Antonio
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« em: Fevereiro 08, 2008, 19:41:27 » |
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Manhã de um domingo primaveril. António Santos, já preparado para sair, beijou a mulher e disse-lhe: - Vou tomar o café e dar uma volta. - Não venhas tarde – recomendou a LÃdia. - Estou cá antes da uma, não te preocupes. Dirigiu-se para a porta, saiu, chamou o elevador e desceu até à garagem. Entrou no carro e pensou: - Ainda são dez e meia! Vou tomar o café ao Shopping, para variar. Pouco depois estava no Centro Comercial que mais frequentava. Aos domingos de manhã costumava comprar um jornal desportivo no quiosque de um café que ficava a uns cinco minutos de casa, tomava a bebida negra e quente ao balcão, fumava um cigarro e sentava-se numa mesa a ler as notÃcias da bola. Desta vez, por ser mais cedo que o habitual, resolveu andar mais uns quilómetros. Estacionou a viatura na parque, subiu ao piso da restauração e cafetaria e foi ao balcão onde costumava tomar o cimbalino quando Ãa a esse palácio do consumismo. Levou a chávena para uma mesa e instalou-se. Adoçou a bica com duas pedrinhas de Canderel, sorveu a bebida em dois tragos, pegou num cigarro, acendeu-o, ajeitou os óculos de lentes progressivas, arrumou a xÃcara num canto e estendeu o diário sobre o tampo. Iniciou um varrimento do espaço circundante com os olhos e parou fixando uma mulher de idade próxima da sua. Ele tinha cinquenta anos, era baixo, usava barba já com muitas zonas salpicadas de branco, bem aparada. - Mas aquela é a Julinha! Tenho a certeza. – falou consigo próprio – Está com óptimo aspecto para quem tem quarenta e nove ou cinquenta. E começou a recordar os tempos de teenager em que a Júlia Costa fora a sua grande paixão. Tinham sido amigos de infância. Mais tarde chegaram a namoriscar, mas a intromissão de um tipo mais velho e experiente fizera com que ela o trocasse. Todavia, nunca a esquecera! Provavelmente nunca gostara tanto de uma mulher. Estas paixões da tenra juventude são muitas vezes assim: fugazes e perenes ao mesmo tempo. E, continuando a olhar para ela, vieram-lhe à memória as imagens da ladina Julinha, filha do Dr. Costa e da D. Lucinda. Pele muito branca, cabelos cor de ouro, olhos de um azul celeste lindo, provocadora como se fosse uma mocinha mais velha e mais sabida, assediada por vários rapazes aos quais lançava um olhar que ele nunca esquecera. Depois de acabado o namorico continuou a vê-la e a conversar com ela até que a rapariga desapareceu de cena. Fora viver para uma nova casa no outro lado da grande cidade. Em certo momento notou que a ainda loira, agora provavelmente resultante de arranjos no cabeleireiro, olhou para ele mas logo desviou o olhar com a naturalidade de quem não reconheceu ninguém. - Vou ter com ela! – decidiu o António. Levantou-se, caminhou para a pequena mesa onde estava sentada a sua “inglesinha†predilecta e disse: - Olá, Julinha! Lembras-te de mim? Ela levantou os olhos, observou-o com ar interrogativo e, ao fim de uns largos segundos, respondeu: - És o Toni! O António Santos. - Tens boa memória! - Mas como estás diferente! Se quiseres senta-te um bocado. Eu estou aqui à espera da minha neta que foi com a mãe comprar uma coisa qualquer – falou a senhora. Ele sentou-se. - Pois tu estás na mesma! Enfim, um pouco mais velha, mas parece teres só uns quarenta e poucos anos. E continuas a ser muito linda! – galanteou o homem. - Obrigado! Mas isso são os teus olhos, Toni. De facto já tenho quasi cinquenta anos, quatro filhos e uma neta com três aninhos que é o meu ai Jesus, como calculas. Já és avô? – interrogou a Júlia Costa. - Ainda não! Tenho só um filho, o João, que está a acabar o curso de Economia. Tem vinte e três anos – explicou o Santos. - Eu tenho três rapazes, um com vinte e nove, outro com vinte e oito e o terceiro com vinte e cinco, e uma rapariga com vinte e três. A Soninha é filha dela, a mais nova, por ironia. - Casaste com o Augusto? – perguntou ele, desejoso de saber coisas dela e referindo-se ao concorrente que o destronara no coração da amiga. - Não! Casei com um médico, o Edgar, com quem vivo. As coisas nem sempre correm bem mas, globalmente, sou feliz – confessou ela ao amigo de infância. E acrescentou maliciosa: - Se estavas a pensar que eu estava livre, enganaste-te – e soltou uma risada. Ele sorriu e respondeu: - Também sou casado com a LÃdia, uma professora. Temos um filho, como já te disse, e vamos vivendo um casamento já um pouco desgastado mas que me parece estar sólido. - Pois é, Toni! Isto dos casamentos agora é um ai que lhes dá. O meu filho mais velho já casou e já se divorciou, vê lá! A nossa geração é a última para a qual a tradição ainda é o que era – disse ela, sorrindo. - Eu diria que a nossa é já uma geração de transição. A dos nossos pais, sim! É à antiga portuguesa – opinou o António. - E os teus pais? – quis ela saber. - Estão vivos e de boa saúde. Vivem com a minha irmã que não casou nem tem filhos e os trata muito bem. - Era muito bonita, a Fernanda! – comentou a Júlia. - Pois era! E ainda é! Chegou a ter uma relação com um tipo de quem ela gostava muito mas, em certo momento, ele deixou-a e a Nanda nunca mais quis saber de nenhum homem. Pelo menos para casar. - E tu tiraste algum curso? Eras um rapaz muito inteligente – elogiou ela. - Muito não! Medianamente! Tirei engenharia e continuo a exercer. Faço sobretudo projectos de habitações e prédios. Vivemos com desafogo, felizmente. E tu? – perguntou o Toni. - Eu fui sempre uma calaceira, como sabes. Fiz o quinto dos liceus, aliás com vários chumbos, mas casei com um cirurgião quando tinha dezanove. E vivi sempre à custa dele – e riu-se. - Também com quatro filhos... - Exactamente! Quando eles já eram crescidos ainda pensei em estudar, mas já não tinha paciência. Limitei-me a aperfeiçoar o meu inglês. E agora começam a aparecer os netos e o trabalho familiar vai aumentar de novo. - Ahh...e os teus pais? – perguntou o engenheiro. - O meu pai faleceu há cinco anos. Um médico fumador foi apanhado por um cancro do pulmão. - Lamento, Julinha! - Obrigado! Mas em contrapartida a minha mãe está rija. E depois de olhar para um ponto ao longe, disse: - Olha! Vem aà a minha filha e a minha neta. Deixa-me ficar o teu número do telemóvel para ver se nos encontramos mais vezes e conversamos sobre os velhos tempos. Ele imediatamente lho ditou e pediu o dela, no que foi correspondido. - Pois é, Toni! Tive imenso prazer em ver-te. E só te digo que estás com um ar de galã encantador. - Não gozes! Não gozes! – sorriu ele, vaidoso. Pouco depois estavam junto dos velhos amigos uma jovem loira, parecidÃssima com a mãe, e uma pequerrucha que não negava a ascendência. Fizeram as apresentações e logo se despediram. O António e a Júlia beijaram-se na face. Como lhe soube bem aquele beijo tão simples da sua inesquecÃvel Julinha! E ficou sentado a ver o seu primeiro amor afastar-se, talvez para sempre...
(escrito a 19 de Maio de 2007)
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