Guacira
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« em: Julho 12, 2008, 19:48:17 » |
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Na verdade, essa história já foi alvo de bastante discussão e análise, talvez quase que no mundo todo e por vários autores. Porém, mesmo assim, gostaria de analisá-la sob o ponto de vista do amor – que é a minha proposta – e fiz essa escolha exatamente porque creio que existiu entre eles um amor muito intenso e recÃproco, para começar, pelo fato inusitado à época, de um homem que seria considerado rude, ter tido a sensibilidade de dizer à mulher que lhe fora entregue por esposa, que poderia optar por não se casar com ele se não o quisesse. Segundo alguns autores, Penélope teria sido a primeira mulher na história que pode decidir seu destino. Entretanto, faço outra leitura acerca do assunto: naquelas sociedades as mulheres não tinham autonomia para decidir o próprio destino e, geralmente, as uniões eram decididas entre os pais (elemento masculino) ou famÃlias do futuro casal, como ocorreu neste caso. Seu marido, no entanto, sensibilizado ao perceber que sofria por se ver obrigada à quele casamento, disse-lhe que estaria livre para voltar para casa, se assim o decidisse. Observo nessa atitude um ato amplo de amor ou generosidade, mas que partiu dele; ele lhe “permitiu†retornar à casa do pai. Ela não teve liberdade para decidir não casar; apenas pode optar entre duas alternativas que o marido lhe oferecera e mais, viveria sob a guarda e proteção de um homem ou de outro. Sem dúvida, ainda assim, existe um pioneirismo nessa história feminina, ainda que não tenha partido dela a ousadia de posicionar-se contra uma decisão masculina; mas quem surpreende, verdadeiramente, é ele; à quela época, talvez nem ocorresse a um homem ocupar o pensamento e seu precioso tempo, que precisaria ser gasto em batalhas e conquistas, com coisas tão sutis como os sentimentos de sua mulher; alguns sequer demonstravam sensibilidade para isso. Em relação à mulher, geralmente, nem a chance de fazer opção lhe era concedido; por essa razão, sempre achei que poderia te-lo amado. Quanto à segunda oportunidade de opção, restringe-se ao uso que fazia dos momentos de retiro compulsório de que dispunha, em função de ter que se recolher, por imposição de um filho adolescente grosseiro. AÃ, sim, criou; escreveu seu texto, sua história, tecendo e desmanchando tanto a mortalha, quanto o pensamento, porque tinha um objetivo: não se casar com outro homem; a mortalha era apenas a desculpa enquanto encontrava uma saÃda para si. Talvez – vá se saber! – ela estivesse pensando em, além de se preservar com o estado de espÃrito em que o marido a deixara antes de partir (supondo-se que acreditasse na sua morte, coisas que o coração à s vezes sabe mais que a razão), na medida em que lhe dera chance de fazer uma opção em outro momento, ainda que entre duas alternativas suas – dele - ou então, ser fiel a si mesma, o que seria bastante significativo e inusitado. Penélope criou, elaborou o pensamento – teceu - fazendo relações e utilizando uma estratégia para se livrar de um segundo casamento; mas não pode simplesmente dizer em nenhuma das vezes: não, eu não quero me casar! Sem poder decidir, ela fabricou uma oportunidade, utilizando uma desculpa: criar um texto na composição de uma mortalha que, na verdade, se constituiu a urdidura do seu texto: a decisão de não se casar; Penélope aprendeu a fazer opção (e gostou), a elaborar o pensamento, a lutar, com as armas de que dispunha contra o que não concordava e, sem dúvida, isso foi pioneirismo. Decidir implica em liberdade para analisar, refletir e seguir um caminho usando o livre arbÃtrio a partir de referenciais pessoais; bem diferente de optar entre duas alternativas que nos são apresentadas, porque estas significam limites que não são os nossos, que são delineados por outrem, como um roteiro. Para mim ela só foi livre quando engendrou, quando criou, quando teceu o pensamento, fez relações – como a urdidura - sua independência foi puramente criativa. A idéia do tecer e tecer, que nossa Penélope usa como forma para ganhar tempo ou pensar em uma saÃda para não se casar, mesmo, como já disse, que o seu marido estivesse morto, nos remete à idéia de construção de uma teia feita por uma aranha feminina (o que não sei se é verdadeiro). E o que era ela, senão uma aranha solitária tecendo sua proteção contra os ataques, do filho, dos pretendentes, dos criados, da vida?... Há uma outra questão importante a ser discutida voltando ao vanguardismo feminino; intimamente Penélope não se comportou dentro dos padrões da sua época, em relação à submissão feminina, especialmente das mulheres casadas. Vejamos o que diz Chico Buarque de Hollanda, em sua Mulheres de Atenas:
“elas não tem gosto ou vontade nem defeito nem qualidade têm medo apenas...â€
