Sou eu que vos escrevo, Ninguém.
- Paulo Afonso Ramos, "Carta de Ninguém" in MÃnimos Instantes
MÃnimos Instantes é o primeiro tÃtulo em prosa que Paulo Afonso Ramos edita. Na verdade, o poeta não se conseguiu descolar da designação de poeta, e nem quer, por isso mesmo apelida este tipo de textos de "prosa poética". Escusado é dizer, porque certamente já depreenderam pelo tom da minha escrita, que é uma designação que acho incorrecta, pelo simples facto de um texto, desde que de literatura se esteja a falar, ser sempre poético. Se por poético entendermos o que quer que seja que force o leitor a dobrar-se não só sobre o conteúdo das palavras mas também sobre as próprias palavras. Por isso, e permitam-me a leviandade, arquivarei este livro sobre a designação de crónicas, porque a designação de prosa poética é redundante.
Encontramos em
MÃnimos Instantes trinta e nove pequenos textos, mÃnimos se quisermos pedir emprestado o termo ao tÃtulo, em que o autor discorre sobre, essencialmente, emoções. Talvez por isso se queira associar a palavra
poesia a este livro, porque o seu conteúdo se aproxima mais, sem dúvida, daquilo que normalmente se escreve em verso e serão os seus apreciadores os que mais benificiarão da leitura deste livro.
Talvez o maior erro seja a organização das crónicas. Ao ler mais do que uma de seguida, fica-se com a ideia de que se está sempre a ler a mesma coisa porque os temas que o autor aborda são muito próximos todos eles - amor, perda, saudade, dor, amizade - e não poucas vezes são abordados por vários textos. O erro não será tanto de Paulo Afonso Ramos mas da disposição das crónicas, talvez com outra composição esta sensação desaparecesse.
O grande erro do autor, talvez único, foi em não confiar na força das palavras e preferir reforça-las com o uso e abuso de sinais de pontuação. As reticências e pontos de exclamação abundam neste livro e carregam um peso pesado de mais para meras pausas e entoações. Considero isto um erro essencialmente por duas razões: a primeira, mais óbvia, é que desvia a atenção do leitor da palavra para a maneira como deve ser lida, exemplifico, se escrever "Olá!" em vez de "Olá." o primeiro leitor tentará descobrir mais do que a simples saudação que lá está escrita, questionando-se na razão do ponto de exclamação em vez da palavra quando o que se quer não é mais do que saudar simplesmente; a outra é precisamente cair no erro de forçar o leitor a dar mais significado ao que está escrito por forçar uma reacção ao sinal de pontuação, ou seja, na cabeça de quem lê passa qualquer coisa do género "isto deve ser mais do que aquilo que estou a perceber, tem um ponto de exclamação", o que cria no leitor uma certa frustração e um sentimento de inferioridade que normalmente não deveria existir na relação leitor-livro. Ora estou certo que nada disto foi intenção de Paulo Afonso Ramos e apenas por isso mesmo digo que foi um erro, porque certamente o autor não se lembrou destas consequências nefastas que o abuso da pontuação pode acarretar.
Encontramos algumas histórias muito bem conseguidas, como "Carta de Ninguém e "A Menina do Bosque", mas no geral fica a ideia de que se escreve muito sobre a mesma coisa o que acaba por prejudicar a leitura. Infelizmente algumas cenas também estão recheadas de lugares comuns, como o piquenique na praia e a prostituta no hotel, o que empobrece o livro que de outra forma seria bem conseguido dentro do género.
Os maiores pontos positivos são a constante alegria e esperança que o autor faz passar tão bem através das palavras, este livro é tão positivo que quase chega a enjoar. E não conseguimos deixar de nos sentir bem depois de lermos cada bocadinho que, aliás, como diz o poeta Xavier Zarco no prefácio, o torna ideal para uma leitura que se quer prazerosa e não demorada nos dias de hoje. Este é um livro ideal para se levar na mala e deleitar nos pequenos tempos mortos que surgem, nos mÃnimos instantes que se pode dedicar à leitura. E Paulo Afonso Ramos tem ainda muito para dar para além de simples mÃnimos instantes. Ficamos à espera.
Escrito originalmente aqui.