Pedro Ventura
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« em: Agosto 21, 2016, 22:00:03 » |
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Laurentino Bento sonhava sair da aldeia. O trabalho escasseava e as bocas para nutrir proliferavam. Ele e a sua mulher, Rosália de nome, já iam no terceiro filho. Duas filhas e um rapaz. A sua ambição era muita mas o dinheiro era pouco para concretizar esse seu sonho. Contudo, um dia em conversa no botequim da D. Rosa, em que o assunto se concentrava na festa de Agosto, esperto que nem alho, surgiu-lhe uma ideia, que, na sua mente, o levaria para fora daquele lugarejo. Devido ao trabalho que dava organizar tal evento, muita gente arredava-se dessa responsabilidade. Alguns, por mera insciência. Os que não se ofereciam para trabalhar ofereciam-se para comer e beber… - Este ano vou ser eu a organizar a festa… Vai ser em grande! Até teremos fogo-de-artifÃcio… Toda a gente desta região se irá lembrar da grandiosidade que foi a nossa festa. O que se conseguir amealhar será para as obras da igreja que tanto precisa. Amanhã vou falar com o padre Abel. Os que o rodeavam assentiram com os copos erguidos no ar em jeito de brinde e que viesse mais uma rodada. À noite, contou à mulher o que congeminara. Esta teria um papel capital para Laurentino levar os seus intentos a bom porto, ainda assim, não terá sido fácil fazê-la embarcar. No dia seguinte, mal dormido mas estimulado, reuniu-se com o padre Abel. Este concordou com a iniciativa, mormente com a promessa de ver a sua igreja com nova cara. Como todos tinham Laurentino como um homem de bem, responsável e enérgico, na missa, também todo o povo concordou perante o altar e as palavras convincentes do padre Abel, que, como quem não quer a coisa ia apelando ao contributo de todos. Cada um daria o que podia mas que não passassem privações. Ainda assim, alguns miravam o homem que discursava com alguma desconfiança. É que à boca pequena dizia-se que ele namoriscava Josefa, uma moça que, nas palavras dele, apenas ia a sua casa para lhe passar as camisas a ferro… E assim foi. Com o passar dos dias Laurentino começava a receber o contributo dos habitantes e até dos emigrados. Era hora de Rosália entrar em acção. Iria açular a colecta. Começaria no botequim da D. Rosa. Comentaria a quantia que cada pessoa tinha dado, e com isto, havendo algumas invejas antigas por aqueles lados, e com a informação a grassar de boca em boca, alguns dobravam a maquia. Sobretudo os emigrados, que com o estatuto não se brinca. Todos queriam ficar bem na fotografia. Todas as noites Laurentino contava o dinheiro aforrado. Nunca vira tanto na sua vida. No espaço de um mês, que Deus lhe perdoasse, tinha o que precisava para zarpar. No espaço de uma lua Laurentino estava em França com toda a parentela. Dias depois, quando toda a aldeia se apercebeu da trapaça, Laurentino nem vê-lo, juraram-lhe morte. Que nem os ossos dele seriam enterrados naquela terra. Em França, expedito, depressa arranjou trabalho e, em meia dúzia de anos, Laurentino passou de um simples servente para um bem-sucedido empresário da construção civil. Mas com ele levou o diabo à perna. Morreu-lhe a mulher num trágico acidente de viação e também ele estava agora muito doente. Maleita sem cura, e de progressão rápida, diziam os médicos franciús. Cara a cara com a doença veio-lhe o remorso pelo maior pecado da sua vida. Procurou a redenção e escreveu ao padre Abel, talvez o único que lhe concederia o perdão. Dizia que estava muito doente, à s portas da morte, que esta era o seu merecido castigo, que o absolvessem, que se sentia um biltre, e que o seu último desejo seria ser sepultado na terra onde nascera, junto aos seus pais. Para terminar, que enviaria um cheque com um valor muito superior à quantia que tinha levado, não para as obras da velha igreja, mas sim para uma nova, construÃda de raiz. O padre leu a carta ao seu rebanho e, com alguma celeuma na casa de Deus, acabaram por considerar e consentir o ultimo desejo de Laurentino. Falecera semanas depois mas não sem antes se certificar de que o padre Abel tinha recebido o valioso cheque e que todo o povo tinha o conhecimento da existência do mesmo. Não queria ver de novo o seu povo enganado. Laurentino Bento fora enterrado junto aos seus pais. Os filhos, agora cinco, sentiram alguma vergonha aquando da cerimónia fúnebre (alguns inconformados e de memória ainda fresca, vituperaram o defunto), mas a vida deles não passava por aquelas bandas. Tinham um negócio para gerir e provavelmente nunca mais tornariam à quele lugar. Na aldeia a velha igreja continua como outrora. Quanto ao cheque, ainda hoje se conta que voou para o Brasil na posse do padre Abel. Com ele foi Josefa. Precisaria sempre de alguém que lhe passasse as camisas a ferro, como ele dizia.
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