E mais adiante: “as jovens viúvas marcadas e as gestantes abandonadas não fazem cenas vestem-se de negro se encolhem se confortam e se recolhem...†Penélope não fez isso! O equÃvoco que aponto, em se tratando dessa mulher, é que ela não se comportou exatamente como as mulheres daquela época, ainda que socialmente tivesse mantido a postura que dela era esperada. Tanto que o rei Agamenon sobre isso teria dito: “A alma do filho de Atreu exclamou: ditoso filho de Laertes, industrioso Ulisses, grande era o mérito da que tomaste por esposa. Nobre os sentimentos da irrepreensÃvel Penélope, filha de Icário, que soube manter-se sempre fiel a seu esposo Ulisses! Por isso, jamais perecerá a fama de sua virtude, e os Imortais inspirarão aos homens belos cantos em louvor da prudência de Penélope...†Bem, creio que a fidelidade teria sido muito mais a si mesma do que ao marido, mas prudente, ela foi, sim; e sábia! A mortalha a ser tecida, a meu ver, teria sido um ardil usado, porque sabia que esse costume seria respeitado por seu filho e pretendentes. Àquela época era usual as mulheres tecerem uma mortalha para familiares que estariam prestes a morrer. E o que fez ela em sua prudência? Anunciou que após tecer a mortalha para o sogro que, achou, morreria ao vê-la se casar outra vez, escolheria um dos pretendentes para marido. Aliado a isso, sabiamente finge uma subserviência que estava longe de sentir, acredito, usando inteligentemente um costume socialmente respeitado, enquanto tecia outra e consistente teia, como nossa velha conhecida aranha tece sua proteção. Nessa urdidura ela lança mão dos mais variados fios: o costume da época e lugar, sua revolta por ver-se outra vez submetida à s vontades alheias, quando já experimentara antes o gosto de poder optar , aliado ao fato de, simplesmente, decidir continuar com o estado de espÃrito que conquistara com a cumplicidade do marido. E mais, já experimentara no casamento, o comportamento dos homens, quando se tratava de preservar seus direitos naquela sociedade; de forma geral eram beberrões, agressivos, glutões, insensÃveis, infiéis...Quereria correr esse risco? Observemos que há estreita relação entre o ato de tecer e de pensar, porque quando pensamos construÃmos relações; criamos elos (como uma teia; como a urdidura que sustenta o tecido ou a trama que sustenta o texto) que servirão de base para o argumento que dará origem ao texto final. Neste momento, na elaboração da minha teia argumentativa, poderia me referir a Platão, que encontrara afinidade entre o tecer e formas de estar no mundo e na sociedade, quando diz que a atividade de um polÃtico se assemelha à da tecelagem, em que deverá saber cardar (separar os fios) e fiar, porque teria a missão de unir o tecido maior e o menor para adequar a vestimenta, ou seja, o resultado ( o texto) que nada mais seria, que a elaboração da trama que sustentaria sua argumentação quanto a ser esta missão uma arte; a de conduzir homens. E o que Penélope fez? Ela construiu uma trama – tramou – como base para sua argumentação/intençao de não se casar. Ela construiu duas tramas muito semelhantes e que se completam; pensou (uma trama) e teceu (outra trama), construindo dois textos que se entrelaçam, como um único, o texto final: não se casar. Fosse porque quisesse esperar um marido que não acreditara morto ou, simplesmente, estivesse bem ou ainda visse naquela mortalha o encerramento da sua possibilidade de amar; o fim de tudo – a satisfação interior. À medida que tecia Penélope construÃa uma base fortalecida por nós que ia dando, para que o tecido final – texto – não se desfizesse, mas oferecesse a necessária consistência, com todo o rigor técnico. Assim, nada podia escapar à sua previsão ao desmanchar aquela malha que se constituÃra a base da sua argumentação, consistente, para a recusa. Esses nós, como o pensamento, firmaram a urdidura que segurou a composição daquele texto. Interessante, percebo que quanto mais penso, quanto mais teço o pensamento, quanto mais o elaboro, mais fios e os mais diversos, encontro para fundamentar o que preciso dizer; e mais relações encontro entre o ato de tecer, de tramar - e de viver - uma urdidura que sustentará a trama deste texto aqui. No caso Penélope, extraordinariamente claro, encontro fios que pertencem a outros textos. Mas o fio condutor foi o amor: por si mesma; pelo marido; pela liberdade. Essa foi uma construção, um texto escrito sobre firme urdidura. Aqui, me lembro de certo pensador ter dito que o amor é uma construção e não um quarto pronto de hotel cinco estrelas. Percebem a sutileza? O amor é um texto, um resultado ou o fio condutor – complexo isso -. Agora, há outros sentimentos, outras paixões que transvertem o amor como ventos fortes; chegam de repente; não têm uma existência urdida, tramada... são fugazes como fios soltos, embora não deixem de afetá-lo. Aà estaria, na minha opinião, uma verdadeira história de amor, um amor puro entre dois seres humanos simples, em que se detecta a firmeza em não se deixar contaminar por paixões passageiras ou submeter o outro. Porque sabemos que Ulisses também tramou para se defender da Deusa Calipso, tapando com cera os ouvidos dos seus tripulantes para que não ouvissem o canto mortal que, equivocadamente, se pensava ser das sereias e se amarrando ao mastro do navio para não sucumbir, já que decidira ouvir esse canto... Embora não tenha sido criativo como a aranha encarnada por Penélope ao urdir toda uma teia argumentativa. Perceberam que a minha própria argumentação se constituiu a urdidura do meu texto final: falar de amor, trazendo novos fios a uma trama já bastante elaborada? Que teci o pensamento como uma aranha a teia, e fui dando os nós que seguraram a trama firme da argumentação? E o melhor, levei vocês a urdirem também, a elaborarem o pensamento fazendo as necessárias relações para a construção de outros textos sobre sua própria urdidura; outros tecidos. Bom...
(Obs. peço compreensão quanto à forma como está escrito este texto (um certo ar professoral...risos...); isso deve-se ao fato de ser um fragmento de um trabalho de Arte Literária, para fins pedagógicos/cognitivos).
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