Pedro Ventura
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« em: Junho 15, 2008, 14:55:19 » |
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Foi a altas horas da noite que o telefone ecoou no domicÃlio do casal Castanheira. A mulher, de sono leve como uma pena, deu um salto no leito, e chamou o marido, à s cotoveladas. - Acácio! Acácio! O telefone está tocar. De certeza que rebentaram as águas à Ivone. Acendeu a luz, e viu que eram três da manhã. - Vai atender, mulher. – responde o marido, estremunhado. A mulher levanta-se num repente, enfia os chinelos nos pés ao contrário, e corre ao telefone. Levanta o auscultador à s pressas, e, sem ouvir quem estava no outro extremo, diz: - Rebentaram-te as águas, minha filha? Nós vamos já para aÃ. - Boa noite. É da casa do Sr. Acácio? - diz a voz feminina, que não era a filha do casal Castanheira. - Sim?! - Fala do hospital… A mulher do Sr. Acácio tapa o bocal do telefone, e sem deixar acabar a frase do outro lado da linha, aflita, grita: - Joaquim, levanta-te! A Ivone foi para o hospital. - Não minha senhora… Oiça-me! - Sim?! - Daqui fala do hospital mas por causa do implante do seu marido. - Não me diga… - Arranjámos um dador compatÃvel. Ouve um acidente… Um homem ainda novo… Mas isso não interessa agora, o importante é que temos o bigode para o seu marido. Tem de estar cá logo pela manhã, está bem? O mais cedo possÃvel… - Sim, sim… O telefone poisou no descanso e a mulher voltou para o quarto. - Marido! Marido! – diz sôfrega. O Sr. Acácio ouvia a mulher mas fazia ouvidos de mercador. - Era do hospital. Arranjaram o teu bigode. Finalmente vais ser transplantado. O Sr. Acácio finalmente acorda, mas com a sensação de que o que acabara de ouvir tinha sido um sonho salutar. - Arranjaram?! - Sim. Temos de estar no hospital logo pela manhã. Devido a um certo estado de ansiedade, o Sr. Acácio passou o resto da noite sem pregar olho. Ao contrário do que se esperava, a sua esposa dormiu o resto da noite pesadamente. Há quatro anos atrás, tinham-lhe diagnosticado uma maleita no seu bigode, e, desde essa altura, que fazia parte de uma vasta lista de espera. Todos os médicos diziam que era complexo arranjar um bigode daqueles. Um bigode farfalhudo e negro, que, desde a sua ida ao médico, caÃa paulatinamente, pêlo a pêlo. E cada pêlo que caÃa, correspondiam a mil e uma lágrimas. A vida do Sr. Acácio tornara-se numa vida tristonha. Até deixara de trabalhar no seu carro de praça. Todavia, nunca abandonou a ideia, de que, para ele se curar, alguém tinha de perecer. Mas a vida é assim. E o dia que estava prestes a germinar, iria ser um dia muito especial para o Sr. Acácio. Assim que os primeiros raios de luz entraram pelos interstÃcios dos estores, o casal levantou-se. - Já fizeste a mala Acácio?! - Sim. Durante a noite. Não consegui dormir mais. De manhã cedo chegaram ao hospital e todos os procedimentos foram feitos com ligeireza. Às oito da manhã começara a cirurgia e passadas duas horas terminara. O especialista, que até era um homem de bom trato, saiu do bloco operatório, e veio dar as boas novas à esposa do Sr. Acácio. - Então, Doutor? Como correu? - Correu muito bem a cirurgia. Não tivemos quaisquer problemas durante a intervenção. Agora o tempo é que nos dirá… Vamos ver como é que ele irá reagir. Vai ter de fazer uma medicação durante alguns tempos para que o seu corpo não rejeite o implante… De resto, acho que não vai haver quaisquer tipos de problemas. Depois irá ser acompanhado regularmente aqui na consulta. - Obrigado, senhor Doutor. Que Deus lhe pague… - Ora essa, minha senhora. Estamos cá para isso. Dois dias depois o Sr. Acácio teve alta clÃnica do hospital e tornou a casa. Levava com ele apenas um penso por debaixo do nariz e a recordação de uma enfermeira roliça que o tinha tratado de uma forma especial, por terem nascido no mesmo concelho. Nessa mesma semana, rebentaram as águas à filha do casal. Eram agora avós de uma menina de olhos verdes. Há semanas verdadeiramente felizes.
2007
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