Valdevinoxis
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« em: Dezembro 06, 2008, 23:36:08 » |
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Corria o tempo de forma compassada no relógio, sem marca, que trazia no pulso. Não queria descer em nenhum apeadeiro, queria sim, seguir o percurso da linha até ao fim... queria ver até onde conseguia ir. Naquele eléctrico, que tomara como seu, já conhecia todos os bancos e, mesmo, todos os nós das travessas de madeira que os compunham. Mas a sua atenção, ia-se dividindo entre três ponteiros, as pessoas que entravam, estavam e saíam e o outro lado das janelas de vidro cheio de dedadas e marcas de testa. Aquele era o primeiro dia de uma existência sem emprego, sem ocupação. Depois de uma vida cheia com um trabalho, de que até nem gostava mas já fazia parte dos seus braços, mãos e ser, estava agora sem saber o que fazer ao que lhe dizia o relógio. Tinha sido há quarenta e dois anos, o dia em que se havia iniciado como aprendiz na drogaria do Grémio. Hoje, podia dizer que entre o balcão, as prateleiras e o pequeno armazém, não existia grão de pó que não tivesse sido seu confidente. Os clientes de sempre, que foram desaparecendo (coisas naturais a quem anda por cá), sempre o tiveram como pessoa recta e austera... mas bom ouvinte e conselheiro. Iam, de certeza, sentir a sua falta... mas enfim... Olhou mais uma, e outra vez para o mostrador do mecanismo que lhe tictacteava no pulso. Aquela máquina não desistia e, pelos vistos, ía sobreviver-lhe. Olhou mais uma vez para três pessoas que saíam e duas que entravam na carruagem... sempre as mesmas de todos os dias... tinham, por certo, alguma afinidade com os ponteiros do seu relógio. Olhou mais uma vez para o outro lado das amplas janelas, para ver paredes e portas que corriam paradas... sempre as mesmas... lá estava o relógio outra vez. Estava prestes a libertar-se dele. Puxou a manga do casaco de xadrez para baixo, aconchegou o colarinho da camisa com a gravata de todos os dias e deu um ligeiro puxão no sobretudo para o ajustar às suas costas. Preparou-se com os olhos, com as mãos e com tudo o que tinha, naquele momento medido por minutos... ajeitou-se no banco de madeira, encostou a testa à janela pela primeira vez na sua vida... e fechou por fim os olhos. Seguiu até ao fim e o relógio não parou.
Valdevinoxis
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