Canção das searas

[carlossoares]

São searas são searas
Corpo trigo que apetece
É o céu azul tão claro
Sobre o sol que nos aquece

É o mar todo ondulado
Pelo nosso peito aberto
Pelo corpo incendiado
Pela ideia do deserto

É a água que apetece
Pelo céu da nossa boca
É a sede que nos queima
É a brisa que nos toca

Somos luas devoradas
Pela fome do encantamento
Rios por veias rasgadas
A correr para o firmamento

Noite antiga iluminada
Banho de lua tão louca
Como a vida derramada
Peixe cru da nossa boca

Somos livres como as folhas
Arrastadas pelo vento
Com as asas da gaivota
Que temos no pensamento

Folhas verdes percorrendo
A magia da ternura
Um arco-íris bebendo
Água da fonte mais pura

Água da raiz do tempo
Num silêncio de rumores
Que vêm do modo lento
Com que se abrem as flores.
 

 

[Mel de Carvalho]

Quase que imaginei uma canção de amigo "ai flores, ai flores de verde pinho ...".
Muito bonito, Ricardo. Acompanhado pelo som de uma guitarra faria certamente as delicias dos ouvintes.

Um abraço
Mel

[carlossoares]

Olá Mel!

Esses versos do rei-poeta Dinis são laudas... "que em verde e ouro se agitam", como disse António Gedeão.
Aprendi a senti-los e a pensá-los ao longo da vida, como tantas coisas que me ensinaram na catequese. Belos versos que, em momentos especiais, devolvem um estranho prazer de sofrer o inominável... Um dia, na minha adolescência, cruzei-me com um grupo de moças divertidas e, num impulso tranquilo, disse-lhes "Ai flores, ai flores, do verde pino!". Eu segui o meu caminho e elas seguiram o delas, mas tive a percepção de que também elas se confrontaram com algo de poético nas suas memórias...
A poesia é o melhor que há!
Bjo.

[Goreti Dias]

Luas devoradas, versos encantados! Belíssimas quadras, bem musicais e de uma fluência espantosa!
Um abraço