortes, que nesse momento atravessava a praça, distraÃdo como sempre, imitou a jovem que o precedia em direcção à cigana, pensando que estava a dar alguma coisa à s pessoas que se aproximavam, e estendeu para ela a palma da mão. Ainda o Acácio Fortes não tinha percebido a dimensão do que estava a acontecer e já a velhinha, num baque, tacteava atordoada pedindo ajuda. Mal lhe tocara na mão, ficou cega também dos dedos. Alguém a amparou e ela descansou num banco. Pela primeira vez experimentou o pânico. Acácio Fortes sentiu-se impelido a aproximar-se como que aguardando um veredicto. A velhinha fitou-o com os seus olhos cegos e, antes que o Fortes fugisse, falou: “ - Não tem o futuro nas palmas das mãosâ€. Acácio Fortes não compreendeu que não se discernia nelas qualquer linha ou traço.
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