Vóny Ferreira
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« em: Setembro 25, 2008, 13:14:33 » |
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Vou fugir… vou fugir… O céu espera-me, os rios pertencem-me. Apesar do frio posso mergulhar neles quando me apetecer. Chapinhar na agua e fingir que os peixes gostam de mim. O vento e a chuva já não me assustam. Vou ser como os pardais que saltitam de árvore em árvore, que buscam a comida no chão num bicar desaforado entre as folhas, que olham destemidos para as pessoas com os seus olhitos de berlindes, porque sabem que têm asas e elas não. Os caixotes de lixo guardam autênticas relÃquias. É lá que me sustento a maior partes das vezes. Comida boa, pão duro mas bom. Os ricos são uns pelintras. Deitam tudo fora, os fidalgos. Se soubessem como os restos fazem falta a quem tem fome… Vou fugir… vou fugir… Estou farto da miséria, de levar tareias e de ser tratado como o porco que a avó alimenta a barafustar. Com pragas, palavrões e pontapés. Foi neste emaranhado de pensamentos que Rodolfo engendrou meticulosamente a sua fuga, no dia anterior. Pegou num saco onde colocou alguns trapos, uns ténis esburacados, e pôs-se à boleia como quem projecta fazer uma viagem turÃstica a um PaÃs paradisÃaco. Teve a sorte de um casal de meia idade, lhe ter dado boleia, numa carrinha aberta que tresandava a peixe podre. Quando pararam a carrinha perguntaram-lhe olhando de soslaio. - Para onde vais, menino? - Para nenhures... bom, nenhures não, vou ter com o meu pai que trabalha nas obras em Lisboa. - Então tens sorte porque vamos para Lisboa, sobe lá para trás. Ordenaram. E ele assim fez, num salto de gafanhoto extasiado.
Horas mais tarde exausto, Rodolfo estendeu-se num banco do jardim e adormeceu ao sabor daqueles pensamentos que pareciam cavalgar num daqueles carroceis de feira que ele tanto gostava de ver na aldeia quando chegava a altura das festividades da igreja. Sonhava com a irmã mais nova, a Clarinha, quando acordou estremunhado, com uma voz asperamente salgada. Nesse momentos os seus sonhos eram doces porque ele e a Clara caminhavam lado a lado a sorrir sem motivo algum, comento ambos algodão doce.
Nos primeiros instantes Rodolfo, fingiu que continuava adormecido, apesar da insistência daquela voz que parecia um martelo a pregar um prego numa pedra de xisto. Aquela voz inexpressiva era torturante como o vento a bater nas vidraças estilhaçadas da barraca onde vivia com a avó e a irmã, depois de ter sido abandonado pela mãe logo à nascença. Do pai nem sabia o nome nem era preciso. Só precisava dele próprio e dos sorriso da irmã com 4 anos de idade. - Que fazes aqui às 3 da madrugada a dormir num banco de jardim, miúdo?
Despindo o medo que em certos momentos aturdia os seus 12 anos de vida, abriu um dos olhos como quem espreita num buraco da fechadura. Conseguiu apenas ver um vulto acinzentado. A luz do candeeiro do jardim que incidia sobre o seu rosto encandeado, de repente pareceu-lhe o sol madrugador. O olho semi aberto encandeou-se e começo de imediato a lacrimejar. Rodolfo permaneceu numa quietude de estátua e nada disse. Apercebeu-se que estava enregelado. As mãos que esquecera de abrigar por entre as pernas, doÃam-lhe como se lhe tivessem espetado dezenas de agulhas. O vulto arredondado do polÃcia lá estava, teimosamente encurvado sobre o seu vulto de mármore, à espera de uma reacção, como quem perscrute no escuro enquanto teme o alarmismo de irritantes dos fantasmas. Vou fugir… Vou fugir… O pelintra do bófia não desiste… vou fugir! - Ei… miúdo? Estás bêbado ou quê? O que fazes aqui rapazinho? - Bêbado é ele, grande pelintra! - pensou. Tresanda a álcool. Parece a avó quando se põe a beber vinho como eu bebo leite quando há. Vou fugir… vou fugir… O sol amanhã espera-me. Se não estiver muito frio vou nadar no rio Tejo que é bué da fixe. O céu espera-me, os rios pertencem-me… No momento em que o agente lhe deu um safanão para o acordar, Rodolfo deu um salto transformado em gafanhoto, e desatou a correr em direcção à s sombras da noite. VÓNY FERREIRA
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