Crónica do Papel Reciclado

   Em que estou a pensar?
   Olha Face, estou a pensar que um computador, ainda que não tenha net, tem mais segredos do que uma grande casa. Olha só o que eu encontrei hoje enquanto andei para aqui entretida a ventilar-lhe os ácaros?

   Crónica de gente pequenina – Viagra
   Ontem, sábado, 7 de Fevereiro de 2009, andei à cata dos meus papéis importantes. Quer isto dizer, foi dia de pensar no IRS, na declaração de rendimentos e nas coisas que lhe dizem respeito. Não posso atrasar-me se quero receber, se for caso disso, Deus queira que sim, o meu reembolso em Abril, o tempo em que o IMI me vai fazer a primeira visita, do meu ponto de vista económico e doméstico, perfeitamente dispensável. A vida está uma carestia sem tamanho.
   Então, a dada altura da minha tarefa, dei comigo a engendrar uma história fiscal, protagonizada entre as Finanças e um ilustre cidadão.
Ocorreu-me assim:
   Estava o senhor fiscal concentrado nos papéis que o contribuinte apresentou, quando os seus olhos toparam com uma enormidade de facturazinhas de farmácia onde o Viagra aparecia com uma frequência estranha.
   Depois do primeiro ah de espanto, o bom do fiscal coçou por momentos a cabeça, olhou através da janela da repartição para uma rapariga de minissaia que estava na avenida a acender um cigarro, disse-se para si próprio que se acalmasse antes de qualquer outra coisa, porque precisava de desenvolver um são raciocínio que o fizesse entender a questão. Era mesmo muito, muito Viagra para um só homem…
   Enquanto isso, fazia contas aos dias, meses e até horas do ano fiscal do contribuinte, soltando de vez em quando uns risos, só para não declarar imediatamente, sem previa audição do homem, como manda a lei, que estava perante uma fraude, no mínimo, sexual, se fraude de outra natureza não tivesse pela frente.
   ─Não, não pode ser! Isto é uma enorme contradição! – dizia de si para si o pobre do fiscal, enquanto a rapariga tentava sossegar a saia, que uma rabanada de vento teimava em levantar até cima ─ Nem o meu amigo que tem trinta anos consegue gastar tanto dinheiro em preservativos!
E, de lógica em lógica, o homem estava quase a concluir que aquele senhor, assim tão apreciador de sexo, só poderia ser uma espécie de Z.C. o que, por si só, aumentava a contradição.
   Que lhe constasse, nunca o algarvio precisara de recorrer a tamanhão artifício para levar a bom porto o seu trabalho, sem ter de levar depois com reclamações por deficiente cumprimento dos contratos.
No caso presente, estava perante uma execução tecnicamente impossível, senão pelo desempenho em si, ao menos pelo tempo. Quase que eram muitos mais comprimidos de medicamento do que dias tinha o ano. A menos que o contribuinte tivesse passado 365 dias na cama…
   Entretanto, o fiscal contava de novo os meses, as semanas, os dias e as horas e, quando se decidiu por convocar o senhor a fim de obter a devida explicação para o uso de tanto Viagra, verificou que o contribuinte era juiz de direito.
   Não importava, juiz de direito ou não, o direito era que o direito fosse reposto se tivesse sido violado, ou corrigir o erro se tivesse havido um qualquer engano na junção da documentação à declaração anual de rendimentos agora em apreço.
   Quando, passados uns dias, se confrontou com o contribuinte para este deslindar a contradição, o juiz, em vez de lhe agradecer a atenção que a entidade tributadora dedicou aos seus papéis, despediu-se do fiscal, dizendo entre dentes:
   ─ Espera lá, que se algum dia introduzires um processo sobre fiscalidade no meu juízo é certo e sabido que vais levar por tabela!
   Bom, digo eu contadora de histórias inventadas, haja ou não processo para a justiça decidir, mais um juiz que um dia irá direitinho para o inferno! Mas, em vez de ir a cavalo nas testemunhas, desta vez terá o privilégio de ir montado num farmacêutico, quiçá tão velho como o juiz e que se deu ao desplante de passar facturas falsas para que um amigo e pobrezinho juiz tivesse algo a receber quando o fisco, em devido tempo, acertasse contas com o seu ilustre cliente.

Nota importante: Esta é uma obra de pura ficção e qualquer semelhança com a realidade não passa de mera coincidência. Não creio, todavia, que isso algum dia possa acontecer: os juízes são pessoas sérias.
Andará por aí alguém que queira acrescentar aqui uma moral qualquer?