- Eu amava Fanny e já não amo.
- Agustina Bessa-LuÃs, Fanny Owen
Durante algum tempo ponderei se submeteria
Fanny Owen de Agustina Bessa-LuÃs a uma análise aqui no
Livros (s)em Critério ou não, isto porque julgo que a minha opinião está toldada por uma primeira impressão bastante negativa de uma autora considerada, por quase todos, como brilhante.
Fanny Owen foi, até agora, o único livro que li de Agustina. Quando iniciei a leitura devo confessar que levava expectativas bastante elevadas. Afinal esta era a autora que se declarava merecedora do prémio Nobel, juntamente com VirgÃlio Ferreira (citada por José Saramago em entrevista à revista LER número 70 de Junho de 2008), por isso seria de esperar algo de transcendental. Esperava uma prosa deliciosa e penetrante, uma história envolvente, artifÃcios de lÃngua inimagináveis ao comum dos escritores. É verdade que esta não é a mais reconhecida obra de Agustina, essa honra caberá talvez a
A Sibila que ainda não me desmotivei de ler, mas ainda assim esperava melhor do que aquilo que encontrei.
Fanny Owen é a história de um amor proibido entre José Augusto, jovem rico herdeiro das vinhas do Douro e amigo de Camilo Castelo Branco (que é também um dos personagens centrais deste livro) e Fanny Owen, filha do General Owen, um dos conselheiros do Rei, por quem Camilo tem também uma profunda paixão. Tudo isto na sociedade burguesa oitocentista portuense, com algumas viagens regulares ao Douro vinhateiro e ao Minho.
A acção está dividida em três grandes blocos, Os Morgados, que conta a vinda do jovem José Augusto ao Porto e o seu relacionamento com a elite cultural da época, o inÃcio da sua relação com Camilo e a sua introdução nos cÃrculos burgueses portuenses; O ParaÃso, que relata o inÃcio da paixão com Fanny, tanto de José Augusto como de Camilo, as constantes viagens dos dois amigos até ao Minho para visitarem o alvo dos seus corações e o inÃcio do enamoramento de Fanny por José Augusto; e, por fim, O Lodeiro, a história da vida crescentemente triste de Fanny e José Augusto na sua casa da provÃncia, apelidada de Lodeiro.
A princÃpio,
Fanny Owen parece ter os elementos clássicos de um triângulo amoroso, no entanto essa ideia desfaz-se ao longo da história, com Camilo a afastar-se e a implorar ao amigo que faça o mesmo. Ele pressentia que a insistência de José Augusto em Fanny apenas poderia trazer consequências
funestas: sublinho aqui esta palavra apenas para referir a quantidade de vezes que a mesma é utilizada ao longo do texto. Tudo, para os três personagens centrais, pode ser considerado de funesto. É uma palavra
bode-expiatório, da mesma forma que
hipócrita é a palavra de salvação para os sermões dos padres católicos.
A grande virtude deste livro, e que pode ser também o grande pecado, é que tudo nele nos transporta para o século dezanove. Não apenas nas descrições das sociedades e dos personagens mas também na própria escrita. Ao lê-lo, fiquei com a sensação de que tinha sido escrito em 1879 em vez de 1979. Se por um lado isso nos lembra do grande talento da autora, por outro enfastia a leitura com um ritmo muito mais lento do que aquele esperado de um romance histórico. Talvez por aà me tenha sentido mais decepcionado. Não considero
Fanny Owen um mau livro, julgo que a minha apreciação tenha sido toldada por expectativas erradas. Ainda assim, encontro nele alguns momentos de brilhantismo, especialmente no comportamento de José Augusto quando após meses de ausência, entra em casa de Camilo, montado a cavalo, acordando-o para um dos seus habituais passeios, como se nada fosse e como se o tempo não tivesse passado. Existem, ao longo do texto, pequenos momentos como este que nos fazem retomar o gosto pela leitura e aguentar mais algumas páginas sofrÃveis de
funestidades. Peca, a meu ver, por uma pobre exploração da personagem de Fanny que parece ter uma tristeza inata que nunca foi capaz de abandonar e que certamente a levou à morte, centrando-se em demasia na personagem de Camilo que não é mais do que o terceiro vértice nesta história.
Ainda assim, e apesar desta primeira desilusão no mundo de Agustina Bessa-LuÃs, o desejo de melhor conhecer o trabalho desta autora mantem-se, e, até, reler esta obra numa outra altura da minha vida em que, quem sabe, a consiga apreciar melhor.
Escrito originalmente aqui.