Tere Tavares
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« em: Março 27, 2011, 23:02:39 » |
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De onde a intensidade do brilho captará toda nudez das emoções.
Eu estava sobre uma toalha branca de fino bordado. A mesa sustentada por colunas de madeira, onde fora esculpido um feixe de trigo, um peixe dourado, um cordeiro de olhos mansos, folhas de oliveira e um cacho de uvas azul escuras. Um livro grande de capa marrom repousava numa estrutura de metal entre os candelabros e as constelações de pétalas.
Chegou. Como se fosse um ser de espécie desconhecida. Serenamente calma pela benevolência do sol que a aquecera permitia-se estar ali como se flutuasse, sem preocupar-se com nada. Agradecia à sua forma sorridente, que mesmo sob as mais inescrutáveis provas, conseguia não deixar exumar-se. Os cânticos eram acréscimos indulgentes aos ritmos próprios. Misturava-se à brancura dos castiçais e cálices ofertando o que tinha de mais sincero, permeando um depositário de anseios e graças alcançadas. A jovem mulher era comum, talvez mãe, e parecia que nada viera deixar ou buscar senão o bem de expor as extensões da vida, o mistério de existir, a força venerável da introspecção.
Percorreu as paredes. Havia nelas outras esculturas, retratando o mesmo homem em diferentes situações: tendo ao seu lado alguém que lavava as mãos, alguém que o ajudava a carregar seu fardo, uma mulher de longos e negros cabelos a beijar-lhe os pés. Gostaria de não dizer que viu o homem crucificado na penúltima. Na décima segunda ele aparecia entre nuvens e figuras voláteis, transparente e rutilante como um anjo.
“Bem aventurados os puros de coração porque verão à minha face, os pacÃficos porque serão chamados meus filhos. Vosso pai sabe o que vos é necessário antes que vós lho peçais. Eu quero a misericórdia e não o sacrifÃcioâ€. Cada palavra que auscultava era revolvida e tacitamente abnegada.
Segurou firmemente a mão da menina ao seu lado. Pousou uma carÃcia leve em seus cabelos anelados, nutrindo, fazendo crescer o sentimento como se lhe arrancassem uma porção cada vez maior da alma e findassem por subtraÃ-la totalmente. Confortava-se corajosamente para assumir a mais bela vitória, por mais morosa que parecesse, haveria de culminar no objetivo concretizado.
Um entrelaçamento carinhoso onde a eloqüência do amor não sucumbe à indiferença que reserva tão pouco de nobre, algo que seria mais do que uma referência de bondade uniria aqueles dois corações mais fortemente do que nunca. Uma frase fraturou a mudez e cobriu o chão: “Um pacto vos fita do altoâ€. Nunca mais foram as mesmas. Também não retornaram.
Por cerca de dois meses eu permaneci ali. Minhas pétalas se foram e com isso ganhei o jardim amplo dos fundos. Duvidava, com tristeza, que fosse possÃvel renascer no meu novo lugar. O tempo foi passando. Fui regada e cultivada com esmero. De mim brotaram duas mudas muito verdes que alguém deitou em vasos de fibra de coco.
Busquei toda a energia das estrelas para tornar-me ainda mais exultante. No ano seguinte, já em forma de orquÃdeas florescidas, servi de presente a uma famÃlia. Realcei os recônditos da nova casa com todo idÃlio do mundo. Entre as roseiras avistei a mulher e a menina novamente como se fossem filamentos de mim mesma, revolvidos num espelho.
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