Maria Gabriela de Sá
|
|
« em: Março 24, 2014, 20:16:05 » |
|
O Amor é Eterno
Há muito que as três amigas não se viam. Nenhuma delas se lembrava do último encontro, se tinham decorrido simplesmente meses ou mais de duas décadas, desde a derradeira tertúlia com o resto dos amigos, quando a turbulência da idade e os encontros e desencontros do amor, mesmo sem elas saberem, começavam a fazer os primeiros estragos na vida de cada uma. A ela parecia-lhe, unicamente, que não teriam passado mais do que uns breves meses após a última festa, o último exame da faculdade, o divórcio de uma e o casamento da outra, mais os filhos que uma teve e outra não, ambas por opção ou talvez por acaso. Talvez tivesse sido mesmo antes, quando nada disso tinha ainda acontecido, muito menos os filhos, que condicionam sempre a vida e os encontros entre amigas.
Hoje iriam jantar a três a casa da mãe dela. Foi o que combinaram, quando, nesse mesmo dia, se encontraram, por acaso, logo pela manhã.
As amigas chegaram primeiro. Ela acabara por ir por um caminho diferente, onde perdeu as horas observando a paisagem das videiras tosquiadas para o renascimento da primavera. E, quando ela própria chegou, as amigas estavam na cozinha à sua espera. Não vira a mãe, a quem estupidamente se esquecera de avisar das visitas. E já era um bocado tarde quando entrou em casa.
Num tacho, sobre o fogão a gás, havia rojões à moda do Minho, suficientes para todas, e havia ainda um outro tacho de arroz branco. A mesa não estava, sequer, posta. A mãe estaria, com toda a razão, aborrecida com ela. Sem sequer se preocupar com as amigas, a quem deu toda a liberdade para estarem à vontade, resolvera ir para o quarto, mesmo ali ao lado da cozinha. E ela sentiu que estava mais do que na hora de lhe pedir desculpas.
Bateu à porta, entrando a seguir com a autorização devida.
O rosto da mãe estava bastante transpirado, e, apesar do esquecimento sobre as visitas, ela parecia não estar muito zangada.
Reparou então como era bonita. Alta e morena, nos cabelos lisos mal se via uma branca. Nunca se tinham entendido bem as duas, mas ela nunca deixara de sentir a falta da mãe, que um afastamento inexplicável lhe tinha tirado anos antes, acentuando-se na adolescência, logo após os seus primeiros atos de rebeldia. O pior era que nenhuma delas sabia de quem era a culpa.
Mas, hoje, estava ali, com as duas amigas da faculdade na cozinha à sua espera para jantarem, e a mãe estava à sua frente.
Num impulso sem precedentes, abraçou a mãe, que lhe retribuiu com um abraço igual, quente e imenso como nunca sentira antes. Afinal a mãe não era a mulher fria que sempre julgara, e ela nem percebia porque tinha demorado tanto tempo a pedir-lhe aquele colo, onde agora se sentia outra vez pequenina. Tanto aconchego trazia uma aceitação tácita e sem censura de todas as coisas menos boas que ela fizera ao longo da vida, no decurso das suas pródigas rebeldias. Por seu lado, pela primeira vez, ela sentia a mãe inteira, aceitando-se mutuamente nas especificidades próprias de cada uma. E, ali, naqueles instantes de verdadeiro afeto, todas as diferenças se diluÃram, e ela sentiu que, finalmente, tinha mãe, e que acabara de regressar a casa depois de uma longa ausência.
Quando acordou, recordou aquele abraço como a melhor sensação da sua vida de filha. Só que a mãe tinha morrido há mais de 20 anos…
Depois, ao rememorar o passado, pensou que aquele sonho devia ter sido mesmo a maneira de uma mãe morta reconfortar a filha viva e dizer-lhe, através de um abraço, que os laços do amor nunca se quebram, e que talvez a vida seja mesmo eterna…
